O gajo parece uma senhora: o poder da androginia no metal
Artigos 7 de Novembro, 2020 Metal Hammer
Como a experimentação da aparência e maquilhagem permitiram aos artistas quebrarem limites de maneira visual e criativa.
Imagina metal sem maquilhagem. Por um lado é um meio tangível – uma graxa para realçar, ocultar ou modificar traços externos –, por outro é um ruído, um estado de espírito, um modo de vida. Ao longo da história, uma parte sempre foi associada à busca pela beleza feminina, enquanto a outra se preocupou com a busca por belas mulheres.
Foi a maquilhagem que permitiu a criação de alguns dos visuais mais icónicos e reconhecíveis do metal – seja para realçar a masculinidade na época do cock rock ou uma expressão de identidade e vulnerabilidade em vários sub-estilos. Mas o que significa ser andrógino? As caras pintadas de Kiss, Poison, Mötley Crüe ou Twisted Sister eram simplesmente personagens de um espectáculo ou o campo onde as barreiras de género no rock começaram a quebrar-se com um eyeliner de cada vez?
No início não havia ambiguidade quanto à identidade de género dos homens com maquilhagem. «O glam metal era decididamente heterossexual, enquanto o glam rock confundia deliberadamente género e sexualidade», diz o veterano jornalista de música Simon Price. «Não acho que o glam metal tenha feito muito em termos de avanço da não-conformidade. Mas no contexto de um país tão socialmente conservador como os EUA, talvez tenha sido um passo de bebé na direcção certa. Uma mudança interessante foi o aparecimento de “homem vadio”, que é subtilmente diferente da ideia predominante de “garanhão”. O pessoal do glam metal apresentava-se como ‘tarts’, termo usado em oposição a garanhões desenfreados para foder tudo o que se mexia. Convocavam o vislumbre feminino (ou mesmo masculino) e encorajavam a sua própria objectificação. Porém, todos foram troçados na imprensa por serem efeminados, e provavelmente por isso exageraram ao afirmar a sua masculinidade nas músicas.»
Havia também um elemento de gozo – Nikki Sixx afirma em “The Heroin Diaries” que a “Dude Looks Like A Lady” dos Aerosmith foi inspirada pela aparência efeminada de Vince Neil, enquanto Vince disse que isso aconteceu depois de ter ido a um bar com Steven Styler onde todos os empregados eram travestis. Quem quer que tenha sido o lady-dude que inspirou a música, era uma figura da época ao invés de um pioneiro da fluidez de género.
Imagina um jovem fã de rock a crescer nos anos 1980, a sentir que não conseguia alinhar-se confortavelmente ao género que lhe é atribuído e à procura de uma figura de proa para confirmar que a maneira como eles se estavam a sentir era na boa. Claro, houve Bowie, e, depois, queercore e riot grrrl na cena punk, mas e no metal? Nem por isso.
Havia muito espaço para experimentação visual, mas, liricamente, era tudo sobre o poder do pénis. Porém, em vez da censura por não ser nada mais do que a marca Max Factor a ser patrocinada por grandes e peludos tomates, devemos ficar contentes por isso ter fornecido uma base para experimentação.
É claro que transfobia, homofobia e preconceito existem no metal, e isso cheira mal, mas houve sempre esperança, mesmo que tenha começado num nível muito superficial. Se fosses alguém que queria parecer diferente daquilo que a sociedade dizia que deverias ser, o hair metal dizia que isso era porreiro. Se querias ter essa aparência porque a ideia de seres um rapaz ou uma rapariga no sentido mais básico das palavras não te atraía, o hair metal oferecia uma solução visual.
«Não daria uma interpretação negativa a isso. Prefiro ver as identidades livremente disponíveis para qualquer pessoa que as quiser», acrescenta Price. «Rock n’ roll é teatro, e uma máscara pode contar uma história melhor do que uma cara.» Essa máscara – os olhos de panda e as unhas pintadas, que diziam: sim, sou diferente e tenho orgulho – foi, e ainda é, usada pelos fãs como um emblema de honra.
