Em 2000, Marilyn Manson passou de bicho-papão favorito dos EUA a bode expiatório da tragédia de Columbine. Daí emergiu “Holy Wood” – o seu...

Em 2000, Marilyn Manson passou de bicho-papão favorito dos EUA a bode expiatório da tragédia de Columbine. Daí emergiu “Holy Wood” – o seu melhor álbum e o mais sombrio.

De modo a colocar isto sob uma luz completamente cínica, os tiroteios de Columbine foram exactamente o que Marilyn Manson precisava. Na viragem do século, Manson já não era o cão demoníaco da América. A estrela de conversa fiada Eminem tinha firmado a sua posição e suplantou-o.

“Mechanical Animals” não foi exactamente um disco forte – pode não ter sido o seu melhor álbum, mas, definitivamente, tinha algumas das suas melhores músicas –, mas os miúdos que compraram “Antichrist Superstar” aos milhões expressaram a sua decepção nas lojas de discos e nas salas meio vazias onde tocou na digressão subsequente.

Para Manson, isso pouco importava: juntara-se àquela nova aristocracia da mediaocracia global. Manson era uma celebridade e a sua fama começou a ofuscar aquilo pelo qual era realmente famoso.

Manson sempre foi hábil em usar ícones – assassinos em série, estrelas de cinema – para seus próprios propósitos, justapondo-os e brincando com as imagens. Agora, ele era um ícone por si só. E como com qualquer figura icónica, elas são definidas tanto por quem as odeia como por quem as adora.

Após os tiroteios de Columbine, Colorado, em 1999, quando os estudantes Dylan Klebold e Eric Harris entraram aos tiros, matando 12 alunos e um professor, Manson tornou-se um símbolo nacional de ódio para a América comum, para os políticos da direita conservadora, da esquerda liberal e do centro, para fundamentalistas cristãos, para feministas pró-censura e para os directores de escolas de cidades pequenas, ansiosos por conseguirem algumas manchetes de jornais.

Desesperados para explicar por que é que dois adolescentes se tornaram assassinos em massa, os comentadores procuraram bodes expiatórios nos lugares habituais: filmes violentos, videojogos e o ‘movimento gótico’. Bandas como KMFDM, Filter e My Life With The Thrill Kill Kult ligaram as suas televisões para descobrirem que faziam parte de um plano satanista que fazia lavagem cerebral à juventude dos EUA porque estavam nas colecções de discos de Klebold e Harris.

Manson foi escolhido para um tratamento especial: tirando os dois desajustados terem sido vítimas de bullying e terem acesso fácil a armas, foi pelo facto de serem fãs de Manson que os investigadores encontraram um motivo provável. Quando Manson cancelou o seu concerto no Colorado «por respeito aos mortos» (uma declaração do promotor do concerto e não de Manson), isso foi tido como uma admissão de cumplicidade.

De acordo com um relatório da Associated Press: «Os pais em Grand Blanc, Michigan, alegaram que os devotos de Marilyn Manson estavam a ‘aterrorizar’ os alunos da escola e pediram aos funcionários que proibissem roupas, jóias e outros trajes associados a ele. Segundo a carta dos pais, alguns membros do grupo ameaçaram sacrificar um aluno e disseram que queriam beber o seu sangue. Também tinham lido a Bíblia Satânica em voz alta e distribuíram literatura satânica na escola.»

O demagogo da direita cristã Pat Robertson disse sobre Manson: «Essa música incita as pessoas a assassinar, violar e saquear.» Não foi especificado se estava a referir-se a “Mechanical Animals”, “Antichrist Superstar” ou “Portrait Of An American Family”.

Columbine foi, disse Manson, «provavelmente o único evento desde o assassinato de Kennedy que realmente chocou a América. É grotesco que o tenham usado como um brinquedo para agitar a eleição – a única coisa de que Bush e Gore falavam era da violência no entretenimento e no controlo de armas. Posso ter niilismo na minha música, e pode não ser bonito, mas, ao mesmo tempo, não acho que me comportei de maneira tão desrespeitosa como essas pessoas».

A defesa de Manson era articulada e furiosa. Não estava para ser responsabilizado por esta ou qualquer outra loucura de adolescentes. Entrevistado para “Bowling For Columbine”, documentário de Michael Moore, vencedor de um Oscar – um filme que Manson diz ter mudado a maneira como ele era visto na América –, o vocalista foi questionado sobre o que teria dito a Klebold e Harris. Disse que não teria dito nada. Teria ouvido.

