Ghost + All Them Witches + Tribulation (10.12.2019 – Lisboa)
Concertos 13 de Dezembro, 2019 João Correia

O caminho entre a Terra e as estrelas não é fácil, mas há quem teime em contradizer Séneca. É o caso dos Ghost, cuja digressão Ultimate Tour Named Deathpassou por terras lusas para benzer os fiéis que se deslocaram à catedral lisboeta. Com casa cheia, os acólitos sabiam ao que iam e não quiseram perder a última oportunidade da década de serem recebidos em audiência privada por Cardinal Copia e seus monsenhores.
A encíclica teve início com os Tribulation. Migrados do death metal progressivo sueco para o gothic metal orientado para as massas, os suecos não deixaram ninguém indiferente devido à imagem e às notas lúgubres do seu espectáculo. A inicial “Nightbound” e “Cries From The Underworld” foram momentos de devida apreciação por parte de um público que conhecia os Tribulation e que os saudou com a devida vénia. As condições técnicas saldaram-se em som e luzes impecáveis, particularmente o som. Quando estamos literalmente encostados ao palco e, sem protecções auriculares, gostamos da nitidez do que ouvimos sem que isso nos magoe os tímpanos – alguém está a fazer um bom trabalho.
Do frio da Suécia passámos para o tempo seco do Tennessee, EUA, pela mão dos All Them Witches. Metal e rock já convivem há algum tempo de mãos dadas e desta vez não foi diferente. Os All Them Witches são portadores de southern rock, sem ponta de metal a assistir-lhes, mas não são menos energéticos por isso. Para alguns, foram mesmo a maior surpresa da noite devido à irreverência em palco, ao constante vaivém de músicos e ao som contagiante que apresentaram. Um concerto de rock como deve ser, portanto. “Diamond” e “When God Comes Back” foram os temas que nos ficaram gravados desta actuação.
Como sempre acontece neste tipo de mega eventos, à hora exacta, os Ghost deram início ao culto da música. Quer se goste ou não da banda, é inegável que, ao vivo, o sacramento dos nativos de Linköping ganha contornos épicos: guarda-roupa, som, luzes, adereços (como uma bicicleta branca conduzida por um Cardinal Copia, também de fato branco) e uma presença assertiva fazem com que um concerto de Ghost seja puro entretenimento.
Para não variar, o conclave iniciou com “Klara stjärnor” seguida de “Miserere Mei, Deus”, findos os quais foi vez de “Ashes”, a intro interpretada pela filha de Tobias Forge. Era tempo de descer a enorme cortina negra que cobria todo o palco para apresentar Cardinal Copia e seus Nameless Ghouls. De báculo na mão e completamente vestido de vermelho-carmesim, Copia hipnotizou e benzeu o rebanho com o magistral início de bateria de “Rats”, tema entoado pelos crentes numa sala completamente preenchida, sendo que a meia-dúzia de lugares ainda livres se situavam no balcão. “Absolution” antecedeu “Faith”, talvez o segundo melhor momento da noite, porque o melhor, que praticamente passou despercebido da grande maioria de fiéis, foi a homenagem dos Ghost a Marie Fredriksson, a vocalista dos Roxette falecida nesse mesmo dia 10 de Dezembro – a determinada altura, a Metal Hammer Portugal ouviu um medley de transição com os acordes inconfundíveis de “It Must Have Been Love”, algo que só aconteceu em toda a digressão no nosso país. São também estes aspectos mais seculares e humanos, menos celestiais, que ajudam a fazer com que os Ghost sejam uma das maiores bandas de rock/metal da actualidade.

Entre músicas, Cardinal Copia mudou várias vezes de guarda-roupa, como já é costume. De vermelho-carmesim e múleo passou para fato branco, e depois para fato preto. A complementar as vestes de Copia, Papa Nihil apareceu trajado com regália e insígnia papais a tocar saxofone durante “Miasma”, algo que tem dado que falar um pouco por todos os continentes. De lamentar a ausência de temas maiores dos velhos testamentos, caso de “Secular Haze” ou “Elizabeth”, talvez devido às intempéries entre a banda e membros antigos, talvez apenas porque os Ghost preferem focar-se no presente. Ainda assim, são temas clássicos que deixam saudades.
No balcão, os cordeiros mais jovens, de espírito simples e natural, também tiveram direito a honras – enquanto a Cúria Romana encarregue das seis cordas se equilibrava em cima de uma coluna próxima do balcão, um fiel de seus 7 ou 8 anos começou a acenar e agritar na sua direcção, o que levou o guitarrista, surpreendido, a apontar o dedo ao benjamim e a anuir-lhe com a cabeça em clara demonstração de apreço.
Por mais adereços que Cardinal Copia tivesse utilizado, da biretta modificada (com asa de morcego e chifres) à fascia de cetim, nenhuma outra peça brilhou tanto quanto… um wonderbra vermelho-sangue que lhe foi atirado por uma fã e que aquele colocou ao ombro – obra de alguma herege, com certeza. O concerto decorreu com os temas esperados: “Cirice”, “Ritual” e “Year Zero” voltaram a receber uma apreciação favorável por parte da congregação. Momento menos feliz terá sido a extensa homília de Cardinal Copia ao público, mas concordamos absolutamente com a conclusão: «The beauty of rock n’ roll is that you can create whatever the fuck you want.» (tradução livre: “A beleza do rock n’ roll consiste em podermos criar tudo aquilo que quisermos”) É esta a mensagem que a Santa Sé prega: a única religião é a música e é nela que nos devemos apoiar nos momentos de maior fragilidade material e espiritual. Como discordar disto? Após, Copia agradeceu ao público português pela fé demonstrada, prometendo novo regresso num futuro próximo.
“Danse Macabre” fez parte do ponto final de uma eucaristia em que não faltaram confettis dourados, um espectáculo visual grandioso, com vivas e erráticas luzes no céu (mesmo tão longe da Cova da Iria!), muito brilho e cenários que invocam a catedral, o gótico e a Igreja Católica, tal como as enormes portas ogivais, os degraus de S. Pedro, as vestimentas típicas (ainda que subvertidas) dessa religião. Em síntese, resta agora ao pontificado espalhar a boa nova e concluir a longa via dolorosa que é uma mega digressão mundial. Nós aqui, à beira-mar plantados, saímos da Altice Arena convertidos e espiritualmente rejuvenescidos. Deus gratia.

Metal Hammer Portugal
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