Despedido dos Metallica e à procura de vingança, Dave Mustaine criou Megadeth num grito à vida. No artigo que se segue,...

Despedido dos Metallica e à procura de vingança, Dave Mustaine criou Megadeth num grito à vida. No artigo que se segue, a banda abre-se sobre a sua estreia marcante e sobre gastarem 4000 dólares em cocaína, heroína e hambúrgueres.

Às 10h do dia 11 de Abril de 1983, Dave Mustaine foi acordado do seu sono no chão das salas de ensaio do Music Building em Queens, Nova Iorque, para ser informado por James Hetfield, Lars Ulrich e Cliff Burton que já não estava nos Metallica.

«O quê, sem aviso? Sem segunda oportunidade?», perguntou o guitarrista.

«Não», disse Lars Ulrich. «Acabou.»

O baterista entregou a Mustaine um envelope: lá dentro tinha uma passagem só de ida para São Francisco, válida para um autocarro da Greyhound Lines que deveria sair de Nova Iorque às 11h.

«Pega nas tuas coisas”, disse Ulrich. «Vais sair agora.»

Na jornada de quatro dias, Mustaine teve bastante tempo para reflectir exactamente sobre o que fizera para merecer tal indignidade. Quando o autocarro atravessou as fronteiras do Estado, os pensamentos de vingança mantiveram-no acordado. Regressaria, jurou, com uma nova banda; uma mais barulhenta, mais dura, mais rápida e mais brutal do que seu antigo grupo – um grupo que tanto esmagaria os sonhos de Metallica como, tão certamente, elevaria Mustaine à glória.

«Estava à procura de sangue», o guitarrista admitiu mais tarde. «O deles.»

Abrigado nos estúdios de Franklin, Tennessee, onde os Megadeth trabalharam no seu 15º álbum de estúdio (“Distopia”, 2016), Dave Mustaine ri secamente quando lembrado dessa citação.

«Na altura, era essa a ideia», admite, «mas é o tipo de coisa que dizes quando és jovem, quando estás louco. Nunca quis magoá-los. Em retrospectiva, eu entendo: se estás com um tipo que fica violento quando está bêbado, e ele é meio bêbado 24 horas por dia, então tê-lo por perto não é, provavelmente, bom para o negócio. Eu teria feito a mesma coisa [que eles fizeram]. Tive um problema com o álcool, e isso custou o meu trabalho e custou-me dois amigos muito queridos. Mas não tinha um plano B. Ser um músico de sucesso era tudo que sempre quis, e não deixaria esse sonho morrer.»

Com comentários adicionais do baixista dos Megadeth, David Ellefson, e do ex-guitarrista Chris Poland, esta é a história sem censura de “Killing Is My Business…” e como Dave Mustaine deu vida ao seu sonho.

No Verão de 1983, Mustaine voltou para Los Angeles e começou a procurar músicos capazes de ajudá-lo a perceber o que ele acreditava ser o seu destino.

Mustaine: «Quando és jovem e tens fogo dentro de ti e queres fazer algo novo, estás disposto a fazer qualquer coisa para que funcione. Fiquei picado, porque eu disse aos Metallica para não usarem nenhuma das minhas músicas, mas quatro delas apareceram no “Kill ‘Em All”. Passei por várias pessoas – [guitarrista] Robbie McKinney, [baixista] Matt Kisselstein, muitos bateristas. Então conheci o David Ellefson…

David Ellefson: «O Dave estava a morar com a colega de quarto, a Tracy, no apartamento acima do meu em 1736 North Sycamore Avenue, Hollywood. Eu não tinha ouvido falar dos Metallica, então não tinha conhecimento da história do Dave, mas as minhas primeiras impressões sobre ele diziam-me que ele era impressionantemente magnético. Ele tinha o mesmo carisma maior do que a vida que eu já havia visto em tipos como David Lee Roth, que, para um adolescente americano a crescer nos anos 1970, era o epítome de um deus do rock. E a música que ele estava a compor era completamente nova, refrescante, única, totalmente atraente e muito pesada.»

