O dia em que Syd Barrett apareceu nos Abbey Road Studios e os Pink Floyd não o reconheceram.
Foto: Aubrey Powell

Lançado a 12 de Setembro de 1975, “Wish You Were Here” tinha um peso muito contundente em ombros: suceder ao sucesso que fora “The Darkside of the Moon” (1973).

Os Pink Floyd estavam em altas, tanto ao nível comercial (“The Darkside…” chegou ao nº 1 da US Billboard 200) como criativo, por isso “Wish You Were Here” só tinha de continuar a concretizar o bom momento – e fê-lo, repetindo o feito na tabela da Billboard.

Sendo um álbum um pouco mais atmosférico e pessoal do que o anterior, “Wish You Were Here” possuía duas faces numa só expressão: se por um lado criticava a indústria musical (com faixas como “Welcome to the Machine” e “Have A Cigar”), por outro debruçava-se sobre camaradagem, sentimentos nostálgicos, compaixão e idealismo.

Sendo o muito popular tema-título um bom exemplo dos últimos pontos referidos no parágrafo anterior, é a empreitada “Shine On You Crazy Diamond” que mais profundamente disserta sobre relacionamentos – é que este tema, dividido em nove partes que perfazem uns bons cerca de 25 minutos, foi pensado e dedicado a Syd Barrett, primeiro vocalista dos Pink Floyd entre 1965-1968.

Nos seus últimos meses na banda, Syd passou de uma pessoa alegre, amigável e extrovertida para alguém errático, deprimido e socialmente afastado, resultado do uso de drogas psicadélicas e do aumento de problemas mentais. Desta forma, o britânico já não iria viver os anos dourados da banda que ajudou a fundar, ficando, ainda assim, sempre no coração dos antigos companheiros.

Por mais que o tema-título seja a alma comercial do álbum, “Shine On You Crazy Diamond” é o elemento grandioso, uma ode ao rock progressivo e a um amigo.

«Remember when you were young, you shone like the sun
Shine on you crazy diamond
Now there’s a look in your eyes, like black holes in the sky
Shine on you crazy diamond
You were caught on the crossfire of childhood and stardom
Blown on the steel breeze
Come on you target for faraway laughter
Come on you stranger, you legend, you martyr, and shine»

Praticamente desaparecido, Waters, Gilmour, Mason e Wright foram agraciados pela visita de um estranho precisamente no dia em que estavam a trabalhar em “Shine On You Crazy Diamond” nos famosos Abbey Road Studios.

Tendo aparecido sem aviso, aquela pessoa apresentava-se obesa, de cabeça rapada e sem sobrancelhas. Ninguém sabia quem era, talvez alguém da EMI… Era Syd Barrett. Quando a banda finalmente reconheceu o inicialmente irreconhecível, conta-se que Roger Waters ficou lavado em lágrimas ao perceber o ponto a que o amigo tinha chegado. Andando pelo estúdio sem rumo e a limpar os dentes aqui e acolá, Syd ainda ficou para o casamento de David Gilmour com a primeira esposa, Ginger, no dia seguinte, mas relata-se que saiu sem qualquer despedida. Quanto à música que lhe fora dedicada, a opinião era simples e crua: «Um bocado antiquada.»

Sobre este episódio que tanto marcou um momento específico na existência da banda e na construção de um álbum, Richard Wright comentou: «O Roger [Waters] estava lá, sentado à mesa, e eu entrei e vi um gajo sentado atrás dele – um gajo enorme, careca, gordo. Pensei: ‘Parece um pouco… estranho…’ De qualquer forma, sentei-me com o Roger e trabalhámos durante cerca de dez minutos, e aquele gajo levantava-se, escovava os dentes e depois sentava-se – fazia coisas muito estranhas, mas mantinha-se calado. Eu disse ao Roger: ‘Quem é ele?’ E o Roger disse: ‘Não sei.’ E eu disse: ‘Bem, presumi que fosse um amigo teu.’ E ele disse: ‘Não, não sei quem é.’ De qualquer forma, levou um bocado e, de repente, percebi que era o Syd, talvez 45 minutos depois. Apareceu enquanto estávamos a fazer as vozes de “Shine On You Crazy Diamond”, que era basicamente sobre o Syd. Só por alguma razão incrível é que ele escolheu o dia em que estávamos a fazer uma música que era sobre ele. Não o víamos há dois anos. Isso é que é tão incrivelmente… estranho sobre este gajo. E um pouco perturbador também, quero dizer, principalmente quando vês um gajo que não consegues, não conseguias, reconhecer. E depois, escolher o dia exacto em que queremos começar a pôr vozes numa música sobre ele… Muito estranho.»

Para além de Roger Waters se ter cruzado com Syd Barrett uns anos depois nos armazéns Harrods (Syd terá fugido de Roger), a banda nunca mais meteu os olhos em cima deste conturbado e exótico ser humano.

Com o filme “The Wall” (1982), resultado do álbum conceptual com o mesmo título de 1979, os Pink Floyd fariam ainda mais uma alusão a Syd Barrett quando a personagem principal, Pink (papel interpretado por Bob Geldof), rapa o cabelo e as sobrancelhas após um colapso mental – uma imagem artística do que viram no Abbey Road Studios em 1975.

Com dois álbuns com Pink Floyd e outros dois a solo, Syd Barrett entrou no anonimato completo a partir de 1972. Assim, uma curta e atribulada carreira valeu-lhe pouco reconhecimento geral, mas nunca foi olvidado pelos antigos companheiros ou pelos fãs mais dedicados. Morreu em 2006 com 60 anos.