Fear Factory “Demanufacture”: o clássico do metal que renovou os 1990s
Artigos 13 de Junho, 2019 Metal Hammer
No verão de 1995, os Fear Factory lançavam “Demanufacture” – uma obra-prima futurista que influenciaria o metal que estava para vir.
É fácil esquecer que o futuro é criado aqui e agora.
Quando os Fear Factory lançaram o segundo álbum “Demanufacture” em 1995, este previu poderosamente o futuro do metal e o comboio da tecnologia interactiva e da inteligência artificial. Mais importante, mudou para sempre a forma como a música pesada soava.
Na verdade, os Fear Factory não eram os candidatos mais prováveis para o sucesso generalizado. O álbum debutante de 1991, “Soul Of A New Machine”, foi um extraordinário e inovador disco de metal extremo que se inspirou no death metal, grindcore e industrial, com o então inédito método do vocalista Burton C. Bell, ao passar de grunhido gutural para um cantar assombrado, demonstrando o elemento que mais contribuiu para a singularidade reconhecida da banda. Mas não foi até ao EP “Fear Is The Mindkiller”, igualmente inovador, de 1993, que a visão musical de Burton e do guitarrista Dino Cazares seria verdadeiramente trazida à vida. Compreendendo novas versões de músicas do álbum de estreia, desmontadas e reconstruídas por Rhys Fulber dos pesos-pesados industriais Frontline Assembly, a alegre polinização cruzada do álbum colocou os Fear Factory no caminho certo e em direcção ao álbum que logo definiria a carreira.
«”Fear Is The Mindkiller” é o que queríamos ser», diz Dino. «Simplesmente não tínhamos a tecnologia para fazer isso no início. Não tínhamos os samples de teclados ou os computadores antigos que tipos como o Rhys usavam. Portanto tentámos imitar a máquina com guitarras, baixo, bateria e vozes. Se ouvirem antigas bandas industriais como KMFDM ou Ministry, estas faziam um sample de um riff metal e um loop, então era o mesmo riff repetidamente. Bem, estávamos a tentar copiar isso.»
«O Dino estava a tentar encontrar uma maneira de turbinar a sua música e melhorá-la um pouco», explica Rhys. «”Fear Is The Mindkiller” colocou a banda em clubes industriais onde não teriam tocado antes. Quando chegou o próximo álbum, eles pediram-me para trazer mais desse material para a sua música.»
Fundamental na assinatura dos Fear Factory pela Roadrunner, o renomado publicista metal Monte Conner viu claramente o potencial na abordagem idiossincrática da banda, e afirma que o que estavam a fazer era revolucionário.
«Os Fear Factory foram pioneiros desde o início», insiste. «Aquelas vozes começaram no primeiro álbum – uma banda de death metal brutal inseria refrãos pop, e o quão inovador foi isso? Mas o objectivo, quando eles estavam a fazer o “Demanufacture”, era evoluir do death metal para algo completamente novo.»
Graças aos diversos gostos de todos os envolvidos, os Fear Factory nunca estiveram destinados a ser mais uma banda metal genérica. De death metal e industrial a electrónica e bandas-sonoras, tudo o que a banda adorava estava a fundir-se numa identidade nova e excitantemente desconhecida. O início dos anos 1990 não foi o momento mais auspicioso para o metal em termos comerciais, mas ao lado de Sepultura, Pantera, Machine Head e Korn, os Fear Factory lançavam ao género uma corda de salvação, simplesmente inventando-se uma nova maneira de fazer as coisas.
«Tínhamos a visão de como queríamos que os Fear Factory soassem e levou algum tempo para compreendermos o nosso ofício e para se chegar a esse ponto», afirma Burton. «Na época do “Demanufacture” aconteceu tudo. Lírica, conceptual e sonoramente, os arranjos, a produção… Simplesmente houve um clique.»
