Como Chuck Schuldiner, falecido líder de Death / Control Denied, reinventou o metal.

Como Chuck Schuldiner, falecido líder de Death / Control Denied, reinventou o metal.

Foto: Catherine McGann

Chuck Schuldiner nunca quis ser O Padrinho do Death Metal. Foi um rótulo do qual nunca se conseguiu livrar durante a sua curta vida, e que só cresceu em estatura nos anos seguintes à sua morte.

A sua reticência era compreensível. A banda de Chuck, Death, foi concebida na década de 1980 como uma erupção brutal de ruído e vísceras, mas o curso que navegaram durante um período de sete álbuns levou-os a águas desconhecidas. Como vocalista, guitarrista e arquitecto-chefe, ele era uma das figuras icónicas do metal extremo, um espírito inquieto em perpétuo movimento para a frente.

«Death estava tão à frente que as outras pessoas tentavam recuperar o atraso», diz Matt Heafy, vocalista de Trivium e fã de Death. «O Chuck estava tão à frente do seu tempo que se tornou um obstáculo. Se os Death ainda existissem, seriam enormes.»

Chuck não foi esquecido, mas, hoje em dia, a sua influência não é tão celebrada como deveria ser. Com Chuck ao leme, os Death produziram algumas das músicas de mudança mais revolucionárias dos anos 1990. Casaram o brutal com o progressivo, o sangue respingado com o cerebral. A sua tenacidade perante adversidades – desde questões de line-up até à mudança de tendências musicais e até ao cancro que eventualmente o matou – foi surpreendente. Mas ser um auto-publicitário era algo que ele não era.

«Ele sempre minimizou a sua parte no puzzle do metal extremo», diz Eric Greif, que geriu Chuck durante Death e mais além. «Ele nunca afirmou que criou algo – apenas pensou que a sua música era metal, pura e simplesmente. Nunca o admitiu, mas era um visionário.»

É discutível se Death foi a primeira banda de death metal, mas estamos perto disso. Os Possessed, de San Francisco, superaram-os com a demo de 1983, reveladoramente intitulada “Death Metal”. Mas os Possessed espatifaram-se e acabaram em poucos anos, enquanto Chuck perseverou com a visão que teve quando adolescente em Orlando, Florida.

O guitarrista original dos Death, Rick Rozz, conheceu Chuck numa festa caseira no Sunshine State [N.d.t.: Florida]. «Era um tipo muito calmo e descontraído», diz Rozz. «Eu e o Kam [Lee, baterista] tínhamos a banda Mantas, e começámos a conversar com o Chuck sobre música. Tínhamos apenas 16 anos, mas em poucas semanas mudámos as nossas coisas para casa dele e abandonámos a escola.»

Inspirado pela cena emergente do thrash metal, o trio mudou o nome de Mantas para Death, reflectindo a sua predileção por filmes de terror cheios de sangue, tripas e zombies – algo que Chuck usaria nos dois primeiros álbuns de Death. Baptizou-se como ‘Evil Chuck’. «Não havia uma cena de death metal na Florida», diz Rick. «Obituary não estavam juntos, Morbid Angel não estavam juntos, Deicide não estavam juntos. Éramos apenas nós naquele momento.»

Eric Greif conheceu Chuck em 1987 no Milwaukee Metal Fest. O inovador álbum de estreia dos Death, “Scream Bloody Gore”, foi lançado nesse ano. Uma onda de barulho gargarejado desenhou o modelo para a cena underground do metal, que se transformou em vida no calor da Florida. Mas ao assistir a Death a tocar ao vivo em Milwaukee, Eric viu o brilho do potencial por detrás do volume e da imundice.

«Nunca tido sido exposto a algo tão feroz como a sua voz», diz Eric. «Em 1987, Tom Araya foi considerado o vocalista mais pesado. Então, o Chuck – esse tipo bonito – subiu ao palco, abriu a boca e Satanás saiu. Mas fora do palco, era o oposto disso. Era educado, carismático, como uma personagem de um programa de TV do sul: ‘Como estão, pessoal?’, esse tipo de coisas.»

