Melhor do que uma referência ao trabalho incontornável de Nietzsche, só mesmo duas referências, que são a primeira coisa que reparamos quando pegamos no...

Editora: Black Lion Records
Data de lançamento: 24.05.2019
Género: blackened death metal
Nota: 4/5

Melhor do que uma referência ao trabalho incontornável de Nietzsche, só mesmo duas referências, que são a primeira coisa que reparamos quando pegamos no disco de estreia deste quinteto do Porto. O veneno escolhido é o blackened death metal de assinatura, com génese ente 2000 e a actualidade, e geograficamente situado (maioritariamente) na Europa, mais propriamente na Polónia. À primeira vista, os Nihility poderiam ser mais uma banda do género sem nada para acrescentar a um género que não é para todos em questões de técnica e estética musical, não fosse “Thus Spoke The Antichrist” um registo pleno de vitalidade, complexidade e dado à estampa por músicos que entendem o conceito e que, adicionalmente, lhe conferem o seu próprio ADN.

A investida inicia com “Indulge Self Restraint”, um tema que serve de aviso ao que está para vir e que rapidamente nos enche o peito por sabermos que se trata de um trabalho nacional. A velocidade e agressividade iniciais do tema debutante, que são entrelaçadas com estruturas rítmicas e solos de guitarra sofisticados que nos atiram de cabeça para nomes como Vader ou Decapitated, mantêm-se incólumes ao longo de oito temas. Mas sente-se um negrume maior, um abismo para o qual olhamos e que nos devolve esse olhar, um abismo que invoca abismos. “Organic Fallacies” vem a seguir e carrega no pedal da velocidade e sobe a mudança da brutalidade, sempre com o trabalho de Miguel Vanzeler (guitarra-solo) e de Luís Moreira (bateria) a ofuscarem os restantes elementos. Mesmo assim, Mário Ferreira (voz) começa a ganhar relevos de grandiosidade neste tema e que se replicarão em mais alguns momentos.

“Shallowed Ataraxia” segue uma vez mais os trilhos dos Decapitated da época “Winds Of Creation”/“Nihility”, mas com um ambiente mais profundo e profano, apontando para toques de Behemoth e (novamente) Vader. Outra vez, os solos de Vanzeler operam pequenos milagres num disco que necessita deles como um peixe de água. Também é no terceiro tema que começamos a ouvir a verdadeira toada de black a piscar o olho a Mgła. Segue-se-lhe a faixa-título, que mistura a velocidade típica destes registos com partes lentas e algum groove, sempre com as duas guitarras e a bateria a brilharem mais do que julgaríamos que pudessem. Nela, ouvimos ainda o melhor desempenho vocal do álbum. “Spirit Of Contempt” volta a subir o compasso e a recordar-nos de bandas como Defleshed, impregnada que está de caos e ódio mas, de repente, ouvimos um solo que poderia muito bem ter nascido das mãos de Chuck Shuldiner ou de Muhammed Suiçmez, tais são as similaridades, a inspiração e a capacidade técnica de Vanzeler, o que cria um contraste entre um martelo e um bisturi e que é muito bem-vindo.

A penúltima “Abeyance Of Own” mantém o registo característico que ouvimos ao longo do disco, desfiando death metal vigoroso e ligeiras partes de black metal – é por esta altura que a emoção começa a descer um pouco, pois prevíamos algo que fizesse uma vez mais a diferença. A final “Prophecy Of Denial” repete o gimmick sem nos apresentar mais diversidade, mas quando, uma vez mais, um trabalho de guitarra excessivamente competente e a lembrar Mgła se ouve nos dois minutos finais, depressa nos esquecemos de pormenores. A parte final positiva de “Thus Spoke The Antichrist” terá de ser a produção sem mácula, não tivesse o disco sido gravado nos Ultrasound, juntamente com o conceito da capa já um tudo-nada exaurido de Gustave Doré, mas que assenta bem no género. A parte menos equilibrada refere-se à falta de à-vontade. Nota-se uma certa tensão, algo que carece de organicidade, talvez originária da necessidade de causar uma boa primeira impressão, algo que os Nihility conseguem sem esforço. Certamente que será colmatada com o tempo. Até lá, “Thus Spoke The Antichrist” é um disco que oferece ao movimento do blackened death metal uma abordagem interessante sem cair na cópia descarada dos grandes nomes do género e que nos faz prever que, com um pouco mais de andamento, o Mercedes tem tudo o que necessita para se tornar num Ferrari.

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