Ingrato esse trabalho, o dos fãs que aguardam religiosamente por lançamentos eternamente adiados… Há algumas décadas não era incomum um artista lançar vários álbuns...

Ingrato esse trabalho, o dos fãs que aguardam religiosamente por lançamentos eternamente adiados…

Há algumas décadas não era incomum um artista lançar vários álbuns num ano, experimentando em tour ideias e jams que estavam ainda em construção. Mas com o passar dos tempos, a optimização dos processos de marketing e a evolução das formas de consumo e promoção da música transformaram a indústria num novo modelo onde a cadência (dita ‘normal’) de material se encontra algures entre os dois e os três anos.

O fresquíssimo lançamento de “Fear Inoculum” exuma de novo o exemplo caricato com que Tool nos assombra: os longos 13 anos que foram precisos esperar desde “10 000 Days”. Por este motivo, as expectativas equiparam-se aos níveis de ansiedade, não fosse a banda norte-americana célebre por injectar doses extravagantes de inovação, lógica e contextos profundos nas suas composições (bem patentes no genial “Lateralus” de 2001).

Este largo intervalo de tempo gerou inúmeras ideias e novas músicas, muitas das quais (um álbum inteiro) foram descartadas por não se pautarem de acordo com os níveis de qualidade auto-impostos pela banda – o que seria um bom prognóstico para o conjunto seleccionado para integrar o alinhamento final. Contudo, esta nova proposta revela-se pouco ambiciosa, com “7empest” a elevar-se como a única composição capaz de honrar o legado de Tool e propulsionar a banda para o futuro, mantendo-a relevante e na vanguarda.

A maior parte do álbum gira em torno de ideias já extravasadas, e o sentimento que subsiste é o da extensão descontrolada e ausência do foco preciso e incisivo que irradiava em trabalhos anteriores. A própria prestação de Maynard James Keenan, o carismático vocalista da banda, apresenta-se modesta e bastante aquém do que nos vem habituando, quase como se o seu papel tivesse minguado com o passar do tempo.

Joe Barresi, habitual colaborador da banda, figura uma vez mais na lista de créditos como engenheiro de som, mas também responsável pela mistura majestosa de um álbum que entrega novamente os deveres de produção às mãos da banda – referida por muitos como a grande razão para a ausência de autocontrolo nos álbuns recentes de inúmeros artistas, desde Dream Theater (já desde a saída de Mike Portnoy) a Metallica (com o seu duplo “Hardwired… to Self-Destruct”). Esta tomada do papel de produção tem gerado álbuns intermináveis, cheios de músicas esquizofrénicas com mudanças angulares e desprovidas de flow – invisíveis (ou quase) em trabalhos anteriores em que as bandas se socorreram de um elemento externo, capaz de olhar imparcial e objectivamente para o produto em questão, delineando fronteiras e inspirando reestruturações, forçando o artista a manter-se honesto, extraindo dele uma mais verdadeira essência por oposição à fotografia diluída e retocada, tão popular nos dias que correm.

Também “In Cauda Venenum”, a ser lançado brevemente pelos suecos Opeth, engrossa as fileiras destes álbuns em que a estrutura e composição das músicas são uma autêntica avalanche: aventuroso, descontrolado e avassalador, com momentos controversos em que Åkerfeldt testa de novo (e como nunca) a lealdade dos seus fãs – abordagem diametralmente oposta à que Keenan & Cia. escolheram. Apesar de em ambos sermos mais uma vez presenteados com excelentes riffs, melodias e ambiências, não podemos deixar de questionar se com um maior envolvimento de um produtor, capaz de controlar o hedonismo artístico e aplicar espírito crítico, as composições teriam resultado em canções mais marcantes na carreira das bandas.

Resta-nos então continuar a dissecar e apreciar “Fear Inoculum” com a sua estudada receita para o sucesso (quem sabe inspirada no método dos imortais AC/DC), bem como o monstro de Frankenstein, que é “In Cauda Venenum”, que se aproxima a toda a velocidade, com todos os seus distúrbios de personalidade.