Converge “Jane Doe”: revisita ao álbum que mudou o hardcore para sempre
Artigos 4 de Setembro, 2020 Metal Hammer
Com o quarto álbum “Jane Doe”, os Converge voltaram a ligar o hardcore metálico de cima a baixo. O líder Jacob Bannon recorda a surpreendente conquista.
Em 2001, o metal estava em péssimas condições comerciais. Os Linkin Park e os Limp Bizkit levaram o nu-metal de salas sujas para os estádios do mundo, e os Slipknot surpreenderam quando “Iowa” alcançou o topo das tabelas de álbuns no Reino Unido. Mas nem todos ficaram impressionados com a mudança em direcção a essa nova geração de estrelas do rock. No underground profundo, em Boston, Massachusetts, uma banda estava prestes a lançar um álbum que não poderia ser mais complexo, mais cru, mais desafiador e mais em desacordo com o galanteio da cultura alternativa com o mainstream. Como qualquer pessoa, que ouviu tudo isto na altura, sabia, os Converge mudaram o jogo e “Jane Doe” era a sua obra-prima.
«2001 foi um período de doidos», diz o vocalista Jacob Bannon, quando questionado sobre que magia criou tal álbum. «Tanto musical como criativamente, todos tínhamos muita coisa a acontecer nas nossas vidas. Muito disso foi negativo, mas muito foi positivo, e ajudou a unir-nos como banda.»
No início do milénio, Converge era um colectivo formado por vários membros de uma cena hardcore de Boston descontroladamente fértil, e três álbuns de hardcore metálico e absurdamente pesado colocaram-os no radar do underground. Embora não fosse um lugar onde se sentissem confortáveis.
«Nunca fomos, e ainda não somos, porreiros», diz Jacob. «Nunca contestámos o que estava a acontecer no mundo do metal ou do hardcore. Lembro-me duma citação do Steve Reddy, da Equal Vision, que nos contratou em meados dos anos 90. Ele viu-nos a tocar para cerca de 1000 pessoas com Coalesce e Deadguy – eram esses os nossos pares naquela altura – e disse que não entendia. Mas ele viu a energia e sentiu que tinha de fazer parte dela de alguma forma. Mesmo assim, os miúdos do hardcore achavam que éramos muito metal. Acho que parte da nossa angústia e antagonismo externo como banda veio dessa atitude. Queríamos apenas tocar o mais forte que conseguíssemos e deixar ali o máximo de emoção possível.»
Esta atitude estava prestes a ser explorada da maneira mais incrível, mas era necessária a inclusão do baixista Nate Newton e do baterista Ben Koller nas fileiras de Converge, juntando-se a Jacob e ao seu colega fundador, o guitarrista Kurt Ballou, antes de realmente terem as ferramentas para se fazer o álbum que estava nas suas cabeças. E mesmo isso teve um preço.
«Nessa altura, o Aaron [Dalbec, guitarra] ainda estava na banda», confirma Jacob. «O Aaron ainda é um amigo nosso, mas estávamos a fortalecer-nos um pouco mais como grupo sem ele. Estávamos a compor mais juntos, ensaiámos mais juntos, e quando fomos gravar parecia mais um quarteto. Isso pesava-nos, era stressante, havia tensão. A dinâmica, por um lado, foi óptima – nós os quatro estávamos realmente a evoluir e a crescer como uma unidade, e estávamos muito felizes com isso –, mas havia outra coisa com que não ficámos felizes: o nosso segundo guitarrista simplesmente não estava tão presente quanto nós queríamos que estivesse. Acho que abordar isso e ter que passar por isso fez-nos ficar mais juntos a quatro. Isso foi uma parte muito importante deste álbum.»
Quando a banda começou a compor, Jacob começou a reunir o que se tornaria uma das características mais essenciais de “Jane Doe”: as letras pessoais inflexíveis, dando-nos uma perspectiva brutalmente honesta sobre um colapso relacional.
«Uma das coisas que eu gostava nas bandas que se ligavam a mim era aquela conexão pessoal», diz Jacob. «Quando comecei a escrever músicas na adolescência, não sentia que tinha uma ideia totalmente formada do mundo que desse para engarrafar e escrever letras. Portanto, quando escrevia, escrevia sobre a minha vida e as coisas pelas quais estava a passar – era uma maneira de me ajudar. Quando estava a escrever as letras do “Jane…”, estavam a acontecer algumas coisas que não eram positivas, e eu estava apenas a tentar encontrar-me. Para ter aquela emoção, aquele lugar difícil em que eu estava, e dar sentido a isso. É engraçado: liricamente é um álbum bem elaborado, mas, na altura, senti que ia falar de algo novo. Acho que passar por isso e reagir da maneira que reagi naquela altura foi como encontrei o meu processo criativo.»
Quando os Converge foram gravar “Jane Doe”, Jacob divertiu-se com aquele processo de autodescoberta, submergindo nos sentimentos sombrios que fluíam da sua mente.
«Estava certamente a aceitar o caos emocional», conta. «Lembro-me de gravar algumas vozes no escuro, no estúdio Fort Apache, no palco onde faziam sessões ao vivo. Era uma sensação estranha estar naquela sala, na escuridão total, sozinho. Era a modos que adequado para o material.»
“Jane Doe” foi lançado em 4 de Setembro de 2001, e enviou imediatamente ondas de choque pelo punk, hardcore e metal do underground. Da explosão caótica de 79 segundos de “Concubine” ao pesadelo de mais de 11 minutos da faixa-título no encerramento, o álbum combina pura agressão punk-rock, destreza musical e honestidade emocional comovente para um efeito de tirar o fôlego. Era tão perfeito que, para choque e espanto de todos os envolvidos, até a imprensa metal teve de tomar notar.
