Laurus Nobilis 2019: vira o disco e não toca o mesmo
Artigos 4 de Julho, 2019 João Correia

As areias do tempo não param e aproximam-se rapidamente do primeiro dia do Laurus Nobilis 2019 que, por sinal, tem só o melhor cartaz da história do festival até à data. Vacas sagradas como Hypocrisy, Entombed A. D., Samael, Soilwork, Fleshgod Apocalypse e Crematory, todas têm duas coisas em comum: tocam metal e marcaram pelo menos uma geração de fãs independentemente da(s) década(s) em que o fizeram com temas imortais. A título de exemplo, podemos referir “Pleasure Of Molestation” (Hypocrisy), “Tears of Time” (Crematory) ou “Left Hand Path” (Entombed), trabalhos seminais dentro das suas áreas respectivas. Mesmo nas nossa fileiras podemos apontar os lendários Peste & Sida que, mesmo não tocando metal, marcaram várias gerações nacionais com músicas sobejamente conhecidas – quem nunca ouviu “Paulinha” ou “Chuta Cavalo”? Mas seria redundante e até monótono apontar sempre os mesmos temas, as mesmas músicas que toda a gente quer ouvir e que já todos conhecemos de ginjeira; logo, por que não apontar as que, embora não sejam as mais conhecidas, não ficam atrás dessas no que toca à qualidade? Com isso em mente, a Metal Hammer Portugal apresenta-vos 10 temas que gostaria de ouvir nesta edição do Laurus Nobilis.
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1 – HYPOCRISY – The Final Chapter (The Final Chapter, 1997)
Embora não seja a composição mais celebrada dos Hypocrisy, “The Final Chapter” é uma sobrecarga emocional de proporções bíblicas. A letra aborda o relato de uma pessoa que foi abduzida (passe o pleonasmo) por extraterrestres e que sofreu todas as experiências médicas imagináveis pelas mãos destes. O tema é lento e, coisa muito rara no género em 1997, a voz limpa de Peter Tägtgren parece um lamento vindo de alguém profundamente perturbado com o que lhe aconteceu, o que só confere ainda mais drama à letra. Quando o abduzido se revolta com a injustiça aleatória de que foi alvo, ouvimos talvez os guturais mais profundos que o vocalista alguma vez emitiu. Nenhuma outra música dos Hypocrisy atinge o nível de desespero que conseguimos sentir em “The Final Chapter”.
2 – ENTOMBED A.D. – Torment Remains (Bowels Of Earth, 2019)
Com o novo “Bowels Of Earth” previsto para Agosto de 2019, é claro que queremos ouvir os novos temas interpretados pelos Entombed A.D. de L. G. Petrov, o vocalista clássico dos Entombed. As comadres zangaram-se e o vocalista decidiu criar os Entombed A. D.; logo, só podemos esperar uma mistura de clássicos dos Entombed com temas novos como “Torment Remains”, que em nada fica atrás do velho espírito do death sueco pré-melódico colonizado por Petrov e seus antigos companheiros. Os tiques clássicos estão omnipresentes no novo tema: riffs com a afinação clássica dos Entombed/Dismember, o som vintage de uma bateria orgânica, o jorro de podridão vindo da garganta de Petrov e solos frenéticos como só antes ouvíamos. E dignificam mais os Entombed do que os próprios Entombed.
3 – SAMAEL – After The Sepulture (Blood Ritual, 1992)
Porque quase toda a gente vai querer ouvir temas seleccionados de “Ceremony of Opposites” ou “Passage”, elegemos a faixa “After The Sepulture” do magistral “Blood Ritual”. O que nos chamou a atenção para os Samael desde muito cedo foram os rasgos de genialidade das guitarras que, embora situadas entre os padrões do death e do black metal, acrescentavam a melodia característica associada à banda e estruturas muito graves. Depois, trata-se de uma música à frente do seu tempo em termos líricos, com uma letra simples, mas filosófica, e um refrão que persiste na memória passados muitos anos, algo que viria a ser uma constante na carreira dos Samael. Este tema sofreu um revamp no mini-CD “Rebellion”, que o melhorou quando lhe deram uma roupagem mais polida, moderna e sinfónica.
4 – FLESHGOD APOCALYPSE – As Tyrants Fall (Oracles, 2009)
“Oracles”, o primeiro disco dos italianos Fleshgod Apocalypse, fez prever um futuro auspicioso para a banda, mesmo que os elementos sinfónicos pelos quais é hoje reconhecida ainda estivessem quase ausentes. À época, “Oracles” introduziu ao mundo uma banda de death metal técnico com ideias distintas e estruturas muito próprias que viriam a culminar no bastião que hoje conhecemos. “As Tyrants Fall” é um bom exemplo dessa originalidade, com as partes de guitarra e bateria a sugerirem, já então, algo de especial ainda para vir. Muito mudou nos 10 anos que separam “Oracles” de “Veleno”, mas o disco de estreia dos Fleshgod Apocalypse foi um ponto crucial e memorável ao qual, mais tarde, bastou adicionar uma overdose de música sinfónica para catapultar a banda para as primeiras lides do género.
