Vous Autres “Sel de Pierre”
Reviews 22 de Setembro, 2020 Sara Sousa
Editora: Season of Mist
Data de lançamento: 25.09.2020
Género: black/sludge metal
Nota: 4/5
Uma massa sónica colossal, pesada, sobre a qual paira um ar denso e asfixiante.
Quando ainda “Champ du Sang” nos ressoa, já Vous Autres nos fazem chegar o seu segundo longa-duração, “Sel de Pierre”. Apenas um ano e meio passou desde o álbum inaugural, período durante o qual assinaram pela Season of Mist, portanto o lançamento do segundo LP acabou por ser uma surpresa, evidenciando ser este um duo prolífero e audacioso. Vous Autres é uma admirável unidade, cujo núcleo constituído por partículas de black, sludge e doom, fundidas na herança avant-garde francesa, se envolve por uma electrosfera atmosférica. Os arranjos resultantes são uma massa sónica colossal, pesada, sobre a qual paira um ar denso e asfixiante.
Há diferenças marcantes entre os dois álbuns mas percebemos que estão interligados, começando pela proximidade na linguagem das capas, apesar da alteração nas figuras e nas cores predominantes. A primeira reflecte o sangue fervente pela raiva interior e que se expressa num som mais feroz. Já a segunda revela um olhar para fora onde, além da escuridão, há também lâminas de luz. “Champ du Sang” era dividido em diferentes actos, tal como é “Sel de Pierre”, e este dá continuidade às últimas faixas do seu precedente, focando-se no mundo exterior e procurando expandir a gama sonora. Sintetizadores e efeitos são usados de modo inteligente em nuances atmosféricas profundas e obscuras, onde mesmo os sons da natureza têm lugar. Uma voz espectral, o baixo e percussão inebriantes e guitarras meticulosamente trabalhadas são extremamente equilibrados. Mais do que evidenciar riffs ou habilidades, a banda usa o todo para as suas construções melódicas e harmónicas, entregando-nos múltiplos estratos altamente produzidos e um suspense que tanto tem de comovente como de aterrador. O contributo dos vocalistas convidados é uma eficaz mais-valia no álbum. Maxime Fevbet (Deluge) faz aumentar a intensidade de “Vesuve” com explosões vindas das maiores profundezas. O timbre vocal de RSTD afasta-se dos agudos ostensivos característicos de muitas vozes femininas e confere a “In Humus” uma delicadeza tenebrosa pela qual dificilmente não se ficará afectado.
Após dois singlessoberbos, escolhidos entre as seis músicas, ficou limitado o espaço para surpresas ou pontos fracos. Ao revelar-se o remanescente do álbum, constatamos que, das restantes quatro faixas, duas delas são instrumentais: um interlúdio e a faixa final que assume a função de outro do álbum. “Ecueil” (armadilha) dá-nos o encerramento do lado A se pensarmos na versão em vinil. É um momento para respirar, depois das megalíticas “Onde” e “Vesuve”, mas acaba por abrir uma janela de distracção e interfere na fluidez do álbum. Portanto, quando relembrado o trabalho anterior, “Sel de Pierre” revela-se demasiado curto. Mesmo assim, “Sans Sèves” conquista novamente a atenção para a audição e para o culminar de toda a obra constituído por “In Humus”.
Embora este não seja assumidamente um álbum conceptual, o título, o nome das faixas e até a estrutura das letras encontram-se em perfeita combinação. O majestoso vídeo de “Vesuve” e o conceito dado pelo nome da faixa ilustram-nos o que é esta jornada e a dinâmica das suas músicas. “Sel de Pierre” é um acto contemplativo e de rendição, em que se vê invocada a supremacia do mundo natural face à vulnerabilidade humana. Violentas erupções abalam-nos com ondas de choque. Espessas nuvens de fumo e cinzas, aparentemente estáticas, alastram-se perante a nossa impotência cobrindo qualquer feixe de luz. Rios de lava correm quentes e cintilantes até que, no rescaldo, revelam uma forma encordoada e enegrecida, que tudo devastou à sua passagem, dando lugar à decomposição dos corpos. É um espectáculo exuberante e de uma força avassaladora. Finalmente, “Nitre” não é uma canção para afagar as nossas expectativas ou emoções, é antes uma mensagem cruel. O pulsar humano deixou de estar presente e qualquer voz não passa de uma efémera miragem porque, aqui, somente tem lugar uma Natureza que se regenera em satisfeito Caci(us)quismo. Chegou o fim aterrador, encontrámos a beleza na destruição e a paz no decesso da humanidade.

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