«Costumava comprar revistas de música a toda a hora e, por muito tempo, aquele mundo simplesmente não reconhecia a nossa cena», recorda Jacob. «Ou eram bandas de death metal, como as primeiras bandas da Relapse [Records], ou era Cradle Of Filth por todo o lado. As pessoas simplesmente não falavam sobre punk ou hardcore. Foi estranho de ver, mas também, naquele momento, percebi muito rapidamente que não queria ler sobre a minha banda na óptica de outras pessoas. Olhar para a imprensa é coisa que não quero saber. Criar música é algo muito pessoal e as pessoas podem discutir e dissecá-la, mas nunca chegarão perto do que realmente significa.»
Tal era o alcance de “Jane Doe” que, inevitavelmente, as bandas repararam nesse novo projecto e fizeram de tudo para o imitar. Nos Estados Unidos, os Converge abriram as portas aos seus pares e contemporâneos – bandas como Poison The Well, Every Time I Die e Cave In – para assinarem contratos, e inspiraram toda a gente – de Misery Signals a Norma Jean – a tornar o hardcore mais pesado, mais técnico, emocional e pensador. Na Grã-Bretanha, nomes como Beecher, Johnny Truant e Eden Maine tornaram-se a coqueluche da cena às costas do projecto sónico de “Jane Doe”.
«Claro, vimos logo», sorri Jacob. «Ainda o vimos. Pode ver-se isso de várias maneiras, pode ficar-se com raiva ou com rancor. Mas se as pessoas estão a imitar-te ou a tentar imitar o que pensam que és, então tudo bem, estás a afectar alguma coisa. Pode não ser o objectivo, mas é o que é. Mas somos uma daquelas bandas raras que começaram cedo e evoluíram à frente das pessoas. Por isso, para as bandas que são inspiradas por nós, espero que isso as leve a algum bom lado.»
Outra característica marcante de “Jane Doe” é o artwork, que foi criado pelo próprio Jacob. O rosto monocromático com as maçãs salientes de Jane olha fixamente para baixo, e agora é visto a adornar o corpo dos fãs em todo o mundo. Naquela altura, era impressionante, mas hoje é absoluta e indiscutivelmente icónico. Inicialmente, Jacob contratou o seu amigo e ex-designer de sleeves dos Converge, Derek Hess, temendo que estivesse emocionalmente imerso nas canções para fazer aquilo sozinho, mas logo percebeu que poderia canalizar esses sentimentos para fazer algo grande.
«Eu estava emocionalmente envolvido no álbum, portanto não pensei que o pudesse fazer. Eu só queria passar isso para outra pessoa, e achei que o trabalho do Derek se encaixaria na narrativa. Mas não estava a funcionar», recorda Jacob. «Eu andava a experimentar muitas coisas de corta-e-cola, punk-rock cruzado com arte. Então, pensei em fazer algo rápido com latas de spray e tinta. Simplesmente ganhou vida própria. Sabia que tinha criado algo com que estava muito feliz. Senti que captou mesmo o caos da música, mas forneceu alguma ordem à peça. Mas não sabia o quão impactante seria para as pessoas.»
Ainda assim, nem todos ficaram felizes com o resultado.
«A editora ficou chateada», ri Jacob. «Odiaram. Não tinha o logótipo de Converge e recebi muitas críticas. Acho que, provavelmente, foi a primeira vez que senti mesmo que a Equal Vision, como editora, não era a editora que compreendia a criatura que nós éramos. Estávamos apenas a começar a ficar entusiasmados com o que poderíamos fazer como banda.»
Com o passar do tempo, os Converge tornaram-se uma das bandas de culto mais amadas e singulares do planeta. Mas ainda há um lugar no coração das pessoas para o álbum que incendiou o livro de regras do punk-rock, como evidenciado pela manifestação de amor quando os Converge foram confirmados para tocar o álbum na sua totalidade no festival Roadburn. O set foi gravado em fita e lançado como “Jane Live”.
«Quando o Walter [Hoeijmakers, promotor] do Roadburn nos abordou, queríamos muito que funcionasse, porque realmente respeitamos o festival e a sua abordagem», diz Jacob. «Ele tenta fazer com que as bandas façam coisas que normalmente não fazem. Ele quer que seja um evento realmente único. Torcemos o nariz à ideia durante um tempo, mas pensámos que, se algum dia íamos tocar o álbum assim, teria que ser num lugar como o Roadburn. Dessa forma, podemos ensaiar e tocar as músicas como as tocamos agora, porque não as tocamos todas actualmente. Mas não faremos isto novamente, não faremos uma digressão. Por mais que esteja orgulhoso do álbum, queremos sempre olhar em frente.»
Os Converge continuam a exceder os limites, mas Jacob também reconhece a jornada que ele e a sua banda fizeram. Se não fosse por toda a sua história e a turbulência de “Jane Doe”, poderiam não ser quem são hoje. Quando pensa no álbum agora, ainda é capaz de se relacionar com o jovem insatisfeito que estava a passar por uma mudança muito rápida.
«Obviamente, não é a mesma coisa», começa, «mas é semelhante, porque eu sou o mesmo homem. Não sou uma pessoa diferente. Não vejo a vida em etapas e blocos – é tudo uma vida que vivi. Estou tão orgulhoso desse disco hoje como estava na altura.»
Consultar artigo original em inglês.

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