Mustaine: «Eu sabia que o David funcionaria porque ele tinha a atitude, o visual, a capacidade e o impulso. Eu disse-lhe: ‘Neste negócio tens de comer merda, sorrir e pedir mais.’ Nem toda a gente consegue aceitar isso.»

À medida que o Verão dava lugar ao Outono, uma sucessão de músicos passou pelo estúdio de ensaios Mars, em East Hollywood, para tocar com Mustaine e Ellefson. À maioria foi rapidamente mostrada a porta. Quando o vocalista Lawrence ‘Lor’ Kane não conseguiu atingir os padrões exigentes da dupla, Mustaine, frustrado, assumiu as funções vocais («Eu não queria cantar», afirma. «Eu queria ser um dos maiores guitarristas do mundo.»).

Embora uma formação estável ainda tivesse que se unir, os Megadeth acumulavam um formidável arsenal de músicas; assim, em Fevereiro de 1984, Mustaine marcou alguns concertos em San Francisco, ansioso por mostrar aos amigos da Bay Area que estava de volta. Ainda sem um segundo guitarrista, pediu a Kerry King, dos Slayer, para participar nos concertos. Anunciado em panfletos como ‘Skull Splitting Metal’, o quarteto (com o baterista Lee Rausch) invadiu o quintal dos Metallica para concertos no Ruthie’s Inn e no The Stone, e surpreendeu a cena local. Mais três emocionantes e violentos espectáculos da Bay Area em Abril confirmaram que os Megadeth eram a mais feroz e mais selvagem nova banda da cena thrash.

Mustaine: «As pessoas estavam entusiasmadas com o que estávamos a fazer. Mas o Kerry não pôde juntar-se porque estava nos Slayer e, quando chegámos em casa, o Lee desapareceu – fomos tramados outra vez.»

Os Metallica terem já lançado “Ride The Lightning”, apresentando duas co-autorias de Mustaine – o tema-título e o instrumental “The Call Of Ktulu” –, pouco fez para elevar o ânimo dos Megadeth. Mas aparece um herói improvável. Jay Jones era uma cara da minor league de Hollywood na indústria musical com ligações à cena hardcore-punk de Los Angeles e à comunidade do hip-hop. Também era um traficante de droga. Jones gostou da atitude e da arrogância de Mustaine e viu potencial na sua música. Ofereceu-se para gerir a banda, encontrou um sítio para Mustaine e Ellefson morarem, manteve-os alimentados e encheu as suas cabeças com grandes planos enquanto se serviam de uma dieta constante de drogas pesadas. Também apresentou ao par o novo baterista, Gar Samuelson, e o guitarrista Chris Poland, que já havia compartilhado palcos na banda de jazz-fusion New Yorkers.

Mustaine: «Ao início não gostava do Gar porque ele não parecia metal, mas quando começou a tocar eu fiquei tipo: ‘Uau. Isto realça mesmo as complexidades dos meus riffs e o meu picking style.’ Começámos a tocar como um trio e, de seguida, o Jay apresentou-nos a Chris. Também estava apreensivo quanto a ele, mas quando o ouvi tocar pensei: ‘É um músico brilhante.’»

Poland: «O Dave ganhou o jackpot quando conheceu o Gar. Tinha swing. Era um grande fã de The Who e Zeppelin, mas era um tipo do jazz: naquela cena mais ninguém ouvia bateristas de jazz. Ele trouxe um elemento para a música que mais ninguém trouxe para o metal até hoje. O Gar contou-me que eles estavam à procura de outro guitarrista e disse que eu deveria ir aos estúdios Mars e alugar um quarto, montar as minhas coisas e tocar muito alto. Assim fiz; o Dave entrou e pediu-me para me juntar à banda. Ele estava bêbado.»

