Judas Priest “Painkiller”: cavaleiros da noite, traficantes da morte
Artigos 3 de Setembro, 2020 Diogo Ferreira

Fundados em 1970, antes de se chegar a 1990, os Judas Priest já tinham lançado álbuns de relevo como “Sad Wings of Destiny” (1976) e “British Steel” (1980), este que foi um dos títulos que deu início à New Wave Of British Heavy Metal ao lado de nomes como Iron Maiden e Motörhead. Para a banda, a década de 1980 teve os seus altos, com “Screaming for Vengeance” (1982), e os seus baixos, com “Turbo” (1986), mas 1990 seria definitivamente um grandioso ano para os gigantes do heavy metal. Ou não… suspeitou-se.
“Painkiller” já estava pronto em Março desse ano, mas o Verão parecia trazer infortúnio. Em meados de Julho, os Priest e a editora CBS foram a julgamento no Tribunal Distrital do Condado de Washoe (EUA). Porquê? Cinco anos antes, a 23 de Dezembro de 1985, James Vance, de 20 anos, e Raymond Belknap, de 18, do Nevada, dispararam neles próprios à queima-roupa com uma espingarda. Enquanto Belknap morreu instantaneamente, Vance sobreviveu durante mais três anos, morrendo depois devido às complicações provocadas pelos ferimentos.
Foi dito que os dois jovens estavam a ouvir discos de Priest no início daquele dia enquanto bebiam e fumavam marijuana. Foi dito também que essa combinação acabou por levá-los ao pacto de suicídio.
As duas famílias alegaram posteriormente que os Priest tinham colocado mensagens subliminares em alguns pontos do álbum “Stained Class” (1978), incitando os fãs a matarem-se, e apontaram que algumas foram inseridas usando-se mensagens ao contrário. Dizia-se que tal era mais óbvio na música “Better By You, Better Than Me”, em que as comunicações ocultas diziam aos fãs “let’s be dead” e “do it”. Esses incentivos, alegaram os advogados em nome das famílias, eram directamente responsáveis pelas mortes.
O caso caiu em Agosto seguinte. O juiz concordou que havia mensagens subliminares, mas estas eram «apenas discerníveis depois da sua localização ser identificada e depois dos sons serem isolados e amplificados. Os sons não seriam conscientemente discerníveis para o ouvinte comum sob condições normais de audição».
Rob Halford comentou: «Devastou-nos ouvir alguém dizer ao juiz e às câmaras que esta é uma banda que cria música que mata jovens. Aceitamos que algumas pessoas não gostem de heavy metal, mas não podemos deixá-las convencer-nos de que é negativo e destrutivo. O heavy metal é um amigo que proporciona às pessoas um grande prazer e diversão, e ajuda-as em momentos difíceis.»
O disco, que foi gravado em França, chegou finalmente às lojas a 3 de Setembro e o universo metal ficou virado do avesso! “Painkiller”, em certa medida, não foi um daqueles álbuns que seria celebrado apenas em anos posteriores – não, “Painkiller” mostrou a força de Judas Priest e do heavy metal com hinos atrás de hinos.
Mais agressivo do que qualquer registo de heavy metal tradicional, o tremor de terra começa com um fill introdutório do recém-recrutado baterista Travis Scott, seguindo-se, mais à frente, a berraria afinadíssima de Halford – “THIS IS THE PAINKILLER!” A partir daqui não há retorno, e Travis Scott volta a fazer das suas em “Hell Patrol”, um dos temas mais tradicionais e orelhudos do álbum, com letras memoráveis: “Night riders / Death dealers / Storm bringers / Tear up the ground”.
O estridente Halford explode em “All Guns Blazing” e a dupla de guitarras composta por Glenn Tipton e K. K. Downing destrói na desenfreada “Leather Rebel”.
Depois, o speed / shredding de “Metal Metaldown” abre caminho para um trio insuperável. A trovoada e a noite dão as boas-vindas à carismática e sensual q.b. “Night Crawler”; a guitarra, como se uma motosserra estivesse a ser arrancada, inaugura a heróica e, a tempos, pungente “Between the Hammer & the Anvil”; e o sino, que antecede os sintetizadores e a guitarra eléctrica, dá origem ao pecado de “A Touch of Evil”, a power-ballad que demonstra um Rob Halford pleno de todas as sua capacidades vocais, um tema que certamente tem de fazer parte do cancioneiro de baladas heavy metal ao lado de nomes como Whitesnake, Scorpions ou Van Halen – aquele grito por volta dos 4:40 é simplesmente insano: “YOU’RE POSSESSING ME!”.
Fechar assim seria aceitável e com chave de ouro, mas os Priest ainda adicionaram o interlúdio “Battle Hymn” e o último tiro “One Shot at Glory” em mais uma cavalgada heavy metal que nos faz voltar ao início e ouvir tudo outra vez.
A voz fervorosa de Rob Halford, os riffs afiados de Tipton / Downing e o furacão Travis Scott na bateria fizeram com que “Painkiller” fosse recebido positivamente na crítica ao obter notas como 4/5 na Allmusic e na Record Collector ou mesmo 5/5 na Sputnikmusic. No website Metal Archives, “Painkiller” sempre esteve acima dos 90%.
“Painkiller” não é só um dos álbuns mais importantes e mais intensos do heavy metal, é também o encerrar de uma era de ouro. Ainda que na derradeira década do Séc. XX tivesse origem o black metal norueguês, o death metal sueco e norte-americano, e o dark metal um pouco por toda a Europa, o movimento seria comercialmente derrotado de forma letal com a ascensão do grunge, tendo o metal no seu todo começado a reflorescer apenas nos primeiros anos do século seguinte.
No território de Judas Priest, o vocalista Rob Halford abandonava o grupo em 1992 devido a tensões internas e com vontade de explorar outros caminhos artísticos. Os Priest só voltariam a lançar um disco em 1996 – “Jugulator” com Tim “Ripper” Owens na voz. Halford regressaria em 2003, tendo-se lançado “Angel of Retribution” em 2005. Quando talvez menos se esperava que um álbum de Judas Priest iria ter a relevância de outros tempos, em 2018 lançaram “Firepower”, tendo sido visto como o digno sucessor de “Painkiller”.

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