“Els Sepulcres Blancs” é uma viagem pela mente dos Foscor, pela realidade que renegam em favor da que preferem construir, uma paisagem melancólica, oculta,...

Editora: Season Of Mist
Data de lançamento: 06.09.2019
Género: prog/dark metal
Nota: 4/5

E eis que, chegado 2019, os Foscor lançam um disco quase desprovido de distorção. Isto poderia ser uma qualquer profecia improvável mas que, ao contrário de tantas outras, acontece de facto com “Els Sepulcres Blancs”, segundo tomo de uma trilogia iniciada em 2017 com “Irreals Vision”. Apoiando-se conceitualmente nas profundas alterações sociais e artísticas do mundo entre finais do Séc. XIX e segunda década do Séc. XX, o primeiro choque que sofremos deve-se à forma como os catalães decidiram exprimir o seu trabalho mais recente: vozes limpas que declamam poesia com blast-beats de fundo, estruturas rítmicas pessimistas, melódicas e desesperantes tecidas pelas cordas e um jogo de bateria e baixo quase místico, quase a apontar para a eternidade. Quando ouvimos o primeiro gutural em “Secrets”, quarta música do disco, achamos que, se calhar, não fazia falta nenhuma e que até estraga um pouco a composição.

“Els Sepulcres Blancs” deveria ser um disco que cresce, tanta e tanta é a complicação introduzida nele pelos Foscor, ainda que menor do que no disco anterior. No entanto, é facilmente assimilável, muito devido ao trabalho vocal de Fiar, que ainda reparte funções como baixista. Seria injusto, porém, não atribuir créditos a todos os outros integrantes, sejam eles membros do núcleo duro ou músicos de sessão. A súmula é um disco (nada) preocupantemente ambiental, pesem os traços pontuais de música extrema, maduro, inspirado como poucos e cativante. Não sendo um disco de black metal, tem momentos nítidos desse género, principalmente no que toca ao trabalho de bateria e guitarras, mas é mais do que isso, muito mais.

Torna-se difícil de situar “Els Sepulcres Blancs” em termos estilísticos – a somar ao já referido black metal, os Foscor adicionam avantgarde, música progressiva e até algum doom épico para criar talvez o disco mais inesperado do ano transacto. Ainda assim, o que o novo registo dos catalães nos faz sentir ultrapassa os domínios da música. “Laments”, por exemplo, dá o mote para os cerca de 40 minutos que se seguem com uma expressividade rara, sempre com diversos tons de tragédia a pintar a tela enegrecida dos Foscor. “Malson”, catalão para “pesadelo”, é contraditório: algo onírico e incorpóreo que costuma causar uma certa sensação de mal-estar torna-se, talvez, no tema mais sereno do disco. A qualidade da produção desta complexidade seria pretexto para lhe fazermos uma crítica à parte, tal é a singularidade do trabalho de Jaime Gomez Arellano.

“Els Sepulcres Blancs” é uma viagem pela mente dos Foscor, pela realidade que renegam em favor da que preferem construir, uma paisagem melancólica, oculta, psicologicamente assustadora mas, em contrapartida, de uma beleza plena. “Els Sepulcres Blancs” é isso mesmo – uma colecção de contradições que não servirá para todos, mas que recompensará quem lhe der uma oportunidade. Trabalho global assinalável e diversificado que certamente alienará os ouvintes mais incautos ou conservadores, mas que receberá de braços abertos os outros, os exploradores.