Perdidos no Arquivo: Vanden Plas
Artigos 12 de Agosto, 2019 João Braga


Uma nova Era no metal progressivo (1986-1996)
Numa década pouco condizente com o metal progressivo – apesar da existência de ícones como Fates Warning, Dream Theater, Queensrÿche –, a electrónica, a pop e o thrash metal pareciam dominar uma era que acabou por ser muito criativa em termos musicais, sobretudo no metal. Como tal, quem aparecesse tinha de demonstrar um talento muito acima do que já existia ou muito similar aos ícones supramencionados. Os Vanden Plas tiveram a difícil tarefa de surpreender e conseguiram obter algum impacto que, de imediato, eternizou a sua carreira musical. Ora, em 1986, um grupo proveniente de Kaiserslautern, Alemanha, forma-se com cinco elementos: Andy Kuntz (voz), Stephan Lill (guitarra), Günther Werno (teclas), Andreas Lill (bateria) e Torsten Reichert (baixo). Inicialmente, a banda tinha o curioso nome de Exodus, com Kuntz e os irmãos a serem os seus membros-fundadores. Mais tarde, o grupo muda de nome para o actual, inspirando-se no fabricante de carros Vanden Plas.
No entanto, e apesar de actualmente serem já músicos muito experientes, esta formação era muito jovem. O interessante é que a evolução é notória, sobretudo se compararmos os álbuns mais recentes aos mais antigos. Os anos de formação foram importantes, sobretudo 1991; no entanto, daremos um salto cronológico até uma data ainda mais importante. Em 1994, sai o grandioso álbum de estreia “Colour Temple” que demorou o seu tempo a ser entranhado pelos fãs. Desde a primeira faixa, a banda faz questão de realçar o estilo musical que queria implementar. “Father” é uma balada sinfónica com muito peso à mistura, e na verdade é um tema muito maduro apesar da juventude do grupo que se envolveu na música numa idade muito tenra. O teor conceptual não está tão bem estruturado como os mais recentes, nem fornece a toada quase filosófica e teatral que o grupo nos foi habituando. O quinteto produz em “Colour Temple” um disco mais emocionante e sofrido, envolvendo a sinfonia em muitos dos temas. As faixas “My Crying”, “Judas”, “Days Of Thunder” e “How Many Tears” são músicas estruturantes no álbum e todas elas debruçam-se sobre o lado negativo e mais negro da vida e da realidade mundial. A guitarra mostra ser o instrumento mais fulcral neste álbum e Andy Kuntz é apresentado como o grandioso mestre vocal que se inspira nas grandes óperas do rock que este mundo já conheceu.
Apenas dois anos depois, em 1996, a banda faz algo inédito num segundo lançamento. Em “Accult”, um EP, o ambiente é de música acústica, chegando ao ponto de conter covers de Marillion e Ray Charles. Novamente, o quinteto demonstra o seu conhecimento e a sua versatilidade musical num EP que obteve um sucesso estrondoso, atraindo novos públicos e maiores orçamentos discográficos. “Accult” até pode ser um lançamento mais importante do que o primeiro longa-duração. Com este EP, o grupo pôde explorar algo mais profundo nos anos seguintes, o que ajudou a amadurecer e a enriquecer a criatividade conceptual do quinteto fantástico.
Evolução dos Vanden Plas (1997-2000)
Com o aumento da sua base de apoio, os Vanden Plas tornaram-se numa banda obrigatória para os fãs de metal progressivo, o que lhes deu a possibilidade de produzirem com maior criatividade. Por isso mesmo, é lançado “The God Thing”, que é até hoje uma das grandes referências na discografia. Apesar de não ser conhecido como tal, o longa-duração iniciou o percurso das óperas do rock pelo qual o grupo se tornou tão famoso. É um álbum exuberante com diversas variações, em que o metal progressivo evolui e exercita uma sonoridade muito mais directa e instrumentalmente rica. Para além disso, as letras são muito mais inteligentes e conceptuais, com Kuntz ao leme desta matéria. “The God Thing” perdura na memória e nos ouvidos dos fãs pela sua consistência musical e conceptual. Apesar de não elaborar uma narrativa propriamente dita, o álbum inicia um caminho que viria a ser seguido no lançamento seguinte. A banda liberta-se das correntes e lança um trabalho muito progressivo com passagens nas baladas e na emoção com faixas que nos fazem pensar e que complementam os elementos mais metal deste disco.
