Oriundos do Algarve, os M.E.D.O. trazem-nos o que de melhor há no hardcore: pujança, peso, som mesmo na cara e mensagem...
Foto: cortesia da banda

Oriundos do Algarve, os M.E.D.O. trazem-nos o que de melhor há no hardcore: pujança, peso, som mesmo na cara e mensagem (muita dela a ser antifascista). Em entrevista à Metal Hammer Portugal, Ricardo Catarro (RC) e Rafael Rodrigues (RR) explicam e defendem os conceitos que os fazem ser quem são à medida que nos guiam pelo novo álbum “Monopólio da Violência”.

«Podemos abdicar de muita coisa na nossa vida e mudar muita forma de pensar… mas os ideais e princípios que o punk/hxc nos ensinou hão-de acompanhar-me até ao fim da minha vida.»

Rafael Rodrigues

Ouvimos “Monopólio da Violência” e constatamos que se trata de um manual sobre tudo o que está mal e que tem de ser modificado urgentemente para melhor – fanatismo religioso, mercados insaciáveis, regalias para os mais poderosos, alterações climáticas, guerra, morte. Qual é o sentimento na hora de mandar estas palavras de ordem cá para fora neste momento tão particular das nossas vidas?
RC: É o sentimento de quem olha para o mundo com espírito crítico e quer denunciar as injustiças através da sua música. O hardcore é muito isto, independentemente da era em que vivamos. Nas letras que escrevo tento sempre que a mensagem seja, entre outras coisas, directa e actual. E a mensagem assume um papel fundamental naquilo que somos como banda. Hardcore sem mensagem é só música.
RR: Qualquer luta deve ser intemporal, seja ela qual for. Sobretudo quando vivemos tempos tão atípicos em que há uma pandemia a controlar a população, o fascismo a sair da toca e uma divisão entre o povo que até assusta. Não é só em cima do palco que podemos marcar uma posição. É no boca-a-boca, nas partilhas com terceiros, em tudo o que fazemos no dia-a-dia. Nós podemos abdicar de muita coisa na nossa vida e mudar muita forma de pensar… mas os ideais e princípios que o punk/hxc nos ensinou hão-de acompanhar-me até ao fim da minha vida. Ainda há racismo, ainda há xenofobia, ainda vivemos numa sociedade machista e homofóbica. Se a música não servir para passar a mensagem, então poucas coisas o serão. O sentimento é de revolta e frustração por ver que, para muitos, o hardcore é um ritmo rápido aliado a tattoos e merchandise. Para nós é exactamente o oposto. Para mim, nomes como Zeca Afonso e José Mário Branco hão-de ser sempre mil vezes mais hardcore do que bandas rápidas com mensagem fútil, como álcool, drogas, “gajas”, fama, etc..

“Monopólio da Violência” é um álbum directo, hardcore sem rodeios, com um instrumental confrontacional, com uma voz que expele palavras perceptíveis. Quão importante é simplificar e não complicar o que realmente não é complicado?
RR: Tal como disse acima, mais importante que toda a parte técnica ou visual é aquilo em que acreditamos. De que adianta dizerem-nos que a banda é boa se não lerem as letras?! Claro que é bastante importante gostarem da música. Mas prefiro que me digam que se identificam mais com o que defendemos do que com o que tocamos. É importante entenderes a mensagem sem ter de recorrer ao booklet do disco. Nada contra bandas mais berradas e que entendes menos a mensagem, pois nós também gostamos disso. Mas privilegiamos sempre a mensagem directa e audível, sem rodeios. E se não te identificas com a mensagem, tens duas alternativas: ou aprendes que o mundo já tem ódio e negativismo em demasia e há que tentar inverter o rumo das coisas ou então andas a ouvir a banda errada e talvez seja melhor procurares outro tipo de música. Não me faz sentido simplesmente vender discos e merch se a mensagem não passar. Caso contrário não nos preocupávamos tanto com a frase da camisola ou mesmo com a escolha de temas para vídeos.

A capa, com uma mão vermelha e uma moeda na sua palma, leva-nos a pensar que o dinheiro queima. Estamos próximos da ideia para o artwork?
RC: Demos liberdade criativa ao designer, o Tiago Gonçalves, para ele desenvolver a proposta de artwork. Ele elaborou a ideia e o conceito a partir do que conhecia da banda e das letras do álbum, e nós adorámos. Para mim, a capa espelha o título do álbum. O resto deixo à imaginação de cada um.
RR: Monopólio é ter dinheiro. As guerras são violentas. As guerras são económicas, são disputas pelo poder e grandeza. Está tudo interligado. Os ricos querem sempre mais, enquanto os pobres só querem ter um tecto para se abrigarem, algo no prato para comerem e roupa para aquecer o corpo. Mas enquanto a guerra for disputada entre pessoas que não se conhecem para defender líderes que se odeiam… nada faz sentido. A nossa guerra é verbal, a nossa violência é lírica. E é isso que queremos monopolizar: a mensagem.

