Lars Ulrich e Kirk Hammett falam sobre o clássico segundo álbum dos Metallica, “Ride the Lightning”, faixa a faixa. Metallica: como fizemos “Ride the Lightning”

Lars Ulrich e Kirk Hammett falam sobre o clássico segundo álbum dos Metallica, “Ride the Lightning”, faixa a faixa.

O segundo álbum dos Metallica, “Ride the Lightning”, foi lançado a 27 de Julho de 1984 – apenas um ano e dois dias depois de “Kill ‘Em All”. Mas o abismo musical entre os dois foi imenso. Onde a estreia era uma mancha de velocidade e atitude, o seguinte era o trabalho de uma banda a explodir com ideias e confiança. Aqui, o baterista Lars Ulrich e o guitarrista Kirk Hammett falam sobre o álbum que deixou a pegada thrash metal para atrás e apontou o caminho para o futuro glorioso dos Metallica.

Foto: Fin Costello

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Fight Fire with Fire

Após o thrash juvenil de “Kill ‘Em All”, a faixa de abertura de “Ride the Lightning” foi a coisa mais surpreendente que os Metallica tinham gravado: uma introdução suave dá lugar a um ataque sonoro implacável que era ainda mais rápido do que qualquer coisa na estreia. O som de uma banda que sabia que o futuro seria deles.

Kirk: «O riff principal já rondava na digressão do “Kill ‘Em All”. Lembro-me de ouvi-lo numa fita, portanto as sementes já lá estavam. A introdução acústica era algo que o Cliff tocava na viola o tempo todo – quero dizer, a porra do tempo todo. [risos] Não estávamos a tentar provocar ninguém com essa introdução – era algo natural. Não vi nenhuma limitação ao que queríamos fazer. As possibilidades eram altíssimas. E tem de se entender que estávamos a criar o nosso próprio campo de jogo. Estávamos a ir a lugares que ninguém tinha ido antes e ficámos felizes por ir por aí. Fazia sentido experimentar coisas novas e estranhas – por que não?»

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Ride the Lightning

A guitarra cortante de Kirk apresenta um Metalli-riff clássico neste conto sobre um prisioneiro no corredor da morte que enfrenta a longa caminhada até à cadeira eléctrica. A primeira de muitas músicas dos Metallica a abordar os grandes tópicos: morte, claustrofobia e a mão inevitável do destino.

Lars: «“Ride the Lightning” é uma música sobre ficar-se preso numa situação da qual não se consegue escapar. Big Brother, The Man, medo e manipulação. Esse tipo de coisas tornou-se a base das letras nos próximos dois discos.»

Kirk: «Fui eu quem viu a frase ‘ride the lightning’. Foi quando estávamos a gravar o primeiro álbum, quando estávamos hospedados na casa de um tipo chamado Gary Zefting. Eu estava a ler o livro “The Stand”, de Stephen King, a esperar pela vez de fazer as minhas partes, e li essa frase. Ficou na minha cabeça, então escrevi-a e contei ao James. Ele ficou do tipo ‘Whoah, porreiro…’.»

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For Whom the Bell Tolls

Aquilo com que os Metallica mostraram que eram capazes de mais do que apenas thrash: um mini-épico abrangente que foi vagamente inspirado no romance de Ernest Hemingway, com o mesmo título, sobre a Guerra Civil Espanhola. A introdução imortal é construída em torno de uma parte de baixo de Cliff Burton…

Lars: «Usamos frequentemente “For Whom the Bell Tolls” como um ponto de referência para se buscar simplicidade. O que parece que nunca mais conseguimos fazer. [risos]»

Kirk: «Era uma música chave para nós. Novamente, a introdução era uma cena do Cliff – ele tocava-a o tempo todo, e o resto dizia: ‘Que porra era isso?’ Foi completamente uma criação sua – é apenas aquela estranha coisa cromática, a escolha das notas. É muito pouco convencional até hoje. Alguém nos pediu para encurtar a introdução? Não, estávamos 100% comprometidos com cada nota, cada batida.»

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Fade to Black

A grande curva do álbum – uma balada semi-acústica. Naquela altura, os puristas do thrash gritavam ‘vendidos!’.

Lars: «Todos pareciam ter sido apanhados desprevenidos pelo facto de termos feito isto. Surpreendemos toda a gente, menos nós mesmos. Dá para ouvir que a New Wave Of British Heavy Metal inspirou o primeiro disco. Mas se se afastarem um pouco mais, apanham “Child in Time”, de Deep Purple, “Beyond the Realms of Death”, de Judas Priest, e até “Stairway to Heaven” – aquelas músicas grandes, inquietantes e épicas. Esse tipo de música esteve sempre em background para nós – nos nossos corações, sabíamos que faziam parte do som dos Metallica, mas simplesmente não tínhamos a habilidade ou elegância necessárias para lidar com isso no “Kill ‘Em All”. Quando o Cliff e o Kirk chegaram, sentimos que tínhamos capacidade para seguir esse caminho.

