Há 10 anos, o frontman de Mercyful Fate, King Diamond, estava à beira da morte. Em 2020, a lenda do metal enfrenta os 12...

Há 10 anos, o frontman de Mercyful Fate, King Diamond, estava à beira da morte. Em 2020, a lenda do metal enfrenta os 12 meses mais importantes da sua carreira.

Foto: Travis Shinn

Na cave de um antigo teatro Art Deco em Los Angeles, o homem conhecido como King Diamond chega com uma estranha aura de calma, um homem misterioso de elegância gótica e poucas palavras com uma cartola e pintura facial demoníaca. É a pequena multidão de fanáticos VIP que parece nervosa enquanto se alinha para conhecer o icónico vocalista e a sua banda.

Diamond – Kim Bendix Petersen é o seu verdadeiro nome – , que estava perto do final das 23 datas da digressão pelos EUA, enfurece-se e grita em músicas numa carreira de quase quatro décadas.

Estes eram os primeiros concertos que incluíam encontros com fãs. King Diamond é conhecido pelos fiéis do metal como artista solo e como a voz multifacetada imensamente influente de Mercyful Fate, e as reacções podem ser extremas à medida que os fãs se revezam para fotos e com memorabília.

«Prazer em conhecer-te», diz um tipo enquanto aperta a mão de Diamond, abraçando impulsivamente o dinamarquês. Outro fã está tão nervoso que mal consegue olhar para Diamond, que sorri calorosamente, com as órbitas pintadas de negro. Uma mulher com uma camisola de Misfits e de calções – as pernas estão cobertas de tatuagens – pede um autógrafo na coxa.

Para muitos destes fãs, Diamond é uma figura monumentalmente importante na história do metal e uma inspiração central para Metallica e para gerações de músicos. Mas longe do palco, o vocalista está focado no presente e no futuro próximo, que prometia ser o seu período mais prolífico do milénio: um novo álbum de King Diamond, uma digressão de Verão pelos festivais europeus com os reunidos Mercyful Fate e o plano de começar a trabalhar no primeiro novo álbum da banda em mais de duas décadas.

O próximo álbum de King Diamond está em gestação na sua mente há anos, e diz: «Vai ser uma merda mística porreira. Temos grandes esperanças.» O vocalista já concebeu alguns efeitos teatrais para os concertos, incluindo tortura e terapia de choque. «É bastante doentio, mas de uma forma porreira para a história.»

Uma primeira dica para o som e direcção do novo álbum surgiu no início da digressão pelos EUA, com o single “Masquerade of Madness”. A capa mostra uma jovem, com pompons e máscara de ferro, presa num asilo. Já o som é todo carregado pelos riffs dos guitarristas Andy LaRocque e Mike Wead, enquanto Diamond lamenta: «There is a girl in misery / And insanity / Painting figures on her walls / Those voodoo dolls.»

O resto do álbum, com o título “The Institute”, será inspirado pela imagética do início do Séc. XX, com utentes num asilo psiquiátrico que viu em fotos antigas. Também será baseado nas suas próprias experiências de quase-morte em hospitais, após uma série de problemas cardíacos que o levaram à cirurgia de revascularização tripla em 2010.

As suas experiências com hospitais e médicos foram geralmente boas, diz Diamond, mas a experiência foi, ainda assim, traumática, ao abrirem a sua caixa torácica e afastando-o da estrada durante um longo período. Naturalmente, os primeiros dias após a cirurgia foram especialmente duros.

«Eu parecia um cadáver, juro», recorda. «As minhas mãos e a minha cara estavam brancas. De resto, parecia que tinha dado à praia. Estava azul, preto, castanho. Mal conseguia levantar um copo de água.»

Durante a sua recuperação, Diamond começou a imaginar que realmente tinha morrido na maca de operações e que agora era apenas um espectro que assombra a sua esposa húngara, a cantora Livia Zita.

Estava realmente cá? De repente, Diamond agarrava o ombro da esposa ou levantava a mão para se certificar de que ela sabia que ele estava na sala. «Foi muito estranho. Senti que não pertencia aqui», recorda severamente. «Por que é que estaria aqui quando já estava morto?»

Seis meses depois, Diamond teve o seu primeiro encontro com a banda e com a equipa. Como parou de fumar um pouco antes da cirurgia, ficou chocado ao encontrar um novo poder nos seus pulmões, que continua até hoje: «Acho que a minha voz nunca soou tão bem como agora.»

