Neste Perdidos no Arquivo recordamos Cynic.

O levantar do véu (1987-1993)
Com um início bastante inspirador em 1987, os Cynic iniciaram actividade com o objectivo de se preencher um vácuo musical no mundo da música extrema que existira desde meados dos anos 1980. Ora, Sean Reinert e Paul Masvidal (baterista e vocalista/guitarrista, respectivamente) era o duo que queria trazer a criatividade de ambos a um palco a necessitar de alguma luz. Os Cynic conseguiram preencher esse vácuo, pelo menos para os mais focados e interessados pela música, sendo que muito desse sucesso foi underground. Até 1993, ano de lançamento de “Focus”, o duo lançou quatro demos, sendo que as primeiras três lhes valeram um acordo com a enorme Roadrunner Records. Já nesta altura apresentam um rol de composições que se expandem pelo metal progressivo e pela música extrema, com fortes tendências no death metal. Logo com estas demos se verifica um balançar para letras sombrias e depressivas, fortemente inspiradas em experiências pessoais. Os trabalhos são ainda crus e asperamente produzidos, sendo esse o grande objectivo, com faixas como “Uroboric Forms” e “The Eagle Nature” a viajarem para o álbum de estreia do grupo americano de Miami. Apesar do valor apresentado, o som ainda estava no início do seu percurso, evoluindo significativamente no lançamento de estreia.

“Focus” torna-se numa das grandes malhas da década. Com uma limpeza – que nunca chega a ser cristalina – em termos de sonoridade e produção, este longa-duração apresenta um duo que reflecte o seu amor por música e diversidade. Até então, Cynic era uma banda de death metal com toques de progressivo, mas com “Focus” a progressão é muito maior, contendo muitos elementos de rock e metal progressivo a par de um som realmente extremo e brutal. Apesar de um início lírico obscuro, desta feita, muito dessa componente é inspirada na religião e em poemas místicos. A inspiração no rock dos anos 1970 é evidenciada pela fluidez do som entre Masvidal e Reinert, com uma bateria brutal ao mesmo tempo que se suaviza em temas como “The Eagle Nature” e “Veil of Maya”, a faixa de abertura. De igual modo, o uso de sintetizadores e instrumentos alternativos surpreende pela desfaçatez e coragem em incluí-los num álbum que devia apenas apresentar um som brutal para agradar aos fãs mais acérrimos. “Focus” consegue apresentar o melhor que um disco de death metal pode incorporar, com toadas de progressivo muito inteligentemente inseridas, num som realmente dinâmico.

Reconhecimento, separação e retorno (1994-2011)
Após um lançamento fantástico, a continuação de “Focus” teve de ser suspensa para mais de uma década depois. Tudo isto devido a diferenças pessoais entre Masvidal e Reinert. A dupla que confiava em músicos de sessão foi obrigada a voltar aos seus projectos pessoais, tonificando a sua técnica para, mais tarde, reunir para concertos em 2006 e 2007. Até 2006 houve reuniões esparsas que poderiam demonstrar um interesse em voltar a produzir. Então, em 2007, chamaram Sean Malone (baixo), Amy Correia (vocais de fundo) e Tymon Kruidenier (guitarra) para os apoiar naquele que se intitularia “Traced in Air”, um álbum altamente diverso e que espantou a crítica. O segundo longa-duração mostra uma banda muito mais madura e receptiva a ainda mais géneros, como o rock progressivo e o alternativo, com faixas que contam quase uma história perdida nos confins da realidade apenas para ser exposta por dois dos maiores da indústria naquele momento. “Traced In Air” apresenta uma sensibilidade intocável que é evidenciada pela emotivas “King Of Those Who Now”, “Evolutionary Sleeper” e a técnica “The Unknown Guest”;,nunca chegando a esquecer as raízes mais pesadas em “Integral Birth”, “The Space For This” e “Adam’s Murmur”, enquanto se abrem as portas ao alternativo e sintetizado, como “Nunc Fluens” e “Nunc Stans”. Este segundo álbum apresenta um portefólio de géneros musicais invejável que acaba por introduzir os fãs para o que viria a ser um EP ainda mais alternativo e exploratório: “Re-Traced”, lançado em 2010.

Esta faceta quase Voivod, Genesis, com Tool à mistura, parece ter agradado à banda que continuou a explorar ainda mais essa vertente no lançamento de 2011, “Carbon-Based Anatomy”, um EP que pareceu ser por demais de fusão para os fãs e para a crítica que acabou por não o receber de forma tão favorável. Neste caso, o duo passou ainda mais a trio, com o papel cada vez mais predominante de Sean Malone. Apesar de tudo isto, este EP satisfaz por completo os adeptos da onda mais alternativa e os adeptos da fusão, conseguindo reproduzir de forma exímia uma sonoridade diferente que consegue ser incluída num som tipicamente mais progressivo.

Últimos anúncios e tragédia (2014-2020)
A verdade é que estes lançamentos preparam o terreno para aquilo que Cynic viria a tipicar e a representar com “Kindly Bent to Free Us”, uma epopeia do metal progressivo pelo mundo moderno e futurista que recria uma realidade que nos parece ser tão próxima. O agora trio é o topo da carreira dos Cynic, apesar do álbum de estreia ter tido tanto sucesso. Este terceiro disco apresenta uma realidade alternativa com faixas incrivelmente desempenhadas e estruturadas, roçando a componente conceptual. Definitivamente, um álbum obrigatório para os fãs de metal progressivo, para todos os que adoram e adoraram os Cynic, mas também para aqueles que duvidavam da sonoridade mais obscura e pesada do duo. “Kindly Bent to Free Us” conquista os corações dos que precisam de abrigo e dos que pretendem refugiar-se num novo mundo cheio das suas qualidades e virtudes, mas também repleto de defeitos de uma realidade futurista muito presente.

Esta coexistência em forma de disco finalizou quando, em Setembro de 2015, Reinert abandona a banda devido a diferenças pessoais e artísticas, deixando Masvidal sozinho no grupo. Isto iniciou uma batalha pelos direitos a actuar sob o nome de Cynic. No entanto, Masvidal continuou a fazer digressões sem Reinert, recrutando Matt Lynch. Em 2017 parece ter havido acordo para Masvidal continuar a banda sem Reinert, tendo, em 2018, sido lançada a faixa “Humanoid”, a primeira sem Reinert. Infelizmente, a 24 Janeiro de 2020, Sean Reinert morreu. O baterista sempre foi um humanitário e defensor dos direitos dos homossexuais, tendo revelado a sua homossexualidade em 2014, juntamente com Paul Masvidal. Apesar de estarmos num mundo inovador e progressista, o seu último desejo de ser doador de órgãos foi recusado pela FDA devido à sua homossexualidade.