Por que é que as pessoas reagiram da maneira como reagiram na altura?
Lars: «Provavelmente porque havia um grupo de pessoas que tinham uma visão diferente do que era Metallica – éramos muito mais do que uma entidade unidimensional. Muitas vezes sinto que há dois Metallicas. Há os Metallica que vivo e respiro todos os dias, e há os Metallica sobre os quais li. Essas são frequentemente duas coisas contraditórias. As coisas pelas quais as pessoas são apanhadas de surpresa são completamente normais na minha mente, mas talvez não façamos um bom trabalho a explicá-las.»

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Trapped Under Ice

Como a faixa-título, apresenta ideias que Kirk Hammett trouxe de sua antiga banda Exodus – neste caso, o riff do verso é baseado em “Impaler”, música à altura não lançada.

Kirk: «Veio de músicas que eu compus. Considero serem partes minhas. Não me senti culpado por isso, mas senti-me culpado por deixar a banda que comecei na escola. Conheço o [baterista de Exodus] Tom Hunting desde os 16 anos, conheço o [guitarrista dos Exodus] Gary Holt desde os 17 anos. Somos chegados até hoje, mas houve muita culpa durante um tempo. Um pouco de remorsos. Mas realmente senti que os Metallica eram o meu chamamento. Sentia-me mais confortável a tocar em Metallica do que em Exodus, portanto pensem.»

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Escape

A tentativa dos Metallica fazerem um êxito. Nem de longe tão má quanto a sua reputação sugere.

Lars: «Tornou-se folclore de que eu odeio “Escape”. Não é verdade! Foi a última música escrita para as sessões de “Ride the Lightning”, e foi propositadamente mantida um pouco mais curta do que as outras músicas. Pensámos nela no espírito de “Run to the Hills” dos Iron Maiden ou “Living After Midnight” dos Judas Priest – será que ouso usar as palavras ‘músicas de rádio’? Então, em vez de transformá-la num tipo de coisa de oito minutos à “Seek and Destroy”, mantivemos isto no lado mais curto. Depois obteve uma má reputação, e não sei porquê. Não tenho um problema particular com isto, mas nunca se tornou essencial ao vivo como as outras músicas do álbum. Isso só mostra que é melhor não se tentar fazer as coisas de propósito.»

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Creeping Death

Muito antes de “Enter Sandman”, a música de assinatura dos Metallica era este épico quase bíblico, completado com o imortal refrão «Die by my hand!». Um essencial no alinhamento ao vivo da banda nas últimas três décadas.

Lars: «Musicalmente, foi uma daquelas músicas que surgiu rapidamente, e depois tornou-se dona de si própria com a mesma rapidez. Liricamente, quando eu era miúdo, era obcecado pelo filme “The Ten Commandments”, com Charlton Heston. Como não tínhamos um VCR, o James e eu fomos à casa dos pais do Cliff com “The Ten Commandments”, e sentámo-nos e vimos ao filme. Há uma cena em que Moisés regressa para tentar tirar o seu povo do Egipto, e quando o Faraó recusa, o primogénito deve morrer. Então, uma névoa aparece da Lua e desce e começa a rastejar pelo chão, ao estilo de uma máquina de fumo, e toda a gente que é apanhada nela cai e morre ali. É daí que as palavras “Creeping Death” vêm. Se virem “The Ten Commandments” e lerem a letra, há definitivamente uma… como posso colocar isto… semelhança.»

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The Call of Ktulu

O grand finale do álbum continuou onde “Anesthesia (Pulling Teeth)”, de “Kill ‘Em All”, parou: um instrumental épico que demonstrou a suprema confiança de uma banda que realmente se encontrou.

Kirk: «Esta é outra música que me lembro de ouvir na digressão do “Kill ‘Em All”. Havia alguma resistência em tocar algo tão complexo quanto isto? Não. Estávamos a melhorar como músicos, a melhorar a tocar uns com os outros. Acho que a infusão de sangue novo – o Cliff e eu – provavelmente ajudou. Foi inspirador para os outros dois rapazes. Todos tinham respeito uns pelos outros, estávamos a avançar, podíamos ver isso a acontecer diante dos nossos olhos. Foi um momento de descoberta. Estávamos a fazer coisas que pareciam ter vindo de nós. Ao nível real, sabíamos o que era certo para nós e sabíamos o que não era, o que estava a funcionar e o que não estava.»

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Consultar artigo original em inglês.