Na entrevista que se segue, Nuno, dos Ravensire, fala-nos do novo álbum “A Stone Engraved In Red”, das raízes da formação actual da banda...

Na entrevista que se segue, Nuno, dos Ravensire, fala-nos do novo álbum “A Stone Engraved In Red”, das raízes da formação actual da banda e de histórias passadas ao lado de Mark Shelton dos Manilla Road.

Foto: cortesia da Sure Shot Worx

Depois de “We March Forward” (2013) e “The Cycle Never Ends” (2016), os portugueses Ravensire apresentam uma nova transformação na sua sonoridade com “A Stone Engraved In Red”, novidade lançada pela Cruz del Sur. Neste álbum imprimem a si mesmos uma nova dose de melodia e criatividade, como se pode ouvir na muito boa “Dawning in Darkness”, que abre epicamente e desdobra-se em segmentos mais calmos com solos bastante calorosos, e na última “The Games of Titus”, que apresenta um sentido narrativo apurado. «Ao longo destes anos procurámos sempre centrar a base musical de Ravensire nesse sentido narrativo», começa por responder Nuno (guitarra). «As músicas que acabam por ser mais emblemáticas da nossa discografia assentam muito nisso. Quando pegas numa “Warriors to the Slaughter”, numa “Drawing the Sword”, numa “Temple at the End of the World” ou numa “Procession of the Dead” repararás que em todas existem estruturas ambiciosas e que as letras normalmente acompanham o feeling.» Já os novos temas mencionados no início, e aos quais Nuno adiciona “Carnage at Karnag” e a “After the Battle”, «são uma continuação lógica daquilo que nós consideramos ser o nosso som base». «É verdade que no novo álbum apostámos ainda mais na diversificação de ambientes, e uma prova disso são as várias passagens acústicas, inclusive uma cantada, que é a primeira vez. Mas estando talvez mais proeminentes, não são propriamente uma novidade! Talvez essa proeminência tenha motivado alguns comentários que temos recebido na linha do referido nesta questão. No entanto, esta minha análise acaba por ser um pouco supérflua. O que interessa mesmo é que, quem se cruze com este disco, goste do que ouve e perceba que o que está a ouvir está perfeitamente inserido na identidade de Ravensire. E acho que conseguimos isso.»

«No novo álbum apostámos ainda mais na diversificação de ambientes

Outro ponto positivo neste “A Stoned Engraved In Red” é que não se apresenta com modernices mas também não é enfadonho por ressuscitar constantemente a chama old-school do heavy metal, havendo todo um equilíbrio cativante. Os segredos não se contam, mas o que move um banda de heavy metal tradicional no Séc. XXI? «Acho que o que move a banda é a soma de tudo o que já movia os seus integrantes. Tanto eu como o Rick [baixo, voz] seguimos a cena old-school do heavy metal desde os anos 1980. Estivemos sempre activos enquanto fãs, fomos acompanhando as novas bandas tradicionais que foram surgindo e temos um conhecimento bastante aprofundado de toda esta cena, tanto em termos musicais como em termos de modo de vida. O Mário [guitarra] também partilha as mesmas raízes que nós, embora tenha andado bastantes anos por sons mais extremos. Porém, nos últimos anos, ele percebeu que ainda havia quem mantivesse a chama do heavy metal old-school acesa e foi assim que chegou a nós, ao assistir a um concerto nosso em Benavente ainda com o line-up que gravou os dois álbuns [anteriores a este]. Já o Alex [bateria], embora seja o mais novo e já de uma geração diferente, tem o mesmo espírito, embora, claro, não tão refinado. [risos] E acho que o trabalho dele em Midnight Priest é cartão-de-visita suficiente.» E por falar em Midnight Priest, Nuno recorda: «Nunca hei-de esquecer o dia em que os ouvi pela primeira vez, mesmo no início da carreira deles, quando ainda nem uma demo tinham… Caiu-me o queixo no chão e demorou algum tempo a conseguir voltar a pô-lo no sítio, pois o que estava a ouvir era de tal forma fantástico que me custava acreditar que vinha de uma banda de ‘putos’, de Coimbra ainda por cima! Terra onde não havia praticamente nenhuma tradição de bandas de heavy, nem sequer nos anos 1980! Só os conheci pessoalmente passado algum tempo e, até hoje, continuo a achá-los uma malta seis estrelas, incluindo aquele baterista sapateiro que agora adorna a nossa bateria. [risos]» Voltando a Ravensire, o nosso entrevistado remata: «Não procuramos reinventar a roda nem ser uma cópia chapada do que já foi feito. Queremos, sim, manter os standards do heavy que conhecemos e gostamos há tanto tempo, mas com a nossa identidade própria!»

