tētēma “Necrospace”
Reviews 30 de Março, 2020 Metal Hammer


Editora: Ipecac Recordings
Data de lançamento: 03.04.2020
Género: experimental
Nota: 4/5
“Necroscape” é um álbum psicótico e abstracto – não é para todos.»
“Necroscape” é o segundo álbum de Mike Patton e Anthony Pateras no projecto Tētēma, uma investida por territórios do rock electro-acústico, experimental e avant-garde, no seguimento de “Geocidal” (2014). Patton baralha e volta a dar. Enquanto o álbum de estreia se veio posicionar entre o dark ambient e o drone metal, “Necroscape” introduz uma nova linguagem melódica na articulação da panóplia de géneros musicais envolvidos, do noise industrial à música concreta, sem beliscar a rebeldia das orquestrações abertas à improvisação. A esquizofrenia criativa e a hiperactividade do vocalista-prodígio, multi-instrumentista, empresário e agitador cultural, vão contribuindo cada vez mais para a construção da figura do maverick intelectual associado à cultura heavy metal. O que nem sempre é apreciado pela horda metálica, por se distanciar das convenções decretadas pela facção mais radical e tradicionalista da tribo, acaba por ser indiferente ao génio libertário de Patton que vai somando novas experiências e gravações à sua extensa discografia, e, simultaneamente, ganhando a admiração de outros públicos menos cépticos e fora de caixas.
Para os mais desatentos, é pertinente actualizar informação sobre Mike Patton – o fundador da editora Ipecac (making people sick since 1999) alista os Tētēma definitivamente no seu catálogo, lado-a-lado com os seus outros projectos: Mr.Bungle, Peeping Tom, Mondo Cane, Dead Cross, Fantômas e Tomahawk, para além dos clássicos Faith No More e das múltiplas colaborações com gente tão diversa como Sepultura, John Zorn, Merzbow, Bjork ou The Dillinger Escape Plan. O projecto começou como um duo formado com Anthony Pateras, pianista e compositor australiano a residir em Berlim com cerca de dezoito álbuns editados em nome próprio ou em parceria, também ele muito requisitado para colaborar noutras formações, sendo que uma das mais recentes aconteceu a convite dos Sunn O))) na gravação de “Life Metal”, editado no ano passado. Os Tētēma são agora um quarteto que alberga o violinista Erkki Veltheim e o percussionista Will Guthrie, para além de Patton nas vozes e Anthony Pateras, que se ocupa da electrónica e dos sintetizadores analógicos e modulares. Patton e Pateras assinam a autoria de doze dos temas no alinhamento de “Necroscape”. ”Funerale di Un Contadino”, a última faixa, é uma versão da adaptação de Ennio Morricone de um tema de Chico Buarque, “Morte de Um Lavrador”. O processo de composição é conduzido à distância, por troca de e-mails entre Berlim, San Francisco e Sydney, com o australiano a encarregar-se da componente instrumental e da produção e Patton dos arranjos vocais. Os dois assinam as letras que versam sobre a temática do isolamento na era da vigilância electrónica urbana e cibernética, no momento orwelliano que estamos a viver.
“Necroscape” é um álbum experimental, extremamente diversificado e arrojado, que exige ao ouvinte alguma disponibilidade e espírito aberto. Apesar da extensa viagem por uma imensidão e fusão de géneros musicais, os temas obedecem ao formato canção, rondando os três minutos em média, muitas das vezes caracterizados pela energia musculada do rock e de alguma música extrema. A memória do digital hardcore de uns Atari Teenage Riot, o pulsar industrial dos Einstürzende Neubauten e a técnica vocal do screaming de que Mike Patton tantas vezes se serve, não deixam dúvidas, como se nota de imediato no segundo tema “Cutlass Eye”, após a faixa que dá título ao álbum e serve como intro em que Patton declama as palavras sílaba a sílaba numa toada calma e arrastada sobre um fundo de uma electrónica ilusória e ambient music. No decorrer deste registo somos levados a crer que estamos perante uma produção electrónica, mas não passa de uma ilusão porque a produção de Anthony Paperas vive de uma paleta de sons gerados a partir de sintetizadores analógicos ou modulares, de diversos instrumentos de teclas e da sobreposição de gravações ou de loops, em combinação com os arranjos de voz de Patton, com o violino electrificado e exploratório de Veltheim e as estratégias de percussão de Will Guthrie. Trata-se duma estrutura orgânica, como se pode perceber pela gravação da única actuação ao vivo dos Tētēma, registada no Festival de Arte e Música Experimental, Mona Foma, em 2017, na Tasmânia, num cartaz onde pontuaram também os Juscifer.
“Wait Till Mornin´”, o terceiro do álbum e o primeiro a ser composto, que abre com uma linha de baixo gorda com uma elasticidade de borracha e um groove irresistível, foi um dos temas disponibilizados online na antecipação do disco e pode-se descrever como se Peter Gunn conduzisse sob o efeito de anfetaminas enquanto perseguido por Madlib no perímetro industrial da cidade de Londres. Alucinante. “Haunted on the Uptake”, que se segue, é como se os Melvins se tivessem dedicado a produzir música dos Balcãs num híbrido de rembetika e hardcore, com violinos electrificados, beat boxing e uma batida industrial. Faz lembrar a cena illbient em que pontuava Dj Spooky do catálogo Asphodel na Nova Iorque do final dos anos 1990 ou os Add N To X, de Sheffield, dos primeiros álbuns editados pela Mute Records.
No quinto tema “All Signs Uncensored”, Mike Patton recupera uma vocalização mais característica dos Faith No More, alternada com sussurros e pontuada por ruídos da música noise.
Para além dos temas já referidos, “Necroscape” desfila ainda mais uma mão-cheia de faixas, que valem todas por si mas que não fogem muito ao que já aqui foi dito, ou seja, Patton e Pateras empenharam-se nas músicas exploratórias abrindo caminho a experimentar com tudo, desde a música industrial ao digital hardcore ao hip-hop, passando pela world music e pelo breakcore, drum & bass, psicadelismo e bandas-sonoras, até à ambient music de texturas ora rugosas e abrasivas, ora aveludadas e subtis.
Todo o álbum serve a versatilidade prodigiosa das capacidades vocais de Mike Patton numa atmosfera de manipulação orgânica de sons que ora remetem para uma peça teatral alucinada, ora nos obriga a submergir sobre densas camadas de puro ruído, sob constantes reviravoltas rítmicas para, de seguida, voltar à tona e ao oxigénio nos momentos mais ambient. “Necroscape” é um álbum psicótico e abstracto – não é para todos.
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