Jeff Becerra: o homem que inventou o death metal sozinho… em 1979
Entrevistas 6 de Março, 2021 Metal Hammer
Fundou os visionários do death metal Possessed antes de uma bala o deixar parcialmente paralisado. Agora, Jeff Becerra está finalmente a receber o respeito que merece.

«Estávamos numa missão para sermos a banda mais pesada do planeta. E é isso que éramos.» – Jeff Becerra, dos Possessed.
Jeff Becerra inventou o death metal. Tão simples como isso. E, notavelmente, inventou-o em 1979, quando escreveu aquela que se tornaria a primeira música dos Possessed – “Burning in Hell” – aos 11 anos. Depois de passar por algumas bandas como um adolescente excitado, Jeff juntou-se a três amigos da escola para formar os Possessed em 1983. Cheios de bravata juvenil, Jeff e os seus camaradas estavam unidos pelo desejo de se impulsionar o metal para um território mais extremo do que nunca: mais rápido, mais pesado, mais desagradável e mais intenso do que até mesmo o emergente movimento thrash conseguia reunir. Se os Slayer estavam a assustar muitas pessoas em LA, os Possessed estavam decididos a ser a banda da Bay Area que poderia assustar os Slayer.
«Queríamos fazer algo mais pesado, mais louco e extremo do que qualquer coisa que tínhamos ouvido», diz Jeff. «Havia speed metal, thrash metal e black metal, por isso vamos dizer que Possessed é uma banda de death metal! Escrevi a música “Death Metal” para fazer uma declaração, de que fomos os primeiros a fazer isto. Queríamos ser diferentes.»
Como a turba de grindcore britânica Lock Up afirmou em certa ocasião numa camisola: “Seven Churches on vinyl or fuck off!” Lançado em Outubro de 1985, o álbum de estreia dos Possessed foi uma declaração de abertura do caraças. Adornado com as imagens satânicas que os Venom trouxeram ao metal apenas alguns anos antes e a soar como um prolongado grito de raiva infernal desde a entranhas de Hades, “Seven Churches” foi instantaneamente saudado como um clássico pelos fãs do crescente metal underground.
Mais de 30 anos depois, é impossível negar o seu impacto e influência colossal. Como Jeff observa alegremente, o falecido e grande Chuck Schuldiner costumava citar Possessed como inspiração para os seus próprios pioneiros esforços musicais com Death, e mesmo que outras bandas tenham tido um impacto semelhante na evolução posterior do género, todo o vocabulário do death metal pode finalmente ser rastreado até a um monte de músicas escritas por estes adolescentes de San Francisco no início dos anos 80. “Seven Churches” é onde o death metal começou. E embora os Possessed tenham lançado mais dois discos bem-recebidos antes de sua separação prematura em 1987 – “Beyond the Gates” (1986) e o EP “The Eyes of Horror” (1987) –, é devido a “Seven Churches” que Jeff & Cia. são mais celebrados.
«Muitas pessoas pensam assim, mas a verdade é que o segundo disco vendeu mais do que o “Seven Churches” e é o mais vendido dos Possessed», ri Jeff. «Gosto mais do segundo! Mas com o primeiro álbum estávamos apenas a ir à loucura e a tentar fazer uma declaração. Não dá para fingir aquele tipo de intensidade, e os discos de estreia são únicos nesse sentido, não é? Mas tentei fazer com que cada álbum fosse diferente, para que o death metal pudesse tornar-se esta coisa abrangente. Estou orgulhoso disso tudo.»
O fim do primeiro capítulo dos Possessed em 1987 foi um choque para o seu crescente exército de fãs. Como Jeff explica, os seus companheiros de banda – os guitarristas Mike Torrao e Larry LaLonde (que se juntaria a Primus) e o baterista Mike Sus – começaram a batalhar com os rigores de se estar numa banda cada vez mais popular. Apesar dos esforços do vocalista para manter as coisas nos carris, a separação foi inevitável.
«Fazer isto pode ser uma vida difícil», Jeff encolhe os ombros. «Não há dinheiro nisto e muitas pessoas precisam dessa segurança nas suas vidas. Assim, entendi, e ainda entendo, que não é para todos. Ainda acho que se tivéssemos ficado juntos, poderia ter funcionado e poderíamos ter feito muitas coisas boas. Mas não consegui que ficassem. Foi de partir o coração. Mas eu não queria estar numa banda com alguém que não queria estar ali. De qualquer maneira, o destino tinha outras ideias, certo?»
Além do seu indiscutível estatuto como criador do death metal, a verdade é que o que a maioria das pessoas sabe sobre Jeff Becerra é que está numa cadeira de rodas há cerca de 30 anos. Como sublinha, está numa cadeira de rodas há mais tempo do que quando não estava e fica feliz por nos contar a história inteira e horripilante sobre como sofreu os ferimentos.
