Há não muito tempo, ir aos concertos e comprar o merchandise era a forma mais forte de apoiar um artista. Não só estávamos a...

Há não muito tempo, ir aos concertos e comprar o merchandise era a forma mais forte de apoiar um artista. Não só estávamos a passar a mensagem aos promotores de que mais uma pessoa estava tão interessada no artista, que até se deu ao trabalho de tirar o cú do sofá e viajar até ao local do concerto para passar um bom bocado, como também engrossávamos as fileiras do pit e dávamos aos músicos a satisfação de sentir que as suas composições haviam estabelecido ligações. E tínhamos ainda a oportunidade de comprar directamente itens como CDs, discos de vinil, shirts, patches, etc..

Este modelo funcionou bastante bem durante uma série de anos, mas nas últimas décadas temos vindo a assistir a um deteriorar de toda a máquina da música ao vivo, pelo menos no que toca aos bolsos dos tocadores.

Hoje em dia é mais caro comprar o material no concerto do que numa loja. Se antigamente tínhamos artefactos exclusivos, preços mais apelativos ou mesmo aquela sensação de ir para casa a saber que se contribuiu para sustentar o estilo de vida de um artista que nos tocou, agora temos acordos 360 que incluem as receitas do material vendido nos concertos, bem como as da venda dos bilhetes, promoção, entre outras. Em muitas situações os valores de venda são ditados pelas editoras, e os itens são feitos em massa, iguais aos que podemos comprar em qualquer loja da especialidade ou encomendar facilmente pela Internet.

E quem é que ainda compra CDs? O formato está em declínio e basta ir a uma qualquer loja de electrodomésticos para ver que as opções para tocar este tipo de media são extremamente limitadas. Quando é que foi a última vez que entrámos numa loja especializada em áudio-vídeo? Mais um negócio em via de extinção, pelo menos como showroom de equipamentos das marcas mais badaladas – que agora apostam muito mais no vinil do que no CD. Vai ser um grande problema, quando os leitores de CD começarem a avariar e a não poderem ser substituídos… Inúmeras colecções condenadas ao pó (ou à venda no OLX por 1 euro cada CD)!

O próprio formato do álbum está sob ataque fortíssimo pela forma de eleição para consumo de música nos dias que correm: os serviços de streaming. A capacidade de atenção da população tem vindo a diminuir e encontra-se hoje em cerca de cinco segundos! Composições que se queiram candidatar a serem sucessos internacionais têm de entrar com um hook musical ou uma melodia vocal significativa nos primeiros segundos, ou estão condenadas a serem saltadas para o próximo item da playlist do dia. Se aliarmos esta ideia à facilidade de saltar músicas e de ziguezaguear por entre álbuns e colectâneas, então a destruição da popularidade do álbum como conjunto coeso de missivas alinhadas torna-se um conceito mais fácil de entender. Segundo um estudo do serviço de streaming Deezer, 15% dos inquiridos nunca ouviram um álbum do início ao fim, enquanto 27% dizem que ouvi-los de lés-a-lés é a melhor forma de o fazer. Surpreendentemente, 42% apenas consome música através de playlists curadas por serviços, grupos ou celebridades… Número que tem vindo a aumentar com o passar dos anos e que reforça a ideia de que os formatos físicos estão em perigo.

Streaming parece ser a solução para todos os problemas da indústria da música… Tem vindo a crescer e todos os dados deixam a nu a verdade crua e dura que o futuro é digital e on-demand. Mas como é que estes serviços fazem dinheiro? A resposta é: não fazem. Nenhum dos principais serviços de streaming apresentou lucros nos últimos anos, e os próprios artistas queixam-se de receberem quantias miseráveis.

Os dados obtidos no primeiro semestre de 2019 mostram que Napster era quem pagava mais, com 1,68 cêntimos do dólar por cada tocadela, seguido de perto por Tidal, com 1,25. Numa segunda categoria temos Amazon e Apple, que pagam, respectivamente, 0,74 e 0,735. O líder de mercado Spotify posiciona-se em quinto lugar com 0,437 por stream individual e a poderosa Google figura nas últimas posições com uns paupérrimos 0,074 e 0,0676 cêntimos para Google Play Music e YouTube, o que nos faz questionar a viabilidade deste modelo de negócio. Nem mesmo a recente disponibilização dos formatos de alta resolução – que o velhinho Neil Young já tinha, em 2017, tentado trazer para a ribalta com o seu falhado Pono – trouxe maior remuneração aos artistas, apenas aos serviços e as editoras.

Ainda noutro dia um amigo me dizia que com a sua editora independente eram precisos 5000 streams para receberem o mesmo dinheiro do que com a venda de uma shirt

Recentemente, Patrick Carney dos The Black Keys revelou que os pacotes de bilhetes, álbum, shirt que nos são empurrados pela goela, como alimentação forçada, para conseguir acesso antecipado aos tais bilhetes para os eventos ao vivo, requerem que os artistas paguem à editora cinco dólares por cada um dos bilhetes vendidos, e os álbuns incluídos nesses pacotes sob a forma de download digital nem sequer contam para as estatísticas de venda, a não ser que os compradores realmente carregassem no botão de download. Como em média apenas 50% das vendas efectivam o download, a banda estaria na realidade a pagar 10 dólares por cada álbum para a estatística de vendas: «É a única forma de ter um álbum que chegue ao número 1», afirmaram os responsáveis da editora.

Os adiantamentos que as editoras colocam à disposição das bandas também tem vindo a diminuir com o passar dos anos, e o fosso entre os fundos que são entregues às bandas de topo e às outras, como seria de esperar, também aumentou de forma exacerbada – um pouco a espelhar a implacável e crescente desigualdade que experienciamos em praticamente todos os aspectos da sociedade.

É necessário repensar tudo isto e abraçar novas formas de financiamento de toda a actividade musical. A ideia romântica que ir aos concertos e comprar uma shirt é suficiente para apoiar o artista está com os pés para a cova, moribunda! Hoje em dia, no mercado português, o músico profissional geralmente é forçado a figurar numa banda de covers ou de baile para suster um fluxo mínimo de dinheiro que lhe permita enfrentar as despesas mensais – um projecto de autor ou de assinatura acaba por ser uma actividade paralela, complementar ou de lazer, dada a incerteza de remuneração.

Como é que as bandas que estão a começar fazem então para conseguir sobreviver e suportar os custos necessários para crescer e expandir? Não há uma bala de prata, e muito menos uma resposta simples… Na antiguidade, o artista estava sempre associado a um outro individuo que, como seu benfeitor, o sustentava, desfrutando dos frutos do seu trabalho. Hoje, este tipo de relação não é aceitável e desejável, uma vez que coloca o artista numa posição desprotegida. Torna-se então imperativo distribuir pelos fãs, talvez por grupos especializados ou mesmo pela sociedade, a responsabilidade de financiar estes projectos e permitir que pessoas individuais se possam dedicar exclusivamente à arte.

Como é que eu faço então para apoiar os artistas de quem eu gosto? Nunca foi tão importante como agora escolher onde usar o dinheiro – as cenas locais dependem integralmente disso. A melhor forma é ir aos concertos, entrar em contacto com os artistas directamente, através das redes sociais, e financiando a sua actividade e produção, desde crowd-funding, clubes de fãs, patreon, entre outros, privilegiando sempre os produtos próprios ao invés dos pacotes e produtos incluídos nos acordos 360.