«Os media responsabilizaram-me basicamente por todos os actos de violência que aconteceram na América, não importa o quê. Então, o que é que eu podia fazer? Ficar quieto e deixá-los foder-me ou virar-me e partir-lhes os dentes? Decidi que ia fazer a última. Mas farei isso com “Holy Wood” e farei tanto que eles vão desejar nunca terem nascido», disse.

«Espero que este seja o pior pesadelo da América e espero que possamos interromper o estilo de vida regimentado que as pessoas estabeleceram para si mesmas», disse à MTV enquanto falava sobre o conceito de seu quarto disco. «Isso é o que o rock’n’roll devia ser, e é isso que eu sou, e é o que vou ser sempre, e no dia em que não o for, será o dia em que desisti.»

“Holy Wood (In The Shadow Of The Valley Of Death)” foi a tentativa de Manson para criar uma obra-prima. Seria a terceira parte da trilogia que começou com “Antichrist Superstar”. Havia um guião, um grande conceito. Manson talvez estivesse a sofrer com a acusação vinda de alguns sectores que diziam que ele era o fantoche de Trent Reznor.

O vocalista de Nine Inch Nails, ao fazer “The Downward Spiral”, tinha-se estabelecido como a voz dos descontentes da Geração X, aterrou na capa da revista Time e recebeu elogios, tanto críticos como comerciais. Os dois tinham caído e estavam a conduzir a sua própria guerra fria particular. Manson já fora aluno, agora queria mostrar uma coisa ou duas ao professor.

«Os media responsabilizaram-me basicamente por todos os actos de violência que aconteceram na América.»

Marilyn Manson

“Holy Wood” era, disse à Rolling Stone, um pouco como uma ‘prequela’ de “Antichrist Superstar” e de “Mechanical Animals”. Era sobre «um miúdo que se quer tornar parte do mundo no qual não se sente adequado, e a amargura e a raiva tornam-se uma revolução dentro dele».

«De certa forma, estou a declarar guerra aos Estados Unidos», disse. «Não a toda a gente, mas estou a atacar a superficialidade da indústria do entretenimento, a sua atitude de auto-congratulação, a sua crença de que nunca erram, que estão sempre certos, que são o centro do universo. E estou mesmo no meio da indústria do entretenimento aqui em Hollywood.»

O álbum estava mergulhado em imagens de martírio, desde a crucificação de Cristo aos assassinatos de John Lennon e John F. Kennedy. A capa, que mostrava um Manson crucificado, sem o maxilar inferior, era um comentário astuto sobre a censura que era, inevitavelmente, censurada pela moral da maioria das cadeias de lojas ameaças de boicote que vendiam o álbum num pacote alternativo.

«A ironia é que o objectivo da foto no álbum era mostrar às pessoas que a crucificação de Cristo é, de facto, uma imagem violenta», escreveu no seu website. «De facto, a própria imagem é composta por uma estátua de Jesus tirada num local de culto. A falta do meu queixo é como um símbolo desse tipo de censura. Isso não me irrita tanto como me agrada, porque os ofendidos pela capa do meu álbum provaram, com sucesso, o meu argumento.»

O título foi inspirado em “Santa Sangre”, filme mexicano de 1989, de Alejandro Jodorowsky, um filme fantástico e surrealmente anti-clerical feito por um dos poucos génios vivos do cinema. Jodorowsky foi escolhido para realizar o filme de “Holy Wood”.

Quando Manson entrou em estúdio com Dave Sardy a produzir, também recrutou Bon Harris, da dupla industrial Nitzer Ebb, para a programação – possivelmente um comentário a Reznor para dizer que enquanto NIN era industrial-lite, Manson estava a ir à fonte negra do rock industrial – e sacou um álbum de 19 faixas em camadas retorcidas com imagens de S&M e referências aos Beatles (particularmente o álbum epónimo “White”), mas, acima de tudo, Columbine.

A inaugural “Godeatgod” é sobre o assassinato de John F. Kennedy: «Dear God the paper says you were the king in the black limousine / Dear John and all the kingʼs men canʼt put your head together again.» O assassinato de Kennedy surge novamente em “Target Audience (Narcissus Narcosis)” («Am I sorry you killed the Kennedys and Huxley too? …Am I sorry for Booth and Oswald, pinks and cocaine too?»), “A Place In The Dirt” («Put me in the motorcade, put me in the death parade / Dress me up and take me, dress me up and make me your dying God») e “King Kill 33º”.

A ideia de Kennedy como um rei sacrificado ritualmente era uma ‘teoria da conspiração’ antiga de que Manson estava bem ciente (rapidamente: Kennedy foi morto como parte de um ritual maçónico de renovação da mesma forma que os antigos reis celtas eram mortos após um período fixo de tempo no activo).

