Protomartyr “Ultimate Success Today”
Reviews 21 de Julho, 2020 Beatriz Fontes
Editora: Domino Records
Data de lançamento: 17.07.2020
Género: post-punk / prog
Nota: 4.5/5
Belo, áspero e viciante, e está cheio de surpresas pouco convencionais.
Se realmente precisarmos de limitar o som de Protomartyr a um único género musical, seria tão honesto como restritivo referir-nos a eles como uma banda de post-punk. “Ultimate Success Today” funciona como uma quinta dimensão do universo de Protomartyr, um novo testemunho de como esta banda surge para nos oferecer um som com uma marca d’água e mais do que um género específico. Numa primeira impressão mostram-nos um som espesso e a cáustico, quer sejam estas características importadas pela rigidez, volume ou velocidade da qualidade mais punk-rock ou por melodias corpulentas de ritmo lento que expõem uma sensação de desconforto na antecipação da loucura. Porque as letras têm uma centralidade própria, com algo de concreto para transmitir, reparamos também que o que aqui temos são poemas formados com valor suficiente para serem apreciados enquanto peças literárias isoladas. Entende-se depois que Protomartyr é uma substância resultante da combinação de vários ramos da arte, cada um deles feito e apresentado com um nível de excelência que lhes permite serem considerados experiências individuais, e há uma estrutura e um plano que tem este resultado em mente. O instrumental pode servir para intensificar o que as letras expressam, tal como é possível colocar o instrumental como o ponto central da nossa atenção e ver que a voz irá aprofundar o seu valor em caso de necessidade, assim como poderemos ver a música como uma banda-sonora que serve os videoclipes e não o inverso, esses que, de tão absurdamente bem dirigidos, podemos pausá-los a qualquer momento e receber uma fotografia. O mesmo podemos dizer das capas dos álbuns – cada uma aparentemente planeada para estarem o mais próximo possível de uma obra de arte que, por acaso, serve de capa de álbum. Há um padrão rigoroso de bom gosto, como se tivessem conseguido encontrar e convidar todos os cérebros artísticos com o talento e a compreensão certa da visão deles para pertencerem de alguma forma a este projecto.
Temos a voz de Joe Casey, a bateria de Alex Leonard, o baixo de Scott Davidson e a guitarra de Greg Ahee, quatro músicos saídos de Detroit. Convidaram para este disco Fred Lonberg-Holm, para assumir o violoncelo, a voz de Nandi Rose, os instrumentos de sopro de Izaak Mills e o saxofone de Jemeel Moondoc. Falando novamente em som e onde podemos ou não encaixá-lo, o que há a dizer é que embora o punk seja um seio coronário, juntam-se também as ossadas pulverizadas do indie rock, art rock, psych rock e jazz, que estão aqui colados quase como meras sugestões. E embora não seja demasiado comum uma banda progressiva assumir estritamente um único género musical sem qualquer interesse em explorar qualquer outro tipo de influência, Protomartyr é uma daquelas bandas cujo som não pode sequer permitir que se encaixe numa única unidade de medida.
Se falarmos em comparações, “Ultimate Success Today” no seu geral carrega menos peso do que os álbuns anteriores, há uma maior necessidade de sensibilidade, uma intenção em desacelerar as coisas enquanto mantêm um batimento cardíaco impaciente, há uma maior simpatia no encontrar de elegância na violência. Vemos uma presença mais relevante e mais frequente do saxofone de jazz, que vem oferecer consolação a um estado estado subjacente de neura. Está ocupado nos detalhe, em que cada instrumento vive de um nível único de força e relevância individual, em que nenhum existe só para preencher espaços em branco, mas para acrescentar algo importante. Em conjunto, há uma coesão compacta, sólida, no diálogo entre eles.
A voz em si faz uso de uma vasta gama de maneirismos que vão do melódico melancólico ao realismo imponente, autoritário e pesado, com uma colocação que está muito perto de se tornar spoken-poetry, onde as palavras precisam de um holofote e têm-no. Tudo isto forma uma estrutura teatral onde há um narrador de histórias e uma música que dá a atmosfera certa à história. A voz e o instrumental constroem uma relação orgânica e de auto-preservação, e, se pensamos em coesão quando ouvimos este disco, é graças a esta co-dependência, criada dentro da assimetria que estabelecem, que existe para servir a narrativa.
