Extreme “Pornograffitti”: muito mais que “More Than Words”
Artigos 7 de Agosto, 2020 Rodrigo Baptista


Oriundos de Boston, os Extreme sempre foram uma banda que ficou algo à margem do movimento hair metal, apesar da sua estética aparentemente contrariar essa ideia. No entanto, era a sua sonoridade que os demarcava de todas as bandas provenientes da Sunset Strip.
Formados em 1985, a afirmação dos Extreme revelou-se demorada numa altura em que a indústria musical em Boston estava mais virada para as sonoridades alternativas de grupos como Pixies ou The Lemonheads. Após vários anos a tocar num circuito de clubes underground, a banda despertou o interesse do A&R Bryan Huttenhower e assinou contrato com a A&M Records em 1987. Já com várias músicas compostas, entraram em estúdio para gravar o primeiro álbum. Porém, o processo de produção e gravação não correu como esperado provocando assim um certo descontentamento por parte da banda em relação ao seu resultado sonoro. A editora, que também não se encontrava satisfeita com o investimento realizado, acabou por lançar o álbum homónimo a 14 de Março de 1989. No entanto, com uma sonoridade ainda pouco limada, o álbum não deslumbrou a crítica, apesar de alguns momentos mais arrojados, como é o caso das faixas “Kid Ego” e “Play With Me”, que davam a entender que poderia existir ali algo. Feitas as contas, o álbum acabaria por vender umas meras 300.000 cópias nos EUA, números muito abaixo em relação ao que bandas contemporâneas, como por exemplo os Skid Row, estavam a conseguir vender.
Todavia, a editora optou por dar-lhes uma segunda oportunidade, que a banda soube agarrar com ‘unhas e dentes’. Ainda o primeiro álbum não tinha sido editado e o grupo já tinha composto cerca de 80% a 90% do que viria a ser “Pornograffitti”.
Para este novo trabalho, os Extreme optaram por ir gravar a Los Angeles, nos Scream Studios, com o experiente produtor Michael Wagener, creditado por ter trabalhado com Dokken e Skid Row. Wagener acabou por conseguir captar na essência aquela mixórdia sonora que hoje caracteriza os Extreme, e que eles descrevem como sendo uma mistura das suas três maiores influências: Queen, Aerosmith e Van Halen.
Musicalmente, a banda procurou reinventar-se com o objectivo de descobrir uma sonoridade mais distinta e autêntica. Para tal, revelou-se essencial a mestria de um jovem guitarrista português de seu nome Nuno Bettencourt, que consigo trouxe renovações profundas para a arte de tocar guitarra, isto porque, muitas das vezes, Nuno compunha os seus riffs como se estivesse a compor para uma secção de metais, dando-lhes assim uma sonoridade mais funk e com métricas sincopadas – “Get The Funk Out”, “Decadence Dance” e “Li’l Jack Horny” são três exemplos desse tipo de escrita. Por outro lado, Bettencourt procurou também desenvolver em “Pornograffitti” as suas capacidades enquanto solista virtuoso, através de passagens que vão desde o shredding ao tapping, passando pelo seu vibrato bastante distinto cheio de pinch harmonics. As faixas “He-Man Woman Hater” e “Get The Funk Out” demonstram bem a capacidade e facilidade que Bettencourt tem em incorporar estes diferentes elementos nos seus solos. Nesta última, o guitarrista português chegou mesmo a ser elogiado por Brian May, tendo este referido num documentário a assinalar os 25 anos de “Pornograffitti”: «Para mim, isto é o epítome daquilo que deve ser um solo num álbum – claro que é pré-construído, mas existe uma certa espontaneidade que o faz soar como se tivesse vindo diretamente do interior dele, e essas coisas não acontecem muito regularmente, é um solo brilhante, que está ao nível de qualquer grande solo que queiras mencionar. Do ponto de vista técnico, é colossal. Eu nunca conseguiria fazer aquilo, nem num espaço de um mês eu conseguiria aprender esse solo, é algo que é exclusivo do Nuno e isso é estupendo. Para mim, é um marco na história do rock que deveria ser gravado numa medalha e presenteado ao Nuno Bettencourt e aos Extreme.»