Mas após um lançamento tão bem-sucedido, teria de sair para as lojas um disco que confirmasse o estatuto de banda de culto no mundo do metal progressivo. Em 1999, é lançado o excelente – e, até então, o melhor longa-duração do quinteto alemão – “Far Off Grace”, um épico conceptual que deu uma posição estratosférica aos Vanden Plas. Novamente, apesar de nem sempre ser visto como um épico, o terceiro álbum consegue completar muitos dos elementos presentes nas produções mais recentes, de 2006 até agora. Para além disso, “Far Off Grace” expandiu significativamente o repertório do grupo, diversificando e proporcionando um lado mais teatral aos seus espectáculos ao vivo, e possibilitando concertos em vários países para aumentar a reputação e a base de apoio do quinteto. A formação mantém-se neste disco, portanto, não se verificam quaisquer mudanças significativas na abordagem lírica, conceptual e instrumental. A sonoridade surge um pouco mais acelerada, com a introdução de novos elementos, como em “Into The Sun”, mas mantendo sempre o metal progressivo sinfónico e altamente melódico apoiado numa linha instrumental cheia de qualidade e complexidade, bastando verificar os temas “Far Off Grace”, “Iodic Rain”, “I Can See”, “Fields Of Hope” e “Inside Of Your Head.
Após o sucesso do segundo e terceiro álbuns, chega a hora dos discos ao vivo. Pela primeira vez, a banda lança uma produção totalmente ao vivo, reflectindo o sucesso que era evidente fruto da sua qualidade. “Spirit Of Live” passa em revista os seus discos anteriores, tendo interpretado uma cover com Don Dokken em “Kiss Of Death” e uma inédita em “Spirit Of Life”.
Preparação para os épicos (2001-2005)
Apesar do sucesso e da qualidade dos lançamentos, a verdade é que a banda continuava a ter uma base de apoio relativamente pequena em comparação a outros grupos do género. A partir de 2000 o cenário foi mudando. As maiores referências do quinteto alemão fazem parte destes anos do novo milénio. A formação manteve-se inalterada, o que ajudou à construção solidificada da sua sonoridade para poderem compor com mais frequência álbuns conceptuais e verdadeiras óperas do metal progressivo.
Também foi neste período que os membros tiveram participações fora dos Vanden Plas. Globalmente, os membros somam participações em musicais de sucesso, como “Evita”, “Jesus Christ Superstar”, “Little Shop of Horrors” ou “Chess”.
Em 2002 sai o fantástico “Beyond Daylight”, que é classificado por muitos como uma verdadeira obra-prima, evidenciando o talento dos respectivos membros ao nível lírico e instrumental. De facto, este é o disco que todos os fãs começaram a referenciar quando conheceram a história da banda. Pode até dizer-se que este é o álbum que apresenta todas as preciosidades que são tocadas ao vivo na maioria das vezes, e é o disco mais consistente até à data. Apresenta as famosas “Nightwalter”, “Beyond Daylight”, “Cold Wind”, “Scarlet Flower Fields” e a inevitável “End Of All Days”. Apesar de não ser linearmente conceptual, demonstra uma frescura que se destaca dos outros lançamentos. É decerto um dos grandes lançamentos, quem sabe talvez mesmo o melhor, apesar dos álbuns que se seguiram.
Óperas do rock e épicos (2006-2010)
Os saltos cronológicos para os Vanden Plas são essenciais para se poder dar a conhecer toda a história, sobretudo discográfica. Após uns dez anos a lançar consistentemente, este foi o disco que marcou os lançamentos de quatro em quatro anos, talvez pela exigência dos mesmos ou até pela vida pessoal dos seus membros. A realidade é que, em 2006, sai para as lojas a renomeada obra-prima conceptual “Christ Φ”. Esta é a obra-mestra de uma banda que, nesta altura, já tinha obtido uma base de apoio maior, principalmente após “Beyond Daylight”.
