Reign in Pain: como os Slayer conquistaram a Grã-Bretanha
Artigos 9 de Agosto, 2020 Metal Hammer
Os Slayer começaram a atrair o tipo errado de reputação no Reino Unido no final dos anos 80. Então, quando regressaram para a sua primeira digressão a sério pelo Reino Unido, certificaram-se de que nunca o esqueceríamos.

(Texto: Dave Ling)
Antes de regressarmos à primeira digressão a sério dos Slayer pelo Reino Unido, devemos considerar o pano de fundo da sua visita. Em 1987, o thrash mal tinha saído da sua infância. O ‘Big 4’ já tinha sido coroado, mas Metallica, Anthrax e Megadeth não tinham lançado mais de três álbuns cada, e, embora cada banda já tenha andado pelo Reino Unido, a recompensa comercial ainda estava no futuro. Para os comuns fãs de rock, a decisão manteve-se duvidosa sobre um estilo de música que os opositores consideravam ser efémero – ou apenas não-musical.
Mas parecia haver algo diferente em Slayer. Eram um pouco mais arrojados do que os seus rivais e um pouco menos caricaturais. Eram realmente adoradores do demónio? Ninguém sabia ao certo, e poucos se atreveram a perguntar.
Embora o terceiro longa-duração dos californianos, “Reign In Blood”, produzido por Rick Rubin, tenha sido a sua declaração mais completa até àquele momento, os distribuidores da Def Jam Records (mais tarde Def American) recusaram-se a lançá-lo, pois a faixa de abertura, “Angel of Death”, era inspirada no carniceiro Josef Mengele, do campo de concentração de Auschwitz. A atitude dos Slayer foi simples: “Reign In Blood” é arte… Se não o querem lançar, perda vossa. Encontraram outro distribuidor. A controvérsia apenas aumentou um crescente sentido de notoriedade, e pouco se pensou nas pessoas que os classificavam como nazis. «Se tens medo de palavras, então és um idiota», argumentou o guitarrista Kerry King.
Os Slayer tinham tocado no Reino Unido apenas uma vez para promover “Hell Awaits” – um concerto esgotado no Marquee Club de Londres com metaleiros, punks e vários párias que cuspiram neles enquanto actuavam. Os críticos também o fizeram, embora apenas na imprensa. No Verão de 1985, os Slayer eram considerados uma piada.
Os 28 minutos e 58 segundos de ferocidade desenfreada conhecida como “Reign In Blood” mudaram tudo e, em ’87, no fim-de-semana da Páscoa – que momento perfeito! – voltaram à Grã-Bretanha para alguns concertos como parte da digressão europeia Reign In Pain. Para a maioria de nós, foi a primeira hipótese de vivermos os Slayer em carne rastejante e em decomposição.
A Hammer foi convidada a passar alguns dias na estrada com a banda. Na primeira viagem, o quarteto teve que conduzir pelo Reino Unido. Embora as suas fortunas já estivessem em ascensão, não havia o luxuoso autocarro Nightliner, apenas uma carrinha simples equipada com bancos para acomodar os rapazes e um tour manager, Rick Sales. Além do fotógrafo Tony Mottram, havia um passageiro adicional. E a sua presença era controversa.
Dave Lombardo era a arma não muito secreta de Slayer. A sua bateria poderosa e versátil era a pedra angular do som da banda. No entanto, nos estágios iniciais da etapa norte-americana da digressão Reign In Pain, ele tinha desistido e sido substituído por Tony ‘TJ’ Scaglione, dos Whiplash. Quando as coisas não funcionaram como se esperava, foi pedido a Dave – provavelmente implorado – que reconsiderasse a sua decisão. A resposta foi provisório ‘sim’, mas houve ressalvas. Em flagrante violação de uma das principais regras de uma banda de rock em digressão no final dos anos 80, Dave queria que a sua esposa, Teresa, o acompanhasse enquanto ele trabalhava. E, sem dinheiro, Dave exigiu que a renda e as contas fossem pagas. Relutantemente, especialmente no primeiro ponto, os Slayer cederam.
Na digressão, as coisas pareciam um pouco tensas. Dave e Teresa iam sentados na parte de trás do autocarro, a conversar em voz baixa e a olhar para os outros. Outra parte do acordo que desencadeou o seu regresso passava por os Lombardos receberem o seu próprio camarim sempre que possível.
Mesmo tenham amolecido um pouco com o passar dos anos, os Slayer nunca foram uma banda que recebesse graciosamente forasteiros no seu meio, e embora se possa imaginar que aceitavam a publicidade de ter a Hammer a bordo, pareciam um pouco distantes. Quando perguntei a Kerry por que é que Dave estava de volta (o que, dada a sua proximidade, agora parece insensível), ele rosnou: «Porque ele queria tocar.»
Então, o que aconteceu com TJ Scaglione? «Simplesmente não funcionou. É um óptimo baterista, mas o Dave é família.»