Ellefson: «Não foi fácil para nos unirmos musicalmente porque éramos quatro músicos muito diferentes. O Gar era todo Billy Cobham e Keith Moon, o Chris vinha de uma fusão de jazz à John McLaughlin e o Dave e eu éramos hard rock, heavy metal, punk. Mas alguma fortaleza musical surgiu disso.»

Poland: «Eu não odiava a música, mas inicialmente não estava a senti-la. Porém, uma vez que comecei a tocar, percebi que era bem complicado e desafiante, e gostei disso. Cerca de três semanas depois de começarmos a ensaiar, fomos ao estúdio para fazer o primeiro álbum.»

A banda conseguiu um acordo discográfico com a editora Combat, de Nova Iorque, com base numa demo. Com um orçamento de 8000 dólares para um álbum, Jones e o engenheiro de gravação Karat Faye marcaram uma taxa de 50 dólares por dia nos estúdios Indigo Ranch, em Malibu, um edifício bonito de Mike Pinder, antigo teclista de Moody Blues. Para um bando de ratos de rua de Hollywood, que ocupavam propriedades sem electricidade, isto parecia o paraíso. Certos membros da banda empolgaram-se com essas melhoradas novas circunstâncias.

Ellefson: «Era um óptimo estúdio, a 40 milhas de distância de qualquer distracção. Mas assim que chegámos foi tipo: «Merda, como é que vamos arranjar drogas?»

Mustaine: «Um dia fui ao estúdio e o Jay contou-me que os outros gastaram 4 mil dólares em cocaína, heroína e hambúrgueres. Eu estava tipo: ‘Estão doidos, c*ralho?’»

Ellefson: «Houve um grande problema com a heroína. O Dave e eu dávamos mais na erva e na cerveja, mas dávamos na cocaína e na heroína se nos dessem. Os outros tinham sérios vícios. Hollywood em 83, 84 era o epítome do sexo, das drogas, do rock e da decadência, e nós estávamos mais no limite do que a maioria.»

Poland: «Toda a gente sabia que eu estava metido nessas coisas antes de entrar [na banda]. Todos fazíamos 80-100 dólares de heroína por dia. Estava fora de controlo, mas não me recordo de estar ressacado demais para tocar.»

As sessões no Indigo foram produtivas. Descartando Jay como produtor executivo, Mustaine depositou a sua confiança em Faye, um engenheiro que trabalhou com toda a gente, de Kiss a Rod Stewart. Além de regravarem as faixas da demo – “Loved To Deth”, “Skull Beneath The Skin” e “Mechanix”, uma música que Mustaine gravou anteriormente com os Metallica na demo de 1982 –, o grupo trackou quatro novos originais de Mustaine (“Rattlehead”, “Chosen Ones” , “Looking Down the Cross” e a faixa-título proposta para o álbum, “Killing Is My Business… And Business Is Good”), além de uma versão espirituosa do single de 1966, de Nancy Sinatra, “These Boots Are Made For Walkin’”.

Mustaine: «Lembro-me daquela música passar na rádio do carro dos meus pais quando era criança. O Jay disse que deveríamos fazer uma cover de Frank Sinatra, mas eu disse que preferiria fazer a “These Boots…”. Foi um pouco melhor porque naquela época todos os punks usavam Doc Martens. A música “Killing Is My Business…” ainda se mantém boa. Andava a ler uma banda-desenhada chamada “The Punisher”, e achei porreiro ter aquela reviravolta em que pagarias a alguém para matar; eles diziam: ‘Já agora, alguém me pagou para te matar.’ A “Loved To Death” era uma história em que um rapaz se apaixona por uma rapariga, a rapariga não gosta do rapaz, o rapaz mata a rapariga. Muitos miúdos têm a mentalidade de ‘se eu não te posso ter, mais ninguém pode’. A “Looking Down…” tinha a ver com a minha culpa por ter sido educado com a religião e as tentativas de lavagem ao cérebro pelas Testemunhas de Jeová. A “Skull Beneath The Skin” foi inspirada por uma capa de um livro que vi quando roubava uma mercearia. A “Rattlehead” veio-me à mente quando estava no Reseda Country Club, em Los Angeles, a ver umas bandas e à procura de miúdas: lembro-me de pensar em cabedal e picos e fazer música rápida e barulhenta, de volta ao início, sem plano B.»