É sabido que este novo trabalho é dedicado a Hartmuth ‘Barbarian Wrath’ Schindler, um amigo de Ravensire que se encontra em estado vegetativo com poucas esperanças de recuperação, mas também ao malogrado Mark ‘The Shark’ Shelton (1957-2018), dos Manilla Road, uma banda que nunca foi mainstream mas que influenciou todo um género musical. Esse tributo poderá ser ouvido na faixa “After the Battle”. A questão que se impõe é de que forma Nuno gostaria de ver esta banda reabilitada no Séc. XXI. «A meu ver, os Manilla Road já conseguiram perfeitamente essa reabilitação e consagração neste século!», exclama peremptoriamente. «Durante os anos 1980 passaram completamente ao lado das luzes da ribalta, embora tenham lançado montes de álbuns excelentes! Foi mesmo uma questão de estarem na altura certa mas com a música errada e, ainda pior, na localização errada», relembrando depois a primeira vez que ouviu Manilla Road: «Foi por alturas de 1988, com o álbum “Out of the Abyss”, e não gostei particularmente (ainda hoje acho o álbum menos conseguido deles nessa década), pelo que nem investiguei mais nada da discografia! Foi passado uns anos, já nos 1990s, que me veio parar à mão o “Crystal Logic” e, aí sim, levei uma estalada épica no cérebro! Pouco tempo depois, graças ao entusiasmo duns alemães e, especialmente, duns gregos, o Mark Shelton resolveu reactivar a banda e reeditar os álbuns. Com todo o fenómeno da ressurgência do heavy mais tradicional, que teve início nos anos 2000 e vem até hoje, os Manilla Road estiveram sempre na crista da onda. Vieram incontáveis vezes à Europa, tocaram perante milhares de novos fãs ávidos daquela sonoridade pouco convencional, mas com 200% de coração e entusiasmo, e, muito mais importante, acabaram por conquistar o trono de reis do heavy metal underground e influenciar dezenas ou centenas de bandas. Acho que toda a história deles, e particularmente a do Mark Shelton, é uma bonita história de perseverança, paixão e, acima de tudo, justiça tardia! Ainda para mais quando o protagonista era uma pessoa como ele: humilde e bastante terra-a-terra.»

«Acho que toda a história de Manilla Road, e particularmente a do Mark Shelton, é uma bonita história de perseverança, paixão e, acima de tudo, justiça tardia!»

Nuno é bom a recuperar histórias, por isso cá vai mais uma. «Há uns anos, para aí em 2007 ou 2008, estava num festival na Alemanha a fazer uma churrascada com uns amigos alemães quando o Mark e o Bryan ‘Hellroadie’ Patrick vêm ter connosco e perguntam se se podem juntar. Começamos a conversar e o Mark diz-me que acha absolutamente inacreditável como é que ele, um nerd que gostava de fantasia e história medieval de Wichita, Kansas, chegava à Europa e era quase venerado como um deus. Achava aquilo a coisa mais incrível do mundo. Passado um bocado fomos para a área do festival e ele estava perfeitamente entusiasmado porque finalmente ia conhecer pessoalmente Leif Edling dos Candlemass, banda que ele tinha ajudado no início da carreira – os Candlemass assinaram com a Black Dragon para o primeiro álbum “Epicus Doomicus Metalicus” por indicação do Mark –, mas que nunca tinha tido a oportunidade de estar cara-a-cara. Quando o Leif aparece, o Mark vai a correr abraçá-lo completamente entusiasmado, vira-se para mim e diz: ‘Este gajo é uma lenda! Este gajo é um verdadeiro ídolo!’ Para mim, nesse momento, só havia ali uma lenda e um ídolo, e não era o Leif, com todo o respeito que tenho por ele.»