«Não tínhamos medo de arriscar», acrescenta Dino, «estávamos apenas a fazer o que gostávamos. Fazer refrãos maiores ou trazer os elementos do techno, foi do tipo: ‘Esta é a merda de que gostamos, por isso vamos fazer!’ Não tínhamos nada a perder».
À medida que a música de Fear Factory evoluía, também o núcleo conceptual da banda o fazia. Embora a história possa tender a pintar a banda como nerds de ficção científica, perpetuamente falando sobre a batalha iminente do Homem com os robots, a verdadeira inspiração por detrás de “Demanufacture” e dos seus contos de rebelião contra uma elite corrupta tecnologicamente avançada veio da realidade da vida no mundo nas ruas de Los Angeles na primeira metade dos anos 90.
«De 1990 a 1995 houve incêndios, inundações e tumultos», explica Dino. «Em 1994 houve um grande terramoto. Vimos LA ser destruída. Vimos todos os saques, vimos pessoas a disparar umas nas outras, vimos a Guarda Nacional a patrulhar as nossas ruas à noite. Vivemos isso tudo. O Burt foi capaz de canalizar tudo isso e inserir em “Demanufacture”. A primeira linha que se ouve no álbum é “Desensitised by the values of life…”. Isso foi o que vimos.»
«”Demanufacture” foi um álbum conceptual, mas foi inspirado em acontecimentos reais», acrescenta Burton. «Estávamos num ambiente hostil. Durante o tempo que durou os tumultos podia sentir-se a tensão no ar entre todos. Toda a gente era um alvo. Ninguém confiava na polícia. Foi surreal. Havia pessoas no topo de prédios com armas semiautomáticas a proteger os seus bens. Vivemos nos tempos de “Demanufacture”, lutando contra o homem e lutando pela sobrevivência.»
Com expectativas altas, um conceito incendiário e um orçamento considerável de uma optimista Roadrunner, os Fear Factory começaram a trabalhar em “Demanufacture” no lendário estúdio Chicago Trax, escolhido primariamente porque os principais nomes industriais, como Ministry e Skinny Puppy, haviam gravado lá.
«Aquele estúdio foi um desastre do caraças», relembra Dino com um suspiro. «Começámos a gravar a bateria, o computador continuava a emperrar, pessoas vendiam drogas fora do estúdio. Pensámos: ‘Temos que sair daqui!’»
Desejando evitar mais atrasos, a banda abandonou rapidamente Chicago e foi para o Bearsville Studios, em Nova Iorque. O estimado produtor de metal britânico Colin Richardson estava a bordo mais uma vez, tendo trabalhado com a banda na sua estreia, e o próprio Bearsville tinha uma reputação formidável como estúdio onde lendas como Alice Cooper e The Rolling Stones haviam gravado clássicos.
«Bearsville fica no campo, no meio do nada!» Dino ri. «Éramos rapazes da cidade nas malditas montanhas. Enquanto estávamos lá, Faith No More estavam num quarto, Bon Jovi estavam no outro e nós estávamos no meio. Digamos que saímos muito com Faith No More. [risos] Começámos a tocar bateria e estava tudo a ir muito bem, mas, quando começámos na guitarra, fomos contra uma parede. O Colin não gostou do meu tom de guitarra. Discutimos durante duas semanas e não gravámos a porra de uma nota!»
Em conflito com o produtor, Dino e Burton viram o tempo esvair-se e o orçamento a evaporar-se rapidamente. Colin permaneceu inflexível quanto a Dino mudar o seu equipamento. Dino disse a Colin para se ir foder.