Houve tristeza nesse Inverno, enquanto Diamond estava na estrada com a sua banda, com a morte de Timi Hansen, baixista de Mercyful Fate. O cantor esperava que o seu antigo colaborador e companheiro de quarto em digressão fizesse parte da reunião de 2020. Por um momento, o seu cancro parecia estar em remissão. Um mês depois, a luta, de repente, ficou mais difícil.

«Corria tudo mal, e percebes que, ok, talvez ele não consiga fazer isto, mas todas as vezes em que conversei com o Timi, eu dizia-lhe: ‘Sabes que o lugar é teu. Não entres em stress com nada quanto à banda. Só precisas de saber que a posição é tua sempre que for viável para ti.’»

Diamond esteve ao telefone com Timi apenas 10 dias antes da sua morte. «Ele era um dos meus baixistas favoritos – senão o favorito», diz Diamond. «O seu estilo de tocar tinha o mesmo toque e especialidade de Gary Thain, dos Uriah Heep, ou Geezer Butler [dos Black Sabbath] – baixistas que são incríveis.»

Na noite anterior ao concerto em Los Angeles, Diamond estava no outro lado da cidade para a actuação final dos Slayer, a banda de thrash que disse que Diamond e Mercyful Fate eram uma influência central. Diamond estava lá, no Forum, em Inglewood, como colega e fã.

Foi com o seu filho pequeno, Byron. «O garoto fará três anos em Março, e este foi o primeiro concerto que ele viu», diz com orgulho. «Ele viu as primeiras quatro músicas e estava de boca aberta.»

Como muitos outros presentes no concerto de lotação esgotada, Diamond assistiu àquilo com emoções mistas enquanto observava o nome essencial do thrash a deixar o palco pela última vez. «É tão estranho, agridoce», diz. «Eles pertencem aqui. Não sei como dizer isto – não é decisão minha –, mas eles não parecem estar no ponto em que estão acabados.»

Os Slayer são apenas os mais recentes dos grandes artistas a sair do palco depois de Motörhead e Black Sabbath, entre outros ícones que certamente o farão. Aos 63 anos, King Diamond está nisto há tanto tempo quanto muitos deles, mas não tem expectativas de desacelerar enquanto for capaz de levantar o seu microfone crossbones. A sua crise de saúde foi apenas um percalço, inspirando novos hábitos em relação à sua saúde: não fumar, mais sono, alimentação saudável.

A sua abordagem teatral ao metal é fisicamente exigente, como sempre. Começa cada noite com duas horas à frente do espelho, a maquilhar-se. Uma olhadela pelas primeiras fotos de Diamond em palco mostra quanto a maquilhagem evoluiu ao longo das décadas. Está melhor agora, pintado de branco e preto, com cruzes e sombras, com nova precisão e foco.

O ritual nocturno começa geralmente no hotel ao final da tarde, sentado com uma chávena de café. Habitualmente, ouve uma gravação do alinhamento ao vivo pelo menos duas vezes, inspirando-se para a actuação que tem pela frente. «Faz parte de mim», diz sobre a pintura de guerra. «Nada me fará deixá-la.»

Para Diamond, a ideia começou depois de ver a performance teatral de Peter Gabriel, dos Genesis, em 1974, com o vocalista a exibir uma pintura facial em preto e branco e fantasias elaboradas, a tocar «músicas progressivas e pesadas para a altura».

Depois veio a digressão “Welcome to My Nightmare”, de Alice Cooper, no ano seguinte. As experiências deixaram uma marca no jovem roqueiro.

«A maquilhagem significava que conseguias ver as expressões faciais ao fundo da plateia e não apenas na primeira fila», recorda. Decidiu: «Se algum dia conseguir tocar numa banda, vou usar isto, é garantido. Não tinha dúvidas.»

Diamond usou pinturas logo na sua primeira banda, Brainstorm, usando apenas maquilhagem preta na pele nua nesse estágio inicial. Naquela altura, estava a crescer como um adolescente fanático por rock’n’roll, assistindo a tantos concertos quanto podia.

O futuro frontman esperou desesperadamente pelo álbum de estreia dos Queen em 1973, ligando para a loja de discos local todos os dias depois de ouvir o single “Keep Yourself Alive” repetidamente na rádio. «Descobririas novas bandas», recorda. «A primeira vez que ouvi Black Sabbath foi um momento muito bonito na minha vida.»

Nessa mesma década, viu Slade, Sex Pistols, The Runaways e muitos mais. «Todas grandes bandas. Vi o Brian Johnson com Geordie três vezes», diz. «Depois foi para AC/DC, mas tocava em pequenas salas com Geordie, uma banda que eu também adorava.»