Após a edição de “Pornograffitti”, Nuno Bettencourt começou a ser reconhecido e idolatrado no meio da comunidade de guitarristas, nomeadamente pelos seus pares, como Steve Vai e Yngwie Malmsteen, que legitimaram as capacidades do guitarrista português. Este reconhecimento foi também assinalado em 1991, quando os leitores da conceituada Guitar World Magazine elegeram Nuno Bettencourt como “Best New Talent” e mais tarde, no mesmo ano, “Most Valuable Player”.
“Pornograffitti” é tido como um disco conceptual. Em relação ao conteúdo lírico do LP, esse ficou a cargo do vocalista Gary Cherone. O álbum, que tem como título completo “Extreme II: Pornograffitti (A Funked Up Fairytale), aborda a forma como o sexo, o dinheiro e os excessos são vistos, explorados e trivializados na cultura americana.
Após vários meses a trabalhar em estúdio, o álbum estava concluído e pronto a ser lançado no dia 7 de Agosto de 1990. De forma a promovê-lo, a banda seleccionou as faixas “Decadence Dance” e “Get The Funk Out” como singles, ambas com videoclipes que passavam no programa Headbangers Ball. Ainda assim, esta estratégia não foi suficiente para proporcionar aos Extreme o tão desejado sucesso comercial, isto porque, por volta de Abril de 1991, o álbum ainda só tinha vendido cerca de 300.000 cópias. Era necessário mudar de estratégia, caso contrário este poderia ser mesmo o fim dos Extreme. O plano recaiu então em lançar como single uma balada acústica presente no álbum intitulada “More Than Words”, uma música que Bettencourt e Cherone tinham composto no alpendre da casa do vocalista quando a banda ainda estava a dar os primeiros passos. Naquele período, as power ballads (baladas com recurso a guitarras eléctricas, bateria e produção exagerada) eram muito populares no contexto musical do hair metal. No entanto, esta era uma balada totalmente acústica, algo pouco comum para a época, pois ainda não existia sequer o famoso MTV Unplugged. Sem nada a perder, a banda pressionou a editora para que esta lançasse “More Than Words” como single, justificando que, enquanto estavam em tour pela Europa, era a canção que maior reacção motivava por parte do público. A editora optou por fazer um teste passando a música apenas numa determinada zona dos EUA – ao fim do primeiro dia já estava em número oito na lista de canções pedidas. Com o desenrolar da semana, “More Than Words” foi subindo na lista e quando chegou ao fim-de-semana já estava no primeiro lugar. Rapidamente, a banda gravou o famoso videoclipe para passar na MTV. A ideia era fazer algo bastante simples, sem grandes artifícios, exactamente com o objectivo de captar a espontaneidade da música – daí a estética a preto e branco e apenas Nuno Bettencourt e Gary Cherone sentados a tocar e a cantar.
Quando “More Than Words” chegou ao número um da Billboard, a banda encontrava-se em tour na Europa, algo que provocou um sentimento ambíguo no grupo, pois segundo Nuno Bettencourt: «A parte boa sobre isso foi que chegou ao número um e explodiu. A parte triste sobre isso foi nós termos perdido tudo. Fomo-nos embora. E do nada recebemos chamadas das nossas famílias a dizer que está por toda a MTV e que está a subir nas tabelas. E nós ficámos do género: é a coisa com que sempre sonhámos e nem sequer a estamos a testemunhar.»
Sentimentos à parte, “Pornograffitti” acabou por conseguir a certificação de dupla platina nos EUA por vendas superiores a dois milhões de cópias. Passadas décadas, parece ter resistido bem ao teste do tempo, sendo muitas das vezes considerado um álbum de culto para os amantes de hard rock / hair metal, bem como para jovens guitarristas que descobrem em Nuno Bettencourt um dos maiores virtuosos da guitarra eléctrica.

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