E, desta vez, estava Dave de volta aos Slayer para sempre? «Não tenho a certeza», esquivou-se. «Vamos ter que ver.»
O baixista/vocalista Tom Araya ia no banco da frente, a mexer no seu recente brinquedo, uma câmara de vídeo, e à medida que os quilómetros em direção a Manchester iam encurtando, a carrinha rockava ao som de “Electric” dos The Cult. Cópias da Hammer circulavam e eram lidas num silêncio amigável, até que Kerry chegou às críticas aos concertos e quebrou a paz com um rugido de «MEGADETH NÃO PRESTA!» ao descobrir uma crítica sobre Mustaine & Cia. no Hammersmith Odeon de Londres. Dois anos antes, Kerry tinha-se juntado aos Megadeth, mas durou apenas cinco concertos antes de regressar aos Slayer. A mudança inspiraria uma das muitas rixas a envolver o guitarrista sem papas na língua.
Embora o concerto no Apollo estivesse longe de esgotar, a carrinha foi recebida em Manchester por um mar de fãs à procura de autógrafos. O soundcheck revelou as raízes metal à moda antiga de Slayer através de versões periclitantes de “Symptom of the Universe” dos Black Sabbath, “The Zoo” dos Scorpions e os clássicos de Judas Priest, “Victim of Changes”, “Heading Out to the Highway” e “Breaking the Law”. Mas o mais interessante é que Dave permaneceu num camarim privado com a esposa, enquanto Kerry e o colega guitarrista Jeff Hanneman tocavam bateria.
A actuação à noite, que surpreendentemente contou com a maioria, mas não toda, de “Reign In Blood” (“Piece By Piece” é a única omissão), ficou entre os melhores concertos de metal já testemunhados por este redactor. Kerry e Jeff, que se mantiveram em sigilo durante a viagem, esfolaram a pele com o seus cintilantes leads de guitarra e a contribuição rítmica de Dave foi extraordinária, os seus pés e baquetas causaram a previsão agora bastante absurda: ‘Lars Ulrich tinha de ter cuidado com as próximas sondagens aos leitores.’
No centro de tudo estava Tom. No início do dia, o vocalista parecia falar baixinho e comparativamente calmo, mas no Apollo evoluiu para um personagem sombrio e genuinamente assustador. Ao apresentar “Necrophiliac”, a cara de Tom assumiu um esgar alegre enquanto perguntava ao público de Manchester: «Gostam de f*der mortos?» Houve um rugido enorme. «Tudo bem, eu também gosto de f*der mortos. Sabem do que mais gosto nessas meninas que moram a seis pés de profundidade? Todas as vezes em que as como, ouço as larvas trituradas pelos meus dentes.»
Dado que, mais tarde, Tom confessaria as suas crenças cristãs, tal declaração foi tão chocante como a transformação que aconteceu quando saiu dos bastidores para o centro das atenções. Anos depois, noutra entrevista, disse-me: «Sou um gajo muito descontraído, aquela persona de palco é apenas uma parte de mim. É como um interruptor que liga e desliga.»
Claro, eram os primeiros tempos de Slayer. Com o passar dos anos, Dave ia e vinha, saindo da banda pela última vez em 2013, mas sobreviveram sem ele e sobreviveram a cada moda passageira.
«Por que é que tentaríamos ser como Korn?», riu Kerry quando o entrevistei novamente em 2002. «Por que é que alguém que gosta de metal iria querer tocar aquelas coisas? É uma merda.»
Tragicamente, Jeff Hanneman morreu em 2013, mas os Slayer recrutaram bem ao trazerem Gary Holt, dos Exodus, para se encontrar uma maneira de se continuar sem desonrar o amigo caído.
Poucos fora de círculo restrito do grupo previram a decisão da banda se retirar. Embora a digressão final tenha começado em Maio de 2018, ainda não explicaram totalmente os motivos, recusando todos os pedidos de entrevista. As actuações na digressão foram tão incríveis que ainda dava para continuarem durante mais alguns anos. No entanto, há décadas que Tom tem tido problemas no pescoço como resultado do seu headbanging ao estilo helicóptero, e, numa entrevista recente, Dave comentou: «O Tom quer retirar-se há muito tempo. Portanto, agora que o conseguiu, estou feliz por ele. Espero que consiga o que deseja da vida e do seu futuro.»
Tendo circundado o mundo em seis etapas anteriores, o final, que aconteceu a 30 de Novembro de 2019, no Los Angeles Forum, foi agridoce para a banda e para os fãs. Anteriormente, em Novembro de ’18, após um concerto em Wembley, Tom lutou para deixar o palco antes de soltar um suspiro final de: «Vou ter saudades vossas.»
O concerto final marcou a mais triste das despedidas. Slayer, também vamos ter saudades vossas.
Consultar artigo original em inglês.

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