Windir (1994-2004): «Ficar sem o Valfar foi uma grande perda mas ele ainda está connosco»
Entrevistas 6 de Janeiro, 2021 Diogo Ferreira
«Nunca sentimos que fazíamos parte da cena black metal, tínhamos o nosso pequeno universo – era assim que queríamos e é assim que o queremos manter.»
Jarle Kvåle (Windir, Vreid)
14 de Janeiro de 2004. Terje “Valfar” Bakken foi a pé até à cabana da família em Fagereggi, Noruega. Nunca mais regressou. Três dias depois, o seu corpo foi encontrado em Reppastølen, vale de Sogndal. Nessa caminhada, o mentor de Windir foi surpreendido por um clima adverso e o seu corpo não resistiu – a hipotermia levou a melhor. Sepultado a 27 desse mês, os Windir separaram-se oficialmente em Março e deram o último concerto a 3 de Setembro de 2004 num evento em que compareceram bandas como Enslaved, Finntroll, Notodden All Stars, Weh, E-Head e Mindgrinder.
Mas comecemos pelo início, em 1994.
«Vivíamos num sítio remoto, na costa oeste da Noruega, e nunca fizemos parte da cena [black metal], mas ouvíamos os álbuns que eram lançados», conta o baixista Jarle Kvåle à Metal Hammer Portugal. «Tínhamos uma banda chamada Ulcus. Vivíamos no mesmo sítio, tínhamos uma pequena sala de ensaio onde passávamos o tempo todo. Desenvolvemos a nossa música a tocar covers de Metallica e Slayer, éramos inspirados por Darkthrone e Enslaved. Mas nunca fizemos parte de uma cena, nem estávamos em grande contacto com outras bandas, éramos mais fechados.»
Ao mesmo tempo, Valfar fundava Windir e de Oslo chegavam notícias de homicídios e igrejas incendiadas. Jarle recorda esse período: «Claro que isso estava em todas as notícias. Tínhamos começado a ouvir aquelas bandas e de repente explodiu. Claro que na Noruega toda a gente sabia daquilo, era uma grande cena. Foi fascinante, chocante e tudo mais, éramos muito novos e seguíamos aquelas bandas, mas o foco sempre foi a música. Inspirámo-nos nas bandas de thrash e death metal, e depois ficámos muito fascinados com aquelas bandas novas da Noruega a criarem algo novo. Isso é que era importante para nós, não o que estava à volta e as coisas chocantes que aconteceram. Foi fascinante, mas não foi o que nos deu impulso, foram os álbuns.»
Por essa altura, ainda havia Ulcus de um lado e Windir do outro, mas os laços pessoais já existiam. «Temos uma longa história», esclarece Jarle sobre a relação com Valfar. «Crescemos perto um do outro, éramos os melhores amigos, fazíamos tudo em conjunto para além da música. Éramos muito próximos. Desenvolvemos estas duas bandas em paralelo. O Valfar ficava em casa e criava música no computador. O primeiro material de Windir foi criado num computador, num programa muito primitivo, enquanto nós íamos para a sala de ensaio, a tocar mais como uma banda de rock. Durante esses anos, acho que o Valfar criou algo muito único influenciado por canções do folclore e uniu isso ao heavy/black metal clássico. Fomos muito inspirados por ele. Fez dois álbuns em que compôs tudo sozinho e teve músicos de sessão [“Sóknardalr” de 1997 e “Arntor” de 1999]. O Valfar cansou-se do metal durante uns tempos, fez música electrónica, mas depois voltou a sentir a necessidade. Falámos em sair das duas bandas para criarmos algo novo. Pensámos nisso durante um tempo, mas depois decidimos que fazia mais sentido se uníssemos forças em Windir – e foi assim que fizemos o “1184” [de 2001].»
Os Ulcus deixavam assim de existir com todos os membros a incidirem no grande esforço que era Windir. Em 2003 lançaram “Likferd”, o último álbum de uma banda que já começava a ter um estatuto de culto. Tal estatuto tornou-se magnânimo nos anos seguintes ao malfadado mês de Janeiro de 2004, quando Valfar desapareceu para sempre na neblina dos bosques noruegueses.
