Avenged Sevenfold “Nightmare”: o ressuscitar depois do pesadelo
Artigos 27 de Julho, 2020 Rodrigo Baptista
Corria o Verão de 2009, os Avenged Sevenfold terminavam no festival Sonisphere em Knebworth uma extensa tour, que também tinha passado por Portugal pelo festival Super Bock Super Rock 2008, e que promovia o álbum homónimo editado no ano anterior. Mal eles sabiam que esse concerto iria ficar marcado na história da banda pelas piores razões, pois seria o último com o seu baterista de longa data Jimmy “The Rev” Sullivan.
The Rev não era um músico qualquer. Para muitos representava a alma da banda e a força motora por detrás de todas as composições. Para além de ter sido um exímio baterista, reconhecido por exemplo pela sua técnica de double ride caracterizada pela velocidade com que dobrava o tempo nos pratos ride e no pedal duplo utilizada na faixa “Almost Easy” do álbum homónimo, The Rev era também multi-instrumentista, tocava igualmente piano em músicas como “Seize The Day” do terceiro registo de estúdio “City of Evil” (2005) e desempenhava vocais em faixas como “Critical Acclaim” ou “Afterlife”. Em termos composicionais e líricos foi talvez o elemento mais prolífero da banda, tendo sido o cérebro por detrás de autênticas epopeias musicais como a narrativa macabra de “A Little Piece Of Heaven” (2008) ou a dramática “Save Me” já do álbum póstumo “Nightmare” (2010).
Em Novembro de 2009, a banda entrava em estúdio para começar a trabalhar no novo álbum. The Rev, como sempre fez com os discos anteriores, trouxe várias ideias para aquele que viria a ser, segundo a banda, o seu registo «mais pessoal e épico». Ao todo contribuiu na composição de cinco faixas para o álbum “Nightmare” – foram elas “Welcome To The Family”, “Natural Born Killer”, “Tonight The World Dies”, “Fiction” e “Save Me”. Em Dezembro de 2009, quando se encontravam a gravar as demos para o novo álbum, surge a noticia de que The Rev tinha falecido no dia 28 de Dezembro, aos 28 anos, fruto de uma overdose provocada pela ingestão e combinação de diferentes fármacos. Apesar de ser conhecido no meio musical pela sua vida ligada aos excessos, tendo frequentado por várias vezes clínicas de reabilitação, nada fazia prever este desfecho, que levou a banda a ponderar a sua dissolução. No entanto, após reconsiderarem com a família do malogrado baterista, chegaram à conclusão de que a melhor homenagem que lhe podiam fazer seria continuar com a banda e editar este álbum com as suas últimas contribuições musicais.
Após alguns meses de luto, o grupo voltaria a estúdio para terminar as gravações do álbum, desta vez com Mike Portnoy (ex-Dream Theater) na bateria e uma das principias referências de The Rev, que se ofereceu de forma amigável para ajudar a banda a atravessar este período conturbado. Quando questionado sobre esta experiência, Portnoy referiu: «Mesmo em circunstâncias normais, estaria feliz por poder ajudar os rapazes de qualquer maneira possível, pois acho que os Avenged Sevenfold são uma excelente banda. Mas sob estas incrivelmente tristes e trágicas circunstâncias, tenho a dizer que me sinto extremamente honrado por ter sido convidado para tocar com eles e nem tive que pensar duas vezes em dizer que sim…» Como The Rev já tinha delineado as suas partes de bateria nas demos, o trabalho de Portnoy ficou facilitado, tendo referido durante o processo de gravação: «Estou a manter-me o mais fiel possível às partes de bateria que ele compôs para as canções e para o álbum que pretendia fazer.»
Terminadas as gravações em Abril de 2010, começaram a formalizar a ideia de que o disco tinha uma aura conceptual negra e carregada, influenciada pelos acontecimentos do ano anterior. Segundo uma entrevista que o baixista Johnny Christ deu à Ultimate Guitar: «Durante o processo, as músicas que surgiam já eram musicalmente sombrias tal como nós as tínhamos pensado. Depois, liricamente, as coisas deram uma volta quando o Jimmy faleceu. As letras passaram a estar quase na sua totalidade relacionadas com a sua morte e a sua vida.»