“Holy Wood” continua a ser o álbum mais denso e poético de Manson, embora as referências sejam obscuras, extraídas do subterrâneo paranóico da teoria da conspiração, interpretações ocultas da história e da religião e do passado sombrio de Hollywood. Há referências ao romance clássico de Jacqueline Susann, “Valley Of the Dolls” («Iʼm someone stupid just like you / The valley of the dolls is the valley of the dead» em “Born Again”), e os assassinatos da Família Manson borbulham logo abaixo da superfície.

«Física e mentalmente, fui um pouco mais longe do que nunca.»

Marilyn Manson

“The Love Song” é a visão parcial de Manson sobre o que é ser americano: «Do you love your guns? (yeah) God? (yeah) The government? (fuck yeah)». “The Fight Song” é a declaração de guerra de Manson contra a religião: «But Iʼm not a slave to a God that doesnʼt exist, And Iʼm not a slave to world that doesnʼt give a shit». “Disposable Teens”, a prima de “The Beautiful People”, diz mais sobre Columbine: «I wanna thank you mom, I wanna thank you dad / For bringing this fucking world to a bitter end / I never really hated a one true God / But the God of the people I hated / You said you wanted evolution, the ape was a great big hit / You say you want a revolution, man, and I say that youʼre full of shit».

Também se ecoa “Revolution 1” dos Beatles, presente em “White”, e a assustadora faixa de encerramento “Count To Six And Die (The Vacuum Of Infinite Space Encompassing)” parece ser uma tentativa de recriar a sensação de “Revolution 9”, também desse álbum.

Existem muitos círculos que se podem fechar, muitos pontos que se podem juntar e adicionar outros significados. “White” está relacionado aos assassinatos de Manson (de acordo com o promotor Vincent Bugliosi, no seu livro “Helter Skelter”, Charles Manson acreditava que os Beatles estavam a enviar-lhe mensagens ocultas nas suas músicas). “Valley of death” pode referir-se a Death Valley, nos arredores de Los Angeles, onde a família Manson se escondia.

Mas é Columbine que conduz o disco. Está lá como uma sombra negra sobre tudo, intencional ou não. Como disse à Metal Hammer: «Posso dizer que, depois do ano passado, depois dos muitos ataques que me fizeram por causa da violência adolescente, isso deu-me muita da força e muita da raiva que eu tinha de libertar. Diria que a raiva é um estado de espírito muito importante neste disco. Quanto ao meu estado mental, coloquei-me em muitas posições interessantes para fazer este álbum. Consegui beber 12 garrafas de absinto, como Van Gogh bebeu quando cortou a orelha. Física e mentalmente, fui um pouco mais longe do que nunca.»

Musicalmente, “Holy Wood” teria sido um excelente álbum de 40 minutos, como “Diamond Dogs” de Bowie ou o clássico negligenciado “Dirk Wears White Sox” de Adam & The Ants – uma influência geralmente não reconhecida em MM. Ou mesmo “Pretty Hate Machine” de NIN, ou todos os álbuns clássicos que ele queria desesperadamente que este fosse.

Como ficou, é gordo, com faixas como “Count To Six And Die (The Vacuum Of Infinite Space Encompassing)” que reduzem os pontos fortes óbvios como “The Fight Song” e “Disposable Teens”. Quase que se podia cortar pela metade e assim ficarmos com um maldoso disco de glam rock negro e apocalíptico.

Quando “Holy Wood” foi lançado em Novembro de 2000, as vendas foram modestas. “Mechanical Animals” tinha entrado nas tabelas de álbuns da Billboard no primeiro lugar antes das vendas caírem acentuadamente em comparação ao antecessor “Antichrist Superstar”. Mas “Holy Wood” alcançou um apologético 13º lugar, vendendo 117.000 cópias na sua primeira semana. Finalmente chegou ao ouro em 2003. Com um “Antichrist Superstar” platinado naquele momento (um milhão de unidades), foi, portanto, compreendido como um fracasso comercial.

Com o seguinte “The Golden Age Of Grotesque”, Manson aparentou reinventar-se completamente mais uma vez e reformulou os seus conceitos e temáticas. Mas será que tinha de o fazer? Na verdade, era pouco diferente de “Holy Wood”, e alguns dos mesmos temas – a falsidade dos media e a sua fome de mártires para se alimentarem – ainda estavam lá e mais aptos do que nunca. Assim como hoje.

Consultar artigo original em inglês.