Até 2006, o metal progressivo cheio de variações, balanço instrumental e letras que nos fazem estremecer em cada uma das palavras proferidas, tornou-se característico juntamente com uma espectacular interpretação de baladas fortemente apoiadas em conceitos e temas emocionantes. Todo este caminho foi essencial para cimentar a sonoridade actual do quinteto. A banda passou a querer produzir algo mais semelhante a óperas do rock e álbuns conceptuais, que relevam os talentos musicais dos artistas. “Christ Φ” é grandioso, espectacular e fenomenal, um clássico baseado na obra-prima “Conde de Monte Cristo” de Alexandre Dumas. O disco representa a grande mudança que a banda vinha preparando desde o álbum de estreia “Colour Temple”. A crítica ficou surpreendida pela produção teatral, nível de representação e qualidade da narrativa. Desde a faixa homónima a “Lost In Silence”, mais o tema-bónus “Gethsemane” – que claramente surge dos projectos paralelos e que demonstra a polivalência do grupo alemão –, “Christ Φ” é belo em muitas maneiras, ao mesmo tempo que consegue ser uma verdadeira malha do metal progressivo. Os membros atingem o seu melhor desempenho até à data e contam, de forma soberba, a história da vingança de um homem que foi erradamente preso.
Desta forma, Vanden Plas começam uma série de álbuns épicos. Em 2010, sai para as lojas o adorado pelos fãs “The Seraphic Clockwork”. Novamente, sendo um disco conceptual, é difícil relevar faixas devido à importância de todas para a história. Apresenta uma interpretação clara das viagens bíblicas e no tempo, que são fruto de pura fantasia e alegoria – um relojoeiro chamado Tio é atingido por visões dantescas que o fazem viajar no tempo até à crucificação de Cristo. A qualidade é imensa a todos os níveis. O grupo alemão transporta-nos por completo para um mundo totalmente diferente. Como sempre, os membros excedem-se e mostram o porquê de serem uma das melhores bandas de todos os tempos.
“Chronicles of the Immortals” Series e novo álbum (2011-)
Talvez devido aos seus projectos paralelos, o grupo nunca se interessou muito por lançamentos ao vivo; no entanto, em 2011, sai um álbum ao vivo em Weiher, no qual os cinco magníficos revisitam os grandes êxitos da carreira. Mas o melhor ainda estava para vir em termos narrativos e conceptuais, iniciando-se em 2014 a série “Chronicles of the Immortals” em duas partes. A primeira parte é lançada em 2014 e 2015 traz-nos a segunda. Este épico baseia-se nas obras do autor de ficção científica Wolfgang Hohlbein.
Apesar de haver alguma discórdia na recepção dos dois discos, todos concordam na importância desta obra na carreira do grupo alemão. Representa uma mudança temática enquanto mantém a sonoridade épica do metal progressivo. Ambas as partes diferem ligeiramente, com a segunda a ser mais agressiva em muitos momentos, sendo que para tal basta verificar a lendária faixa de 13 minutos “Blood of Eden”. Talvez Kuntz & Cia. pequem pelo nível de grandiosidade pretendida para esta segunda obra, havendo uma relativa diferença qualitativa entre ambas as partes. O primeiro lançamento é melhor do que o segundo, apesar de haver discórdia quanto a isto. Seja como for, globalmente, “Chronicles of the Immortals” tem o nível épico pretendido pela banda desde que iniciou a sua carreira. Apresenta uma mostra daquilo que o bem e o mal são capazes de fazer e narra uma descrição mais dramatizada e teatral da incrível série de livros “Die Chronik der Unsterblichen” de Hohlbein, que foi lançando ao longo dos anos uns fantásticos 15 livros relativos a esta obra. A banda alemã dá a sua perspectiva e prepara um disco à sua altura, que tem altos e baixos mas que surpreende a cada minuto.
A partir de 2002, o grupo foi-se tornando mais conhecido dos fãs e da indústria musical, tendo obtido mais críticas e melhor feedback. Como tal, a história dos Vanden Plas é mais fácil de contar a partir dessa data – e daí este artigo se ter focado mais nos primeiros anos –, muito devido ao sucesso que se verificou a partir de 2002 com “Beyond Daylight”. Os concertos são mais diversos, mais teatrais e em mais países. Em 2017, “The Seraphic Live Works” dá a conhecer uns Vanden Plas que dão concertos mais grandiosos e fantásticos, mas que também denotam a importância de “The Seraphic Clockwork” para o quinteto germânico. As séries de discos temáticos parecem continuar, tendo sido anunciado, para 2019 e 2020, o lançamento de “The Ghost Xperiment” que, se seguir a linhagem, será uma série absolutamente merecedora de todos os elogios.

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