«O hardcore é global, multicultural, universal.»

Rafael Rodrigues

O hardcore, vindo do punk como sabemos, é um estilo de música politizado mas sem ser partidário. É uma comunidade sempre muito atenta, solidária, com o intuito de alertar e libertar (principalmente mentes para depois se porem as ideias em prática). Que comentário vos apraz fazer sobre o mediatismo da extrema-direita populista em Portugal?
RC: A extrema-direita e os movimentos populistas têm vindo a crescer um pouco por toda a Europa, e Portugal não é excepção. E é assustador ver que a História parece que se está a repetir. Mas este ascendente tem causas e promotores. Estes movimentos vivem do desalento e do desespero das pessoas, que desconhecendo os seus objectivos e propostas os apoiam, provavelmente mal informados e desconhecendo que essas propostas são contrárias aos seus próprios interesses. E a comunicação social tem também aqui um papel fundamental. Não fazendo uma cobertura rigorosa dos factos e dos programas políticos, e na busca por audiências, acabam a dar-lhes uma exposição mediática brutal e desproporcional.
RR: Se o André Ventura diz as verdades, prefiro ouvir mentiras. O fascismo cresce e ainda vivemos numa sociedade racista na sua maioria. 1974 foi ontem, não foi assim há tanto tempo. As gerações e mentalidades ainda não foram totalmente renovadas, tanto que ainda é comum teres malta a desejar o regresso de Salazar. Mas esses podiam muito bem encontrar uma forma de ir conhecer esse ilustre político português… e levar o Ventura com ele, que também tanto o idolatra. Depois há os iluminados escondidos que andam a sair da toca todos os dias com aquela máxima do ‘a malta não está preparada para ouvir as verdades’. Ainda bem que não estamos preparados. E espero que nunca estejamos. ABAIXO O FASCISMO!

Voltando ao disco, na introdução ouve-se «Faro style, hardcore, MEDO». Dirias que há um nicho muito específico em Faro e no Algarve na hora de se fazer hardcore? O que vos distingue, por exemplo, do hardcore de Lisboa e de Linda-a-Velha?
RR: O hardcore é global, multicultural, universal. Não há diferenças no hardcore porque, para mim, não é a sonoridade que distingue Faro de Linda-a-Velha, mas é a mensagem que difere o hardcore de tantos outros estilos de música, maioritariamente comerciais. E o que é comercial depende da guita… E aí voltamos ao monopólio, mas noutra perspectiva. Identifico-me tanto com o LVHC como com o hardcore de Sintra, Queluz, Loures, Almada, Barcelona, Berlim, Boston, Nova Iorque, São Paulo… desde que a mensagem vá de encontro aos meus ideais. Hardcore sem mensagem é apenas música. E música sem mensagem é apenas ruído. O hardcore é um nicho? Talvez seja. Mas um nicho que tem um poder enorme de mudar mentalidades e ajudar a construir um mundo melhor. Foi através do hardcore que conheci o straight edge, o veganismo e tantas outras lutas/causas, como os direitos humanos, os direitos das mulheres, a igualdade de géneros e raças (a sério que ainda falamos disto em 2021, quando já era uma luta nos anos 90?) e tantas outras batalhas a travar diariamente. No pain, no gain!

«Imaginar o percurso de M.E.D.O. sem o Bafo de Baco é como imaginar um oceano sem água.»

Rafael Rodrigues

Nalgumas regiões do país encontramos locais mediáticos do rock, metal e punk – por exemplo, Metalpoint no Porto, Mercado Negro em Aveiro, Bafo de Baco em Loulé. Falemos do Bafo de Baco: qual é a sua importância para a região algarvia e que papel teve/tem na vida dos membros de M.E.D.O.?
RR: O Bafo de Baco, tal como a Associação de Músicos e o Marginália, entre outros, são catedrais – quer para os M.E.D.O., quer para toda a cultura existente no Algarve (e não só!). O Bafo de Baco traz-nos bandas do mundo inteiro e foi nesse palco que partilhámos cartazes com bandas que são referência para nós, como Dog Eat Dog e Casualties, ou bandas tugas, como Devil In Me, Reality Slap e Grankapo. Imaginar o percurso de M.E.D.O. sem o Bafo é como imaginar um oceano sem água.