Editado no dia 27 de Julho de 2010 pela Warner Bros. Records, “Nightmare” conseguiu atingir o lugar cimeiro da US Billboard 200 e vendeu mais de meio milhão de cópias só nos EUA, feito que lhes permitiu receber a certificação de disco de ouro. Ao todo, o álbum gerou quatro singles. A faixa-título retrata, do ponto de vista lírico, a perturbação mental de um individuo que não se consegue livrar dos seus próprios demónios. Esteticamente, apresenta uma atmosfera sombria captada na sua essência pela melodia sinistra dos sinos e das cordas que introduzem a composição. O segundo single, “Welcome To The Family”, apresenta uma textura groovística a puxar mais para uns Pantera, uma das principais influências da banda.
Em “Buried Alive”, o destaque vai para Synyster Gates (aka Syn), o guitarrista solo, que se enaltece numa introdução melódica dedilhada carregada de melancolia e que vai desaguar numa secção harmónica de twin guitars, juntado-se a guitarra ritmo de Zacky Vengeance, tão característica da sonoridade dos Avenged Sevenfold. “So Far Away” é talvez o tema mais emotivo do álbum – composta por Syn, apresenta-se como uma carta de despedida e de saudade repleta de emoção, não só nas palavras mas também nos solos que retratam de forma sinestésica a dor sentida quando se perde alguém tão próximo como era The Rev.
No entanto, é “Fiction”, que não teve as honras de single, que se destaca das demais. Esta foi a última música composta por The Rev. Para além de ter sido escrita na sua totalidade pelo baterista, este partilha também os vocais principais com M. Shadows. Numa entrevista à Hard Drive Radio, Shadows e Syn revelaram: «A coisa mais assustadora disto tudo é que existe uma canção no álbum intitulada “Fiction” (um nickname que o The Rev atribuiu a si próprio), que surgiu primeiro com o título “Death”. E foi a última canção que o The Rev compôs para o álbum, e quando a entregou, disse: ‘Já está, esta é a última canção para este álbum.’ E três dias depois faleceu.»
A fechar o álbum encontramos a épica “Save Me”. Composta por M. Shadows e The Rev, apresenta-se como uma viagem hipnotizante ao longo de 11 minutos. Esta é talvez a composição mais heterogénea e exigente de todo o álbum. Com um carácter progressivo, a peça expõe uma mixórdia sonora que demonstra mais uma vez a genialidade de The Rev enquanto compositor, desde a sua introdução à Korn. que vai confluir numa linha melódica com uma estética gótica, passando por orquestrações de cordofones, harmonias corais e alternâncias rítmicas.
Quando questionado em 2010 pela Metal Hammer UK se “Nightmare” representava o álbum definitivo na carreira dos Avenged Sevenfold, Synyster Gates respondeu: «Parece mesmo ser o nosso momento e também parece ser o momento do Jimmy e tem mesmo que ser, é o seu último pedaço de trabalho e vai ser o último álbum que representa realmente os Avenged Sevenfold, portanto tem de ser o melhor álbum e eu sei que vai ser, já o é entre nós, e entre as nossas famílias – vai estar sempre bastante próximo dos nossos corações.»
“Nightmare” tem-se revelado como o álbum que melhor transmite a identidade e sonoridade dos Avenged Sevenfold, representando também por isso um fim de ciclo. Entretanto, a banda já lançou mais dois álbuns: “Hail To The King” (2013), com uma sonoridade mais virada para o heavy metal tradicional, e “The Stage” (2016), um álbum conceptual com uma estética mais progressiva. Mas nenhum dos dois conseguiu transmitir a descarga emocional presente em “Nightmare”. É que The Rev representava uma espécie de amuleto para a banda, um pouco à semelhança do que Cliff Burton representava nos Metallica, e quando uma banda perde uma peça tão importante, que não só oferece coesão mas também rejuvenescimento à música, torna-se bastante difícil, ou impossível, recuperar a chama que em tempos parecia inesgotável.

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