5 – CREMATORY – Infinity (Infinity, 2010)
Quando pensamos em Crematory, o que nos vem imediatamente à ideia é “Tears Of Time”, clássico maior do gothic/doom metal dos anos 90. Desde então, os alemães voaram sempre muito abaixo do radar à medida que o estilo foi definhando em termos de popularidade. Ainda assim, se quisermos ouvir o que o género tem de melhor hoje em dia, temos de incluir os Crematory nesse rol restrito. “Infinity”, extraído do álbum homónimo de 2010, é um dos motivos para a continuidade desse segmento em declínio quando contém todo os elementos necessários para o perpetuar: peso, vozes limpas intercaladas com guturais, muita melodia e bastantes bons momentos em que brilham os sintetizadores.
6 – SINISTRO – Ruas Desertas (Sinistro, 2012)
Os Sinistro tornaram-se mais mediáticos a partir do momento em que Patrícia Andrade anulou o mutismo da banda, mesmo que sem retirar taciturnidade e abatimento ao som que os lisboetas já criavam na sua véspera. Com “Sangue Cássia”, os Sinistro projectaram-se de uma forma mais absoluta, uma vez mais muito devido ao contributo da vocalista, principalmente ao vivo. Pese o facto da nova dinâmica atingida com a chegada de Patrícia, nenhum trabalho dos Sinistro conseguiu deixar-nos mais miseráveis e deprimidos do que “Sinistro”, que, aos minutos iniciais de “Ruas Desertas”, cruzou connosco a Avenida do Desespero e a Rua do Pranto em direcção à Praça do Luto. A sensação de grandeza que o tema nos proporcionou à primeira audição ainda hoje exprime o que poucas bibliotecas conseguem, o que explica o facto de, passados sete anos, os Sinistro serem a oferta nacional mais empolgante a ser exportada além-fronteiras.
7 – PESTE & SIDA – Bebe Vinho (E Faz-te Um Homenzinho) (Cai Na Real, 2007)
Quem não conhece Peste & Sida tem duas desculpas: ou nasceu na época errada ou não é português. A banda de Lisboa é culpada por lançar algumas das músicas mais repetidas nos anos 1980 e 1990 em Portugal; em hiato durante quase 20 anos e esquecidos por muitos, em 2007 lançaram “Cai Na Real”, o disco mais inspirado da banda desde “Eles Andam Aí” e no qual misturam os ingredientes fundamentais do punk, rock, ska e rocksteady. “Bebe Vinho (E Faz-te Um Homenzinho)” é o tema por excelência desse trabalho e certamente que a queremos ver interpretada ao vivo para testemunharmos o bailarico que se sucederá.
8 – SOILWORK – Stålfågel (Verkligheten, 2019)
Quem os viu e quem os vê… De uma das maiores promessas do death metal progressivo/melódico, os Soilwork entraram numa fase puramente descendente depois de se dedicarem ao groove metal e ao metalcore, o que muito gorou as expectativas dos fãs mais extremos e virados para a vanguarda. Mas em Janeiro do corrente regressaram aos discos de ouro puro com “Verkligheten”, não obstante a saída de Dirk Verbeuren. Ainda que se trate de um dos registos mais sólidos dos Soilwork, que parecem ter regressado ao caminho certo, passou despercebido por entre um mar de edições relevantes de 2019, algo que é necessário corrigir devido ao fantástico trabalho que compuseram. “Stålfågel” é um bom exemplo disso e certamente que o ouviremos no Laurus Nobilis.
9 – GWYDION – Thirteen Days (Thirteen, 2018)
Indubitavelmente a melhor banda nacional de folk/viking metal, os Gwydion lançaram há quase um ano o álbum “Thirteen”, que espelha o amadurecimento que angariaram ao longo de 24 anos. Mais épicos, mais sérios e com mais vontade do que antes, o sexteto de Lisboa será certamente um dos momentos altos do festival devido a um som predisposto a elevar o ânimo dos que facilmente se aborrecem com este ou aquele género específico. Depois, Gwydion é sempre sinónimo de massas de seguidores e de público em geral que conhece a banda devido à presença regular em todos os festivais portugueses; logo, queremos rever a actuação que, no Vagos do ano passado, provocou uma wall of death digna de respeito. “Thirteen Days” não é a música de referência de Gwydion, mas achamos que caracteriza o espírito épico deste género.
10 – HYPOCRISY – Left To Rot (Penetralia, 1992)
Se começámos com Hypocrisy, com Hypocrisy acabamos. É inegável que “Left To Rot” não é uma faixa secundária dos Hypocrisy, muito pelo contrário, e embora tenha sido debitada ad nauseam no início dos anos 1990 no programa Headbangers’ Ball da MTV, os fãs mais novos poderão não estar conscientes do porquê de os Hypocrisy se terem tornado em lendas do death metal desde que lançaram o seu primeiro disco, “Penetralia”. “Left To Rot” é um dos melhores exemplos para justificar o culto à volta dos suecos devido à agressão ímpar e mais profana do que conterrâneos seus, como Dismember ou Entombed, conseguiam criar. Além disso, trata-se de uma música que foi basilar para a solidificação da Nuclear Blast dentro da música extrema.

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