“Reconcile The Antonomy” é um trabalho claramente dedicado e complexo, que a cada nova audição nos oferece algo mais sem ser de mais. Wells Valley “Reconcile The Antinomy”

Editora: Black Lion Records
Data de lançamento: 08.11.2019
Género: black/sludge/post metal
Nota: 4/5

Lembramo-nos de ver os Wells Valley há dois anos no Moita Metal Fest, o que indica o bem-impressionados que ficámos com a sua prestação. Na verdade, foi tão boa que não só nos lembramos dela como nos recordamos da sensação que tivemos ao ouvir o som debitado pelos três lisboetas. Quase três anos passados, continuamos sem entender como é que uma das bandas nacionais mais interessantes da actualidade continua a voar tão abaixo do radar em Portugal. Ou, se calhar, entendemos bem.

“Matter As Regent” foi um pontapé-de-saída promissor, ainda que tímido, mas com o EP “The Orphic” reparámos realmente no que a banda poderia vir a ser, a começar com a elucidativa “Annunciation” e, claro, a terminar com a mistura de emoções atingida em “Set The Controls For The Heart Of The Sun”, um original da melhor época dos Pink Floyd que recebeu um tratamento distópico e infausto. O EP anunciou grandeza futura devido à emancipação técnica e criativa do trio. Não nos enganámos.

“Reconcile The Antinomy” é (por enquanto) um dos discos nacionais do ano por tudo aquilo com que não contávamos. A juntar ao degredo sónico do sludge, post-metal, doom metal e avant-garde, a banda embarca agora no terminal do black metal, mas não de qualquer black metal, e foi isso que nos surpreendeu. É um black metal dissonante e confuso que faz crescer pêlos no peito, que vai buscar influências a Deathspell Omega e a Portal. Parece improvável, mas a coisa melhora.

O trabalho que mais apela em todo o registo pela bravura em experimentar é o de Pedro Mau (bateria). Metemos “Henosis” em loop para que pudéssemos apreciar quantas vezes quiséssemos aquela martelada tripla e sincopada na tarola. Na verdade, “Henosis” é, a nosso ver, o melhor tema do disco também por culpa dos riffs de Filipe Correia e pelos arranjos orquestrais a meio dele. Depois, Mau adapta-se a cada estilo distinto como se fossem um e um apenas.

“Pleroma”, que antecede “Henosis”, é outro salmo que mistura black metal e sludge/post-metal de forma perfeita. Voltámos atrás na nossa decisão – o melhor tema é “Pleroma” por tudo o que engloba, ou porque é nele que encontramos o melhor riff do disco e o trabalho de bateria mais expansivo, bem como arranjos sinfónicos, mas começa a parecer que estamos a falar novamente de “Henosis”. Ainda que indecisos, não voltaríamos a ouvir momentos melhores do que estes em todo o disco.

A partir da terceira música, Correia mete o travão na velocidade do black metal, mas carrega nos pedais ao lado, os do peso e do experimentalismo. O mesmo sucede com Mau, que abranda o passo, mas que se faz ouvir com potência, principalmente com o enorme reverberar reiterativo do bombo em partes seleccionadas. O baixo de Pedro Lopes ouve-se pouco em todo o registo e gostaríamos de ter ouvido algo mais de experimental da sua parte – algo de inesperado.

“Paragon” passeia mais pela rua do post-metal e tem um final apoteótico novamente pelas mãos de Mau, e a final “Forty Days” tem um início lo-fi iniciado pelas suas baquetas. “Forty Days” parece um apanhado dos seis temas, com riffs de black metal mas sem a sua velocidade, com a mesma cadência por todo o lado da bateria e pelo som mais audível e interessante do baixo, por mais experimentalismo e dissonância, bem como um som atmosférico geral, repetitivo e bom. “Reconcile The Antinomy” não serve para todos os ouvidos. Melhor: nem todos os ouvidos servem para “Reconcile The Antinomy”, um disco difícil de absorver, psicadélico por natureza e com uma produção competentíssima (até atendendo à amálgama de sons da banda). Menos positiva é a oferta curta e simbólica de momentos de black metal no disco, pois conferem-lhe uma vitalidade que tantas vezes outras bandas não possuem. Fora isso, “Reconcile The Antinomy” é um trabalho claramente dedicado e complexo, que a cada nova audição nos oferece algo mais sem ser de mais. É por discos como “Reconcile The Antinomy” que dá gosto de ter ouvidos.

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