Nos inúmeros subgéneros do metal, muitos músicos reivindicaram a androginia como uma expressão do seu eu interior em oposição a um aprimoramento dos seus recursos externos. No mais longe possível do hair metal que podes ter está Maynard Keenan (Tool) – quando usou um sutiã branco combinado com eyeliner borrado em palco, não era para se apresentar como um objecto sexual irresistível.
Liricamente, frequentemente visita o lado mais sombrio da sexualidade, e a sua androginia desgrenhada combinava perfeitamente com as músicas. Pode ter aparecido em algumas tabelas de “estrelas do rock mais mal vestidas” quando os sites de música precisavam de algum conteúdo, mas, principalmente, para os fãs, ele é apenas Maynard e isto é a sua cena.
Da mesma forma, o ocasional tutu de Billie Joe Armstrong não chocou ninguém em 1997 quando os Green Day lançaram “King For A Day” – uma música explicitamente sobre travestis – e tornou-se uma das favoritas ao vivo com a sua estética maluca.
A ideia de cross-dressing não era um segredo vergonhoso – era apenas algo que o protagonista da canção gostava de fazer e o seu pai era o vilão por metê-lo na terapia.
No emo, os olhos vermelhos e esfumados de Gerard Way (My Chemical Romance) eram um símbolo das suas lutas internas, sobre as quais se abriu num Reddit AMA em 2014. «Sempre fui extremamente sensível àqueles que têm problemas de identidade de género, pois sinto que também passei por isso, mesmo que em menor escala», disse. «Sempre me identifiquei bastante com o género feminino e comecei, em determinado ponto em MCR, a expressar isso através do meu visual e estilo.»
Quando a vocalista de Life Of Agony, Mina Caputo (anteriormente Keith) se tornou transgénero em 2011, a comunidade metal apoiou-a amplamente e uniu-se novamente em torno de Laura Jane Grace, de Against Me!, que anunciou ser transgénero no ano seguinte.
Nem é preciso dizer que expressar a identidade de género através da aparência não é, de forma alguma, semelhante a um homem hetero que usa maquilhagem em palco, mas o facto de que a estética de indefinição de género sempre esteve presente no rock pode ter contribuído para a aceitação inquestionável de Mina e Laura Jane.
Estas duas pessoas até podem ser as defensoras mais conhecidas da identidade trans no rock, mas não são as únicas. Project Armageddon, uma banda doom do Texas, é liderada pela mulher trans Alexis Hoillada, que foi nomeada para Melhor Vocalista Feminina no Houston Press’s Music Awards de 2013, e o primeiro álbum do grupo australiano Mechanical Black era um disco conceptual sobre identidade de género.
Além de ser uma ferramenta importante para expressar identidade, uma imagem cuidadosamente cultivada também é uma forma de conexão com os fãs. Andy Biersack (Black Veil Brides) e Chris Motionless (Motionless in White) são dois dos utilizadores de maquilhagem mais omnipresentes na cena metal mais jovem, e o Instagram do último está repleto de fotos suas a usar diferentes tons de batom e sombras, com as suas marcas favoritas em hashtag.
Inspirou centenas de tutoriais de maquilhagem no YouTube, e uma grande proporção do público – masculino e feminino – nos concertos de ambas as bandas pintam as faces ao estilo dos frontmen. A maquilhagem é um cobertor de pertença entre os fãs – um grupo de doppelgangers de Chris ou Andy reunido em massa do lado de fora de uma sala de concertos pode parecer conformidade invertida, mas se isso os faz sentirem-se bem com eles mesmos, qual é o problema?
«O nu-metal, no final dos anos 1990, trouxe muita atitude machista estúpida para o metal, o que nunca foi embora. Muito metal tem a ver com o que os académicos chamariam de ‘Masculinidade Performática’», diz Price. A maquilhagem é apenas uma das formas pelas quais músicos e fãs podem rebelar-se contra o tropo de ‘cabeça oca’ – a beleza pode ser superficial, mas a sua capacidade de dar poder é muito mais profunda.
Consultar artigo original em inglês.

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