Entrevista a Nightfall.
Foto: cortesia Season of Mist

«As pessoas estão muito mais sensibilizadas sobre a depressão, falam sobre ela e fazem perguntas sobre o tema. Sinto-me à vontade para discuti-la com qualquer pessoa.»

Efthimis Karadimas

Dizem que um mal nunca vem só, mas, em tempos de peste, nada melhor do que dar as boas-vindas aos eternos Nightfall, aquela banda grega que já marcou quatro gerações de metaleiros com a sua teatralidade e um som completamente distinto de qualquer outra. E nenhum tempo seria melhor do que este para a ver regressar aos palcos maiores com “At Night We Prey”, um disco que aborda os vários sentimentos experimentados por Efthimis Karadimas, fundador, vocalista e baixista dos deuses gregos. Por este prisma, parece tratar-se de um dos registos mais íntimos dos Nightfall, o que nos levou a questionar o que teria sucedido para que Efthimis escrevesse um álbum baseado nesse tópico. O vocalista é pragmático em relação a esse assunto, não tivesse vivido uma experiência tão pessoal. «Aconteceu que fiquei furioso por não ter gerido a solução para o problema com antecedência. Estavam lá todos os sinais, mas, por algum motivo, desviei sempre a atenção do assunto. Até que disse para mim: ‘OK, pelo menos diz às pessoas que sofrem de depressão para não seguirem o meu exemplo, mas para se abrirem e procurarem apoio médico especializado. Dessa forma, conseguirão salvar-se e aos outros daquela dor interior.’ As gerações anteriores ensinaram-nos a manter os nossos sentimentos na escuridão, porque seríamos estigmatizados como insanos ou como lunáticos. Bem, é altura de parar com isso, e sinto-me feliz por poder falar abertamente sobre isso através da minha banda. “At Night We Pray” é um disco como os dos anos 70 e 80, pois muitos álbuns desse período abordavam problemas sociais.»

O novo registo dos Nightfall é um dos seus discos mais agressivos, mesmo que a banda não tenha abandonado o blackened death metal sinfónico pelo qual o sempre foi reconhecida. Embora a produção seja muito mais actual, é fácil traçar comparações com discos como “Macabre Sunsets”, muito embora sem a toada experimental desse. Quase parece um regresso às origens de forma natural… «Não sou apologista dos “regressos às raízes”. Para mim, a única coisa que tem raízes são as árvores. As pessoas têm de avançar, estar em constante movimento. A vida é isso. O “Macabre Sunsets” é um disco do caraças! Era tão único quando foi lançado! Mas reflectiu esses tempos. O “At Night We Prey” soa ao que soa por dois motivos: o primeiro é a agressividade do assunto em si e o segundo por causa do desempenho da nova formação. A coisa boa acerca de novas formações é que ganhas sempre uma lufada de ar fresco de criatividade, e isso é espetacular. Como Nightfall, aparecemos por temporadas. Como na Netflix, se bem-entendido. A temporada 1 é com a Holy Records, a temporada 2 é com a Black Lotus, a temporada 3 é com a Metal Blade e a temporada 4 é com a Season of Mist. Se reparares, todas estão divididas por décadas: 1990, 2000, 2010 e 2020, todas com formações distintas. É ou não é fixe? Não foi nada planeado ou propositado, apenas aconteceu. Assim, as mesmas composições nunca seriam desfiadas da mesma forma em tempos anteriores ou noutra era com outros músicos. E porque eu exijo que cada membro contribua, o resultado geral pertence ao colectivo.»

Já a data de lançamento do disco em período de covid-19 parece servir ao conceito dele como uma luva. Ao fim de alguns anos afastado da cena, é curioso verificar a época escolhida para lançar e promover o disco, um tempo de tantas incertezas e receios. Ainda assim, obviamente que nada disto foi planeado – como é que prepararíamos uma depressão e a faríamos coincidir com uma catástrofe sanitária mundial? «A depressão é muito anterior a tudo isto, o álbum apenas fala dela. Aconteceu lançá-lo durante a pandemia, calhou nesta altura. O melhor disto tudo é que, actualmente, as pessoas estão muito mais sensibilizadas sobre a depressão, falam sobre ela e fazem perguntas sobre o tema. Sinto-me à vontade para discuti-la com qualquer pessoa, mas acabo sempre por dizer: ‘Procura apoio médico especializado.’ Estamos a falar de uma doença que requer uma cura. Assim como com uma perna partida, precisas de um especialista para a tratares. Estou muito mais virado para falar sobre o assunto do que para promover mais um disco. É como se tivesse uma missão para cumprir, e isso é um alívio. Já não temos 20 anos para culparmos os outros pelo mau funcionamento das sociedades – elas são geridas por pessoas da nossa idade e seremos nós os portadores da responsabilidade da mudança. Penso que falo por todos os músicos da nossa geração.»

«Já não temos 20 anos para culparmos os outros pelo mau funcionamento das sociedades – elas são geridas por pessoas da nossa idade e seremos nós os portadores da responsabilidade da mudança.»

Efthimis Karadimas

Não foram só os Nightfall ou o mundo que mudaram – ao fim de tantos anos na cena, certamente que Efthimis reparou nas diversas mudanças de paradigma, não apenas na cena grega como também na cena geral a nível mundial, desde os anos 90 à actualidade. Mas teriam sido boas mudanças, tanto ao nível grego como ao nível mundial? «Em termos práticos, sim, foram boas mudanças – instrumentos melhores, equipamento de estúdio fantástico e uma nova geração de produtores que muito ajudaram a revitalizar a cena. No entanto, no início, havia um espírito de inovação que era a força dominante. Acho que o metal passou de movimento social a artístico, e o que conta agora é a qualidade do produto. Não é algo negativo, mas é algo factual. Se tivesse de deliberar, talvez dissesse que, actualmente, as coisas estão melhores. Os músicos têm mais opções hoje em dia. Imensas! Quando começámos isto, não tínhamos muitas.»

Como qualquer outra banda, os Nightfall não deverão ter a oportunidade de promover “At Night We Prey” ao vivo em 2021. Logo, perguntámos a Efthimis se havia algo em concreto preparado para o futuro próximo – e as novidades são encorajadoras. «Bom, a nossa digressão com os Draconian foi adiada para Março de 2022. Até lá, tentaremos fazer com que a espera seja o menos aborrecida possível. Lançaremos vídeos, com certeza, e talvez alguns concertos aqui e ali, em regiões onde isso seja possível. Também estávamos a considerar um streaming ao vivo, mas não é a opção que vai mais de encontro às preferências da banda neste momento.»