Discharge: os punks revolucionários que mudaram o metal para sempre
Artigos 20 de Junho, 2020 Metal Hammer

Metallica, Sepultura, Napalm Death – têm todos uma enorme dívida para com os punks dos anos 1980 Discharge e o seu álbum revolucionário “Hear Nothing See Nothing Say Nothing”.

Em 1982, todos pensavam que o punk estava morto. Após a explosão de ’77, o género estagnou e as bandas foram consideradas irrelevantes. Mas no underground profundo, o cadáver contorcia-se e, do punk apodrecido e lamacento, surgiu uma banda que inspirou a geração seguinte de metaleiros e de punk rockers a fazerem um novo tipo de barulho. Foi assim que o álbum de estreia dos Discharge, “Hear Nothing See Nothing Say Nothing”, aumentou a parada.
Formados em 1977, em Stoke-on-Trent, não havia sinal de que os Discharge causariam impacto considerável na música pesada. Como afirma o guitarrista fundador Tony ‘Bones’ Roberts, «apenas se ouvia The Clash e Sex Pistols e tentava-se ir por aí».
Depois de uma série de EPs e singles rudimentares, e inúmeras mudanças de formação nos primeiros anos, encontraram um lugar na cena anarco-punk do início dos anos 1980 – um refúgio pequeno, mas dedicado, para indivíduos que se recusavam a desistir da ética do punk.
«Era um estilo de vida diferente, emocionante», diz o então baterista Garry Maloney, que ingressou na banda um ano antes do lançamento de “Hear Nothing…”. «Pessoas que pensam de forma parecida a encontrarem-se e a irem a concertos. Foi brilhante. Desde o meu primeiro concerto, a ver The Damned no Barbarella’s em Birmingham, até a alguns anos depois a assistir ao soundcheck de Black Flag sentado na minha mala, adorei tudo.»
Os Discharge continuaram a evoluir, reforçando o som e a cortar gorduras. Quando entraram em estúdio para gravar a estreia, estavam armados com um conjunto de músicas que mudariam os critérios do extremo. «Acertámos mesmo em qualquer coisa naquela altura», diz Bones. «Passámos de soar a uma banda punk normal para soar a outra coisa. Contudo, era tudo natural. Nunca tentámos soar de uma certa maneira, apenas começámos a compor sons sobre como nos sentíamos, e sentíamo-nos como esse disco soou.»
O som sobre como os Discharge se sentiam era alarmante, mesmo para amantes de música extrema. As músicas eram curtas, desumanamente altas, cheias de imagens violentas e brutais de guerra e devastação humana, e, crucialmente, impulsionadas pelo agora infame padrão de bateria d-beat. «Bem, isso não era muito a minha cena», minimiza Garry, creditando ao membro original (e actual guitarrista) Terence ‘Tezz’ Roberts o início do estilo. «Mas fiz questão de tocar o que me pareceu certo. Era um pouco diferente dos singles originais, o que foi intencional, acho eu.»
«Essa batida muda a maneira como se toca», acrescenta Bones. «Não podes deixar de ficar empolgado com esse som. Essa seria a base do que começámos, e faz com que tudo pareça muito mais urgente, e eu, definitivamente, reagi a isso.»
Outro elemento-chave de “Hear Nothing…” é a temática: o nojo pela Inglaterra de Thatcher, a paranoia da ameaça de guerra nuclear e as tendências autodestrutivas da humanidade – tudo destilado numa série de slogans brutalmente directos. A faixa-título repete as linhas: “Lied to, threatened, cheated and deceived / Hear nothing see nothing say nothing / Led up garden paths and into blind alleys / Hear nothing see nothing say nothing.”
«Percebi o quanto fui influenciado pelo que chamo de ‘The Discharge haiku’», diz Steve Von Till, vocalista de Neurosis e super-fã de Discharge. «É como um estilo estranho de poesia – aquelas breves imagens de guerra e trapaça política. Ao contrário das primeiras gravações, a maioria das músicas tinham quatro linhas no máximo, mas dizem tanto. Torna-se épico, e podes aplicá-las ao teu próprio tempo.»
Como Steve ressalva, infelizmente, a temática do álbum é mais relevante do que nunca. «Era uma merda naquela altura e estávamos todos passados com isso», rosna Bones. «Agora é ainda pior.»
«A ameaça de guerra e das leis governamentais ainda existe», acrescenta Garry. «São ameaças que nos mantêm a todos nós na linha.»