Este disco começa com inquietação, com pratos de bateria rígidos mas matemáticos, uma linha de baixo turva a que se junta um murmúrio abatido, quase orquestral de guitarras e sopros, e onde anda a vaguear um saxofone. Apresentam-nos um álbum onde está clara a consciência da turbulência irreparável que está prestes a acontecer, mas desde já somos obrigados a esperar por ela.Nesta faixa, a antecipação acontece sobretudo através da voz, que começa com um tom monocórdico e prostrado, para depois ganhar tensão, cada vez mais perturbada com o que é dito, e cala-se tudo com o último grito contido das palavras «Dull ache turned sharp, Short breath, never caught».
Depois, entra mais cor com a headbanger “Processed By The Boys”. Talvez a perceção de que é uma composição alegre ou divertida venha mais do próprio videoclipe que acompanhou o single do que a impressão emocional de que a música está a transmitir sozinha. O vídeo é cínico, mas bem-humorado, e crítico, mas acaba por subestimar o tópico ou pelo menos reduz a sua importância à brincadeira, enquanto a música está muito mais presa à desaprovação hostil e à tentativa de reconforto pela ideia de que talvez ainda haja ainda alguma esperança. A voz de Joe Casey é impetuosa e perturbadora, e ordena que o instrumental se torne igualmente inquietante e corpulento. Ganham alguma compaixão melódica e dizem-nos que «This time will be gentle enough / This time will be different enough». No que toca a estrutura, em cada música, e de maneiras diferentes, existe uma tentativa de recuperar a postura, onde entre momentos de limpeza carregada há um suspirar de contenção.
Com o ranger industrial de guitarras, levam-nos para “I Am You Now”, introduzida por uma voz enojada e de censura, com a entrada de uma linha de baixo dancy cujas notas as guitarras depois assumem entre quebras de distorção implacável. Já “The Aphorist” tem uma impressão retro e derrotista – novamente, aqui aumenta-se o espetro das habilidades de composição de Protomartyr. Dentro do mesmo esquema, a voz de Nandi Rose em “June 21” acontece num imprevisto mais delicado, suave e translúcido, gelado e vívido, que quando sobreposta com a voz de Casey resulta numa harmonia de urgência e preocupação, e por trás deles há uma orquestra energizada em andamento, em contratempo com os vocais. Fecha-se com uma guitarra mais clean, a deixar soar o reverb sobre o som descontrolado de uma colmeia, não deixando assim que o tom sinistro faça sobrelotar completamente a música, mas garante que sua existência seja sentida.
“Michigan Hamers”, “Tranquilizer” e “Modern Business Hymns” são as faixas que mais apropriada e consistentemente se podem considerar como punk rock, enquanto outras são mais tipicamente nervosas e instigadoras, mas com um bem-estar jovial, onde o baixo, a bateria e a voz grave ganham uma postura ainda mais firme e onde encontramos uma nesga de optimismo que não tínhamos ouvido antes.
“Bridge & Crown” retrai novamente álbum para um canto mais intimista e minimalista, retarda as coisas para um estado de algum desconsolo. Desta vez, há escuridão tanto na música como na letra, e a voz deixa-se estar entre a confiança amarga de Cash e a beleza do desconsolo empático de Nick Cave. Há um traço inicial do country do Man in Black, depois interrompido por riffs eléctricos que fazem a música perder o controlo sobre a sua própria agressividade novamente.
O álbum termina com maior paciência e uma despedida, onde sentimos que somos directamente abordados quando Casey canta as primeiras frases. Diz-nos: «So it’s time to say goodbye, I was never too keen on last words, Hope I said something good». As letras são de advertência. É uma conclusão cristalizada pelo instrumental que atinge a sua capacidade total de impacto, como o grande final de uma tragédia. É o fadeout, o fechar da cortina num final agridoce e inesperado.
É um álbum que nos absorve na sua própria percepção, dum som enfumaçado, carregado de percussão que lhe dá a tensão ou o relaxamento necessário, com petardos de distorção bem polidos, com mais do que um punhado de riffs lindíssimos, é belo e é áspero, é viciante e está cheio de surpresas pouco convencionais. É um álbum singular, de uma banda nascida com o talento puro de quatro músicos singularmente incríveis, e foi essa articulação de grandes talentos que se sepultou neste disco, onde nos deram ainda mais do que achávamos que poderiam ter dado.

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