«Eu estava tipo: ‘Fode-te, este é o meu som!’, estás a ver? Certo dia, eu estava tão frustrado que fui a uma banca de frutas no fundo da colina do estúdio», diz o guitarrista. «Havia um tipo a trabalhar lá e parecia-me familiar – era o guitarrista de Bad Brains, o Dr Know! Então comecei a conversar com ele, disse-lhe o que estava a acontecer e ele disse: ‘Eu tenho algumas coisas que podes usar!’ Ligámos o meu amplificador ao cabinet dele e, de repente, o som estava lá! Estava toda a gente a limpar o suor da testa, estás a ver? [risos]»
Com o impasse terminado, a criação de “Demanufacture” começou a sério. Com uma ênfase maior nos teclados, samples e efeitos sonoros, mas ainda impulsionados por essa mistura sincronizada e mecânica de riffs e bateria, as 11 músicas do álbum prometiam ser um novo manifesto radical para o metal. Tal era o foco e a ferocidade da visão de Dino Cazares para o álbum que ele chegou rapidamente à conclusão de que Colin Richardson já não era o homem certo para misturá-lo.
«Às vezes, os produtores ouvem as coisas de forma diferente», diz Rhys Fulber. «Mas o Dino opunha-se veementemente a fazê-lo da maneira do Colin. É um pouco triste que isso tenha sido permitido e um monte de dinheiro foi gasto, mas o Colin contribuiu com grandes coisas para esse disco.»
«Nada contra o Colin, ele é brilhante, mas senti que estávamos numa direcção diferente», explica Dino. «Se ele tivesse feito a mistura, seria um típico disco de metal, e precisávamos de estar fora da caixa. A primeira mistura foi horrível; os teclados não estavam na linha da frente e queríamos que eles fossem audíveis, por isso retomámos o controlo do disco. Começámos a misturar o álbum com o Rhys e com o Greg Reely, produtor e engenheiro dos Frontline Assembly, e à primeira música que o Greg misturou, pensámos: ‘Oh meu deus, é isto!’»
«Estávamos no Enterprise Studio em Burbank, numa grande sala onde editam música e som para filmes», relembra Burton. «À frente dessa grande mesa de mistura havia uma tela de cinema de seis metros, então podíamos ver “Bladerunner”, “Terminator”, “Apocalypse Now” e “Robocop”, ou o Raymond [Herrera, ex-baterista de Fear Factory] estaria a jogar Mortal Kombat ou Street Fighter nessa tela enorme – e foi assim que conseguimos a nossa inspiração. Foi um momento entusiasmante e emocionante.»
“Demanufacture” foi lançado a 13 de Junho de 1995, repleto de artwork apropriadamente inovador, cortesia do renomado artista gráfico Dave McKean, e acumulou logo algumas das críticas mais extasiantes daquele ano. Tornou-se um enorme sucesso e a sua influência em sucessivas gerações de bandas metal é inquestionável. O álbum seguinte de Fear Factory, “Obsolete” (1998), seria ainda mais bem-sucedido e renderia à banda o seu único disco de ouro nos EUA. No entanto, é devido a “Demanufacture” que Burton e Dino serão inevitavelmente lembrados quando, finalmente, pendurarem as botas. Em Dezembro desse ano foram para o Reino Unido para uma série de datas como cabeças-de-cartaz, tocando “Demanufacture” na sua totalidade imaculada. Fear Factory é uma das poucas bandas que tem a desculpa perfeita para revisitar o passado: acima de tudo, “Demanufacture” estava à frente do seu tempo e quase misteriosamente presciente em vários níveis. Cerca de duas décadas depois, ainda soa como o futuro.
«É realmente uma obra-prima e os Fear Factory não recebem o crédito que merecem por serem inovadores», diz Monte Conner. «O som e o conceito deles estão a ficar mais relevantes com o passar do tempo.»
«O “Demanufacture” colocou-nos no mapa», conclui Burton. «Estávamos à frente do nosso tempo. O que fizemos foi cru, real e instintivo. Essa energia pura não era para o mainstream, e eu estou de bem com isso. Nunca quis ser um artista mainstream. Queria estar à margem e ser perigoso, e “Demanufacture” ainda é perigoso.»
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Autoria: Dom Lawson
Tradução: Diogo Ferreira
Consultar artigo original em inglês.
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