Como primeira contratação da Clay, editora de Stoke-On-Trent que funcionava numa loja de discos local, a banda não pôde passar muito tempo em estúdio – em vez disso, segundo Bones, «é sacar a cena de uma só vez, como sempre fizemos». Independentemente, os resultados foram surpreendentes. Em cerca de 25 minutos, os Discharge mastigaram GBH, Motörhead, Venom e a sua própria marca de niilismo e cuspiram tudo de volta na cara do mundo. “Hear Nothing…” seria um momento divisor – numa época em que o punk e o metal eram inimigos mortais, eles confundiram completamente as linhas.
«Na altura, eu gostava de metal», diz Steve Von Till. «Isto foi antes de descobrir o punk. Mas quando os punks começaram a dizer-nos, aos gajos do metal, que devíamos ouvir esse álbum, ficámos intrigados.»
A própria banda não tinha ideia do que tinha alcançado. «Não foi planeado», diz Garry. «Apenas achei que era altamente, foi sempre a rasgar e parti para o meu próprio pequeno mundo. Apenas evoluiu a partir da música que ouvíamos e das nossas raízes punk.»
Inicialmente, o álbum foi recebido com confusão e alguma hostilidade. Tudo mudou quando a banda foi adoptada pelo maior criador de gostos do Reino Unido. «Não estou certo de que, ao princípio, toda a gente tenha entendido, porque não sabiam se éramos punk ou metal», diz Bones. «Nunca me importei com nada disso. Mas depois o John Peel passou-nos na Radio 1 e, tipo, uau! Foi uma verdadeira honra. As coisas mudaram a partir daí. Ia ao bar e as pessoas diziam que nos tinham ouvido na rádio. Tivemos um impulso a sério por causa disso.»
A reputação do disco começou a crescer, com punk rockers e metaleiros intrigados com esta infame nova banda. «Vi a capa e parecia tão estranha que pensei: ‘Tenho de experimentar’»“, diz Steve. «Cheguei a casa e, no instante em que a agulha caiu, senti que era o som que andava à procura durante toda a minha vida. Isto abriu-me a mente e mudou a minha vida. Tinha as guitarras que eu queria e aquele baixo era esmagador.»
As influências no thrash e no crossover foram meteóricas, e, em poucos anos, o d-beat tornou-se conhecido como um subgénero, pois centenas de bandas de todo o mundo tentaram (e falharam) recriar o som icónico. Muitos até adoptaram o prefixo ‘Dis’ nos seus nomes – o plágio nunca fora tão desavergonhado. «Boa sorte para eles», diz Garry.
«Não posso dizer nada sobre nenhuma dessas bandas», bufa Bones. «Não ouço música… Nunca ouvi. Se o fizer, sou influenciado por isso. Quero soar a mim e ao que está a acontecer na minha cabeça. Mas é bom que as pessoas tenham sido influenciadas por nós. Há alguns anos, tocámos no The Underworld, em Londres, e os Metallica vieram ver-nos antes de tocarem no O2. Foi porreiro.»
As melhores bandas foram aquelas que adoptaram o espírito de Discharge e o levaram adiante. «O mais interessante para mim é quando as pessoas tentam encontrar a sua própria voz original de intensidade», diz Steve. «Posso dizer que não haveria Neurosis sem Discharge. Influenciaram-nos por causa dos berros de angústia, gritos de guerra, gritos sobre para onde a humanidade está a ir – eram perfeitos para isso. Portanto, se queremos contemplar a natureza existencial da humanidade para encontrar a sua luta entre a natureza, como podemos soar assim? Como podemos incorporar esses temas? É assim que espero que eles influenciem as pessoas, em vez de se copiar um estilo.»
As músicas de “Hear Nothing…” tiveram covers feitas por toda a gente, desde Metallica a Sepultura, a Machine Head e a Anthrax, e não há dúvida de que o seu legado está cravado em pedra. «Ainda sorrio quando vejo o artwork», diz Garry. «Foi um momento em que todos os planetas se alinharam. Cada faixa é um estrondo.»
«Não consigo ouvir alguns dos nossos discos», conta-nos Bones. «Este não. Tem ali qualquer coisa, não é? Uma magia que não dá para explicar… é intemporal.»
“Protest And Survive – The Anthology” está disponível AQUI.
Consultar artigo original em inglês.

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