Os Death tinham apenas alguns anos naquela altura, mas já tinham sofrido várias mudanças de pessoal – algo que os definiria durante o resto da carreira. A formação original desfez-se em 1986, depois de Chuck se ter juntado brevemente aos thrashers canadianos Slaughter, embora Rick Rozz regressasse no segundo álbum dos Death, “Leprosy”. A revolta atingiu um ponto mais baixo em 1990, quando um Chuck exausto abandonou a digressão europeia, deixando os seus lesados companheiros actuarem nessas datas sem ele (foi oficiosamente chamada como a digressão ‘Fuck Chuck’, para ira do vocalista).

«Embora seja uma banda, era claro que Chuck era o chefe», diz Eric, cujo próprio relacionamento com Chuck teve os seus choques. «Eu e o Chuck processámo-nos na altura do [terceiro álbum dos Death] “Spiritual Healing”, depois chateámo-nos outra vez passado uns anos. Os nossos advogados rectificaram tudo e, desde então, ficámos bem.»

Ao contrário de muitos dos seus contemporâneos do death metal, Chuck era uma pessoa complexa. Quando os Death lançaram “Spiritual Healing” em 1990, ele já estava a começar a ultrapassar a cena que ajudara a gerar. Esse álbum marcou o ponto em que descartou largamente os interesses líricos adolescentes de “Scream Bloody Gore” e do seguinte “Leprosy” a favor de um olhar mais profundo, embora não menos vívido, sobre a condição humana.

«Ele começou a lutar pelo que todos estavam lutar na altura – horror, sangue e brutalidade», diz Eric. «Era um miúdo, adorava esse tipo de coisas. Mas finalmente começou a encontrar a brutalidade na vida quotidiana.»

Um salto ainda maior ocorreu entre “Spiritual Healing” e o seguinte álbum dos Death, “Human”, de 1991. Mesmo mantendo-se ancorado ao metal extremo, Chuck levou a banda para novas avenidas de complexidade. Para “Human”, recrutou o guitarrista Paul Masvidal e o baterista Sean Reinert, dos visionários do tech-death Cynic, e o maestro do baixo fretless dos Sadus, Steve DiGiorgio – uma formação que representava a vanguarda do metal do início dos anos 1990.

«O Chuck cresceu de maneira extraordinária como músico e letrista de álbum para álbum», diz Eric. «Ele estava a passar por muita confusão pessoal – relacionamentos com namoradas a desmoronarem, problemas com os pais a divorciarem-se, a duvidar das suas próprias habilidades. De muitas maneiras, Death era catártico para ele. Quando nos estávamos a processar um ao outro, ele ligava-me e dizia furioso: ‘Só quero que saibas que escrevi outra música sobre ti.’»

Os grandes saltos dos Death continuaram nos anos 1990. “Individual Thought Patterns” de 1993 e “Symbolic” de 1995 (o último, discutivelmente, o melhor álbum) eram cada vez mais complexos e visionários.

«A maneira como ele abordava as coisas era muito pouco ortodoxa», diz Matt Heafy. «Ele tratava a guitarra como alguém que toca flamenco. Não há muitas bandas em que ouves o guitarrista a tocar um riff e consegues identificá-las imediatamente. Zakk Wylde, Dimebag, James Hetfield. E consegue-se definitivamente com o Chuck.»

Apesar dos elogios que os sucessivos álbuns de Death receberam, os anos 1990 foram um período difícil. O metal estava na rectaguarda, esmurrado pelo grunge. Pantera e White Zombie mantinham a bandeira do metal, mas para uma banda mais periférica era difícil.

«Acho que ele ficou desiludido com a indústria da música», diz Eric. «E acho que ele estava a ficar desiludido com Death, ou pelo menos enquanto vocalista de Death. Ele dizia: ‘A música está toda pronta, agora tenho que estragar tudo com a minha voz.’ Então decidiu fazer algo diferente.»