Em Copenhaga havia uma cena jovem e inflamada de roqueiros. Diamond concentrou-se inicialmente em tocar guitarra e era o orgulhoso proprietário de uma Gibson eléctrica e de uma stack Marshall. Mais tarde descobriu o seu estilo de cantar, por necessidade e por acidente, enquanto tentava entrar numa banda que não precisava de um guitarrista.

«Eles estavam à procura de um vocalista. Portanto tentei entrar na banda como vocalista/guitarrista, e eles disseram que não precisavam de guitarras», diz Diamond. «Eu não tinha nenhum outro plano, por isso fui lá apenas por diversão.»

Inspirando-se em Deep Purple e Rainbow, aproximou-se do microfone pela primeira vez e descobriu um alcance que nunca imaginou ter dentro dele. «Gritei», diz com uma gargalhada. «Estava sem voz quando saí daquela audição.»

Acontece que tinha um dom, e o roqueiro, que depressa seria renomeado como King Diamond, apresentar-se-ia numa banda chamada Mercyful Fate. A maquilhagem e as guitarras agressivas, e as imagens sombrias da loucura e do oculto, chamaram à atenção, com uma das primeiras gravações demo a ganhar destaque nas rádios da Dinamarca e do Reino Unido. Nem todos ficaram impressionados.

«Havia um padre em específico que andava atrás de nós. Ele não gostou nada do que estávamos a fazer», diz Diamond, observando que os ataques do padre fizeram com que a banda ganhasse mais atenção por parte imprensa, como acontece sempre. As imagens satânicas alarmaram alguns, entusiasmaram outros.

«Não detesto nenhuma religião. Nunca foi da minha conta», diz Diamond, membro da Church of Satan e conhecido do falecido fundador da seita, Anton LaVey. «Não sou religioso. Não tenho religião. Tenho uma filosofia.»

O álbum de estreia da banda, “Melissa” (1983), era sombrio e inovador para o género metal, com melodias de bruxaria, riffs militantes e o surpreendente falsetto de Diamond. As músicas escritas por Diamond e pelo guitarrista fundador Hank Shermann definiram uma pegada para uma geração de músicos metal que vinha a seguir.

Essa influência pode ser ouvida no vívido e agitado medley de tributo feito pelos Metallica aos Mercyful Fate em “Garage Inc.” de 1998. Lars Ulrich disse que Mercyful Fate é «uma banda fundamental no nosso radar», conhecendo-os pessoalmente durante a gravação de “Ride the Lightning” no Sweet Silence Studios, em Copenhaga, em 1984. Ficava a uma curta distância da sala de ensaio dos Mercyful Fate, que também foi usada pelos Metallica.

A explosão metal dos anos 1980 incluiu Mercyful Fate e Metallica, duas das bandas mais pesadas e fortes no meio de um oceano pop-metal na MTV. Claro, o material sombrio acabou por ser mais duradouro, embora os Mercyful tenham sofrido alguma tensão interna no início devido a desentendimentos musicais, que os levaram ao primeiro rompimento.

Alguns membros da banda sugeriram que deviam abrir-se a outros estilos. «Só por cima do meu cadáver», afirma Diamond. «[Era do tipo:] ‘Bem, então, se não nos vamos matar uns aos outros, então provavelmente devíamos fazer algumas coisas diferentes.’»

Diamond iniciou uma carreira a solo com “Fatal Portrait” em 1986 e no ano seguinte com o sombrio e teatral “Abigail”, um álbum conceptual que estabeleceu o vocalista como força ambiciosa para o ainda jovem género metal. Por acaso, os seus planos para 2020 e mais além são parcialmente alimentados pelas lições aprendidas naquela época.

Para começar, “The Institute” será a primeira metade de um planeado conjunto de dois álbuns. A isso junta-se a próxima digressão de reunião dos Mercyful Fate e uma possível gravação, sugere a ambição contínua do vocalista.

Resumindo: King Diamond não vai a lado nenhum tão cedo e mantém-se fiel às suas grandes visões. Como todos estes projectos se encaixam na paisagem do metal actual e em constante evolução, tal parece longe da sua mente.

«Ignoro completamente. Sempre ignorei. O que fazemos sempre partiu do coração», diz sobre se a cena actual poderá influenciar algum dos seus projectos icónicos. «Pelo menos fomos honestos connosco. Sempre defendemos o que estávamos a fazer.» Certamente, isso trouxe-o até aqui. Hail to the King indeed.

Consultar artigo original em inglês.

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