Regressando ao presente, algo que achamos que deve ser tomado em conta quando se assina um acordo discográfico é que a editora deve ter noção e conhecimento do género em que opera, o que acontece com a Cruz del Sur. Sempre foi uma editora que trabalha com muita paixão pelo heavy metal mais tradicional e é uma casa óbvia para Ravensire. É sempre tudo melhor quando a paixão é claramente partilhada em doses semelhantes. «Sem dúvida! Não só a paixão como os objectivos estarem alinhados também», diz-nos Nuno. A ligação entre banda e editora já vem desde o lançamento do mini-CD “Iron Will” (2012), afirmando-nos que Enrico (proprietário da editora), «gostou bastante do trabalho e encomendou diversas cópias ao Francisco», dono d’A Forja Records, que lançou o trabalho. «A seguir, quando estávamos a preparar o “We March Forward” e já depois do Francisco ter dito que ia acabar com a actividade d’A Forja, o Enrico mostrou interesse em lançar o álbum. Infelizmente, os timings que tinha para o lançamento não eram muito benéficos para nós, pelo que optámos por trabalhar com a Eat Metal Records. Apesar disso, mantivemos sempre o contacto e passados dois anos voltei a falar com o Enrico, desta vez cara-a-cara num restaurante na Grécia durante o Up The Hammers. Foi aí que se começou a desenhar a parceria. Passadas poucas semanas enviámos-lhe uma demo com três temas. Ele gostou tanto que ficou logo tudo acertado e o resto é história. Estar numa editora como a Cruz del Sur tem vantagens óbvias; não só pela visibilidade como também pelo catálogo de bandas e lançamentos que tem tudo a ver connosco. Ainda antes de sequer sonhar que iria estar integrado na editora, já eu comprava montes de lançamentos dele!»

Os Ravensire podem estar em alta rotação com a Cruz del Sur, mas Nuno não esquece quem muito fez pela banda que faz parte, reflectindo imediatamente que «estarei em falta se não desenvolver aqui um pouco A Forja Records». E continua: «Posso dizer, sem qualquer dúvida, que se não fosse pelo Francisco, Ravensire provavelmente não teria tido as oportunidades que teve. O Francisco foi um autêntico ‘mecenas’ e o trabalho que fez em prol de Ravensire foi absolutamente incansável e essencial para o impulso inicial que tivemos ao nível do underground europeu. Aliás, para se ter uma ideia, das três bandas que o Francisco lançou, todas elas são perfeitamente conhecidas na cena hoje em dia e duas estão na Cruz del Sur: nós e os Gatekeeper do Canadá. A terceira banda é os ingleses Eliminator, que também têm estado bastante activos ao longo dos anos. Digo-vos sem qualquer dose de exagero que o Francisco foi um dos (senão o!) principais responsáveis pela reimplantação da cena heavy old-school underground por cá, quer através dos lançamentos, da distribuidora que trazia para Portugal lançamentos que de outra maneira passariam ao largo ou dos concertos perfeitamente ‘absurdos’ que organizava por cá! Para mim, o Francisco estará sempre no topo, e só tenho a falar bem dele e agradecer tudo o que fez!»

O novo álbum dos Ravensire intitula-se “A Stone Engraved In Red” e tem lançamento a 14 de Junho de 2019 pela Cruz del Sur.

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