A versão resumida é que em 1989 foi assaltado à porta de uma loja e foi baleado à queima-roupa. Uma bala ficou alojada na coluna e paralisou-o do peito para baixo, ficando sem um pulmão e várias costelas no processo. Ainda a temer pela sua vida enquanto os agressores fugiam do local, Jeff conseguiu arrastar-se pelo chão e rolar para baixo dum carro estacionado, onde esperou durante várias horas pela polícia e pelos serviços de emergência. Sem surpresa, daquele momento em diante, a vida de Jeff ficou do avesso e tocar death metal já não era a prioridade de outrora. Sobrevivência era tudo o que importava, tanto física como emocional.
«Mudei-me para um novo apartamento enquanto me acostumava a tudo», recorda. «Foi como estar cinco anos na prisão. Foi muito solitário. Estava cercado de prostitutas, motoqueiros e traficantes. Não era o ambiente ideal para ninguém, especialmente para alguém na minha posição. Passei cinco anos a dar na droga e a f*der-me todo com álcool. Estive muito perto de morrer, para ser honesto. Mas no fim, depois de ficar um pouco sóbrio, um amigo meu, que também estava em recuperação, convenceu-me a voltar a estudar. Basicamente, disse-me para crescer.»
Se alguma vez sentires a necessidade de mudar de vida, deixa o Jeff liderar pelo exemplo. Primeiro parou de beber e de se drogar, e, seguidamente, voltou a comprometer-se com a educação ao acabar um curso na faculdade júnior [N.d.T.: entre escola secundária e universidade] e depois a cursar Estudos do Trabalho (uma mistura de leis laborais, economia e direitos civis e dos trabalhadores) na San Francisco State University, passando a tudo com louvor. Recém-formado, Jeff passou uma década a trabalhar num hospital e a envolver-se fortemente com sindicatos. Ao longo do caminho, apaixonou-se, casou-se e teve dois filhos. Mas no fundo da sua mente, o desejo de ressuscitar Possessed e continuar desde onde a banda tinha parado permaneceu e acabou a provar-se irresistível.
«Definitivamente, sempre quis reunir a banda, mas havia algumas coisas de que precisava mesmo de tratar primeiro. Precisava de endireitar a minha vida de várias maneiras, e foi isso que fiz. Agora tenho uma família e uma casa e, finalmente, um novo disco de Possessed. Demorou muito para chegar aí, mas as coisas estão bem agora. Queria que tudo estivesse exactamente bem, portanto acho que demoraria sempre muito. Os últimos 12 anos foram basicamente uma busca para encontrar a formação perfeita dos Possessed.»
Os Possessed voltaram oficialmente em 2007, um regresso despoletado quando Jeff foi chamado para desempenhar as funções de vocalista convidado com os Sadistic Intent (pessoal do death metal de LA) numa cover de “The Exorcist”, o clássico inaugural de “Seven Churches”. Bastante impressionado com a forma como o grupo apresentou o seu próprio material clássico, Jeff decidiu trazer a sua banda de volta à vida com a ajuda dos seus novos associados. Doze anos e várias mudanças de formação depois, apenas o baterista Emilio Marquez permanece vindo daquele crossover inicial dos Sadistic Intent, mas o objectivo final de Jeff foi claramente alcançado: 33 anos depois dos Possessed terem lançado pela última vez um álbum de estúdio, revelaram um absoluto esmagador de crânios na forma de “Revelations of Oblivion” (2019).
O primeiro num contrato de três álbuns com a Nuclear Blast, este é uma reivindicação feroz do trono do death metal, repleto de novos hinos infernais e com aquela atmosfera inconfundível dos Possessed, com o latido feroz de Jeff a ser exactamente o que Satanás pretendia. Se viste a formação actual ao vivo, saberás quão monstruosa e destrutiva a banda se tornou novamente. Como podes imaginar, para um homem que sofreu mais do que merecia, Jeff está absolutamente empolgado por estar de volta e está determinado a dar ao metal uma massiva abanadela de death metal na sua forma mais pura.
«Há um milhão de bandas a tocar death metal, mas isto é o que considero ser death metal», conclui. «Algumas das bandas que andam por aí são incrivelmente brutais e rápidas, é quase um estilo de música diferente! [risos] Mas sei que fizemos um excelente álbum de Possessed. Estou muito interessado por saber o que toda a gente pensa sobre isso, estás a ver? Aconteça o que acontecer, ainda somos os Possessed. Isto ainda é death metal. E a vida é boa.»
Consultar artigo original em inglês.

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