“The Sound Of Perseverance”, de 1998, foi o último álbum de Death – e o último de Chuck como vocalista. Dentro de um ano, abandonou o nome e lançou uma nova banda, Control Denied. A maior parte da formação final de Death foi com ele, mas havia uma diferença fundamental: Chuck concentrar-se-ia em tocar guitarra, trazendo o novato Tim Aymar para cantar.

Com as suas músicas intrincadas e vozes poderosas, o álbum de estreia, “The Fragile Art Of Existence”, aproximou-se mais dos titãs progressivos Dream Theater do que das bandas extremas que surgiram no rasto de Death. Infelizmente, o título do álbum mostrou-se terrivelmente profético. Em 1999, no mesmo ano em que foi lançado, Chuck Schuldiner foi diagnosticado com cancro no tronco cerebral. «Ele escolheu lutar», diz Eric. «A irmã levou-o de médico em médico.»

Quando ficou claro que a família Schuldiner não podia pagar o tratamento, os fãs angariaram dezenas de milhares de dólares para ajudar a pagar as contas médicas. Em Janeiro de 2000, Chuck foi submetido a uma operação de salvamento.

«Encontrei-o num bar após a primeira rodada de cirurgias», diz Rick Rozz. «Ele não parecia bem, arrastava a perna. Passámos umas boas três ou quatro horas apenas a conversar. Foi porreiro vê-lo.»

Durante um tempo, parecia que o tratamento tinha sido um sucesso. «Ele estava em remissão e todos pensavam que iria sobreviver», diz Eric. «Mas depois aconteceu o pior.»

Em Maio de 2001, a família de Chuck anunciou que a doença tinha voltado. A comunidade metal reuniu-se por ele novamente. Pesos-pesados como Korn, Marilyn Manson e Red Hot Chili Peppers doaram memorabilia para um leilão para ajudar a financiar as contas médicas. Os Trivium, que se tinham formado apenas alguns anos antes, fizeram um concerto de angariação de fundos no Fairbanks Inn em Orlando. «Eram apenas bandas locais, mas era uma honra poder fazer isso», diz Matt Heafy, que cresceu a poucos quilómetros de onde Chuck co-fundou Death há tantos anos.

Infelizmente, não adiantou. A 13 de Dezembro de 2001, Chuck morreu, com 34 anos. «Ele lutou o tempo todo», diz Eric, que ajudou a organizar o funeral que contou com a presença de Corey Taylor, Ville Valo, Dave Grohl, entre outros. De maneira reveladora, apesar da história ocasionalmente conturbada que tiveram com seu ex-companheiro de banda, todos os antigos membros de Death apareceram.

«Embora parecesse ter desavenças com os músicos das suas bandas e com pessoas das editoras, todos o respeitavam», diz Eric. «Mesmo depois de todo este tempo, as pessoas não dizem mal sobre como era trabalhar com ele.»

Chuck começou a trabalhar num segundo álbum de Control Denied antes da sua morte. Apesar do clamor dos fãs pelo lançamento, Eric – que foi nomeado pela família Schuldiner para cuidar do legado musical de Chuck – insiste que o disco mal tinha sido começado quando ele morreu.

«Nunca foi além de demos simplistas», diz Eric. «Ele era fisicamente incapaz de tocar os riffs mais simples. Terminá-lo postumamente é quase impossível. Não se pode simplesmente estalar os dedos e esperar que as pessoas saibam o que Chuck quereria.»

Mesmo sem esse disco, Chuck deixou um legado estelar. Os oito álbuns que lançou durante a sua vida foram uma evolução pessoal que espelhava a própria evolução do metal. Hoje, o seu legado pode ser ouvido em tudo, desde Volbeat à próxima geração de incendiários como Venom Prison. Quase 20 anos após a sua morte, o relutante Padrinho do Death Metal permanece tão importante e influente como sempre.

«Encontro miúdos que não conhecem as suas raízes, a sua história», diz Matt Heafy. «Eles não o sabem, mas quando estão a ouvir a sua banda favorita, estão a ouvir Death nisso.»

Consulta o artigo original em inglês.