Jarle relembra o peso do momento: «Claro que foi um choque total e fomos parar a um sítio completamente negro. Perdemos o nosso melhor amigo, foi como perder um familiar. Decidimos imediatamente que não podíamos continuar Windir sem ele, não fazia sentido. Mas nesse estado de choque continuámos a sentir a necessidade de compor música. O Valfar faz parte da minha vida, passámos muitos anos juntos. E quando escrevo música penso que ele ainda faz parte da minha vida. À medida que os anos passam tem sido mais fácil abraçar todas aquelas boas memórias, tornar o negativo em algo criativo para esquecer a negritude durante um bocado.»
«Perdemos o nosso melhor amigo.»
Jarle Kvåle sobre Valfar (1978-2004).
Com essa urgência de se fazer música instalada nos músicos sobreviventes, Jarle Kvåle, Sture Dingsøyr e Jørn Holen fundaram Vreid em 2004. Stian Bakketeig, também de Windir, só se juntaria à nova banda em 2010 para substituir Stig Ese Eliassen (Slegest). Os Vreid continuam no activo e têm vindo a lançar discos consistentes desde a sua fundação através de editoras como a Tabu Recordings, Indie Recordings e Season of Mist.
Amigos de infância, com várias bandas no percurso de vida, há todo um sentido de alcateia unida. «Muito, sim», confirma Jarle. «Acho que é raro haver uma banda formada por amigos que o são desde que nasceram. É o nosso pequeno mundo, a nossa pequena brigada. Para nós, isso é tão importante como ter uma banda. Se algum de nós quisesse sair, acho que não arranjávamos substitutos. É isto que queremos fazer da vida, é o que nos dá significado, é o nosso pequeno universo – seja Ulcus, Windir ou Vreid. Ficar sem o Valfar foi uma grande perda, mas, de muitas maneiras, ele ainda está connosco. Ainda temos o nosso mundo a acontecer.»
Banda de culto e até considerada pioneira do folk/black metal («acho que é um bocado pomposo dizer que somos pioneiros [risos], nunca pensámos nisto dessa forma», comenta Jarle), os Windir acabaram por rotular-se a si mesmos como sognametal. «Ouvimos muitos tipos de música – folclore, clássica, rock dos anos 70, pop. O Valfar era obcecado por música electrónica», sendo posteriormente homenageado nesse campo musical através de uma versão de “Mørkets fyrste” feita por E-Head que está presente na compilação “Valfar, ein Windir” (2004). Jarle conclui: «Todos estes elementos foram importantes inspirações para criarmos música. Nunca dissemos que era algo especial. Utilizámos o termo sognametal, uma coisa engraçada que surgiu um dia porque englobava letras em que falávamos da nossa terra natal. Nunca sentimos que fazíamos parte da cena black metal, tínhamos o nosso pequeno universo – era assim que queríamos e é assim que o queremos manter.»
Os quatro LPs de Windir (“Soknardalr”, “Arntor”, “1184” e “Likferd”) ganham em 2021 uma nova vida através de uma reedição luxuosa em caixa de madeira com chancela da Season of Mist. Com “The Sognametal Legacy” como título, esta edição é limitada a 1184 cópias e está disponível a partir de 5 de Março de 2021. Pré-encomendas aqui.

Metal Hammer Portugal

Accept “Too Mean to Die”
Reviews Jan 27, 2021
Tribulation “Where the Gloom Becomes Sound”
Reviews Jan 27, 2021
The Body “I’ve Seen All I Need To See”
Reviews Jan 26, 2021
Michael Schenker Group “Immortal”
Reviews Jan 26, 2021
Death Receipt: descompressão da raiva
Subsolo Jan 27, 2021
Arroganz: o festim da morte é a vida
Subsolo Jan 27, 2021
Iscuron: do tempo que (não) volta
Subsolo Jan 27, 2021
Desoluna: onde o sol nunca brilha
Subsolo Jan 27, 2021