Ellefson: “Fizemos os takes rapidamente, com o Dave, o Gar e eu numa sala, a tocar juntos, sem clique. Podem ouvir os tempos a mudar; dependia se era heroína ou cocaína. Agora é engraçado, mas não recomendaria essa abordagem. Os Megadeth entregaram o álbum à Combat em Janeiro de 1985. Nas semanas seguintes, o Mustaine levantava-se todos os dias às 7 da manhã para ligar para o escritório da editora, na East Coast, a perguntar pela capa do álbum. Ele tinha uma visão clara do que queria: uma imagem sombria e macabra baseada em numa ideia que concebeu para uma mascote da banda no estilo Eddie – era o Vic Rattlehead.»

Mustaine: «A inspiração original para o Vic vem dos macacos Speak No Evil, See No Evil, Hear No Evil que a minha mãe tinha. Achei que seria porreiro traduzir isso para o metal, então desenhei e pedi ao meu amigo Peyton Tuttle para pintá-lo para a nossa primeira t-shirt. A capa deveria ser baseada na sua pintura, com um escudo, facas e correntes, uma caveira e ossos cruzados…»

Ellefson: «Então, chega uma caixa, abrimo-la e lá está o disco. O Dave foi imediatamente telefonar à Combat, e perguntou: ‘Que porra é esta?’

Mustaine: «Era um crânio de plástico com papel de alumínio e ketchup. Era uma merda.»

Ellefson: «Estávamos mortificados. Este artwork deveria ser o DNA de tudo o que os Megadeth eram. Mas resultou numa coisa: fez-nos perceber que estávamos realmente contra o mundo.»

“Killing Is My Busines… And Business Is Good” foi lançado com pouca fanfarra a 12 de Junho de 1985. Duas semanas depois, os Megadeth partiram para a primeira digressão nos Estados Unidos… menos Chris Poland, que estava a combater os seus vícios. Por mais chateado que Mustaine estivesse com o seu colega guitarrista, ficou empolgado porque a sua banda estava finalmente no caminho…

Mustaine: «Houve comentários bons e maus sobre o disco, mas não me importei. Tudo o que eu sabia era que tinha espetado a minha bandeira no chão e, a partir daí, estávamos cá fora com toda a força.»

Ellefson: «Ouço este álbum e vejo o que os fãs adoram nesta formação. Os Megadeth eram como se [a banda americana de jazz-fusion] Weather Report se encontrasse com os Sex Pistols: adoro o virtuosismo musical do que fizemos, mas também o espírito do punk rock.»

Mustaine: «Dizem que a raiva e a rebelião são o jogo dos jovens, e, definitivamente, eu era um jovem revoltado. Mas quando ouço o “Killing…”, ouço uma frescura e uma energia: estávamos a fazer coisas que ninguém havia feito antes em termos de ritmo, modulações e escuridão.»

Poland: «Sonicamente não gostei. A energia estava lá, mas deveria ter sido melhor.»

Ellefson: «Poderia ter soado melhor, e há erros no disco, mas é um documento honesto sobre onde estávamos naquele momento. Ser sem-abrigo e faminto, as drogas e o álcool – tudo isso alimentou o pacote. A vida não prestava para nada a todos os níveis, excepto quando estávamos numa sala como banda. Essas eram as horas em que poderias simplesmente desligar-te do mundo. Enquanto estávamos num quarto juntos havia esperança, e é disso que se trata esse álbum: o som da esperança. E isso é parte da razão pela qual influenciou e inspirou três gerações de metaleiros.»

Consultar artigo original em inglês.