Perdidos no Arquivo: Leprous
Artigos 12 de Fevereiro, 2020 João Braga

2001: Início da Odisseia (2001-2009)
É em 2001 que se inicia uma das grandes odisseias do mundo da música, com a fundação dos Leprous pelas mãos de Einar Solberg (voz, teclado) e Tor Oddmund Suhrke (guitarra), que se tornariam nos dois grandes rostos de um projecto que evolui a olhos vistos. Apesar da sua fundação, o grupo demorou o seu tempo a produzir conteúdo, tendo lançado duas demos antes do lançamento oficial de estúdio em 2009. Os ideais de um metal progressivo com arte sinfónica à mistura e uma forte componente de percussão são intensificados sobretudo no lançamento do álbum de estreia; no entanto, o ideal foi sendo aperfeiçoado nas demos lançadas em 2004 e 2006, “Silent Waters” e “Aeolia”, respectivamente.
A demo de 2004, ainda a apalpar terreno, demonstra uns Leprous muito instrumentais e uma componente melódica bem vincada nos seu quase 30 minutos de duração. Os fãs mais ecléticos da banda consideram este como um dos lançamentos mais robustos e crus do grupo. “Silent Waters” apresenta três verdadeiros épicos com, sensivelmente, dez minutos cada, com vozes guturais à mistura e uma variedade impressionante numa demo de apresentação. A voz angelical de Einar Solberg vê-se obrigada a tomar vários desvios, sendo um dos trabalhos mais bem-conseguidos do vocalista. “Silent Waters” consegue abranger diversos estilos, desde o metal progressivo ao rock experimental e ao de fusão. Pelo mesmo caminho de criatividade, o lançamento de 2006, “Aeolia”, é muitas vezes visto como o primeiro disco de estúdio, devido à sua duração, sendo mais longo que alguns dos álbuns do quinteto. A segunda demo reúne a sua quota de fãs, sendo uma clara continuação do trabalho realizado em 2004. Apesar disto, não é de todo um lançamento consensual, sobretudo no que toca à sonoridade e à excessiva adição de elementos experimentais em certas faixas.
É apenas em 2009 que sai o tão esperado “Tall Poppy Syndrome”, um álbum que continua o rumo tomado anteriormente, com uma grande abrangência de estilos, vozes guturais e uma criatividade instrumental invejável, elevando ainda mais a fasquia. Ainda antes deste 2009, a gravação ocorre em 2008 e já vários concertos tinham sido feitos, ajudando-os a promover as demos lançadas. Mas é no álbum de estreia que o grupo começa a estar presente em concertos e festivais importantes, servindo como banda de apoio a Ihsahn (Emperor), que é, curiosamente, cunhado de Einar Solberg. A estreia revela uma expansividade surpreendente, tendo sido considerado o opus magnânimo da banda até ao lançamento de “Bilateral” (2011). “Tall Poppy Syndrome” evolui face a antigos lançamentos, sobretudo em termos narrativos, mas manifesta uma clara vontade de se separar de rótulos – para tal dá-se conta do piano quase omnipresente acoplado com as intensas vozes guturais e os trejeitos de sonoridade muito heavy metal. Como álbum conceptual, o todo é o mais importante, apesar de haver temas de destaque, mas o resultado narrativo é muito bom, explorando um fenómeno social que parece ser tão familiar à banda.
A bilateralidade do carvão (2010-2013)
Após uma estreia tão positiva, o grupo mantém uma série de concertos até ao fim de 2011, altura em que assinam com a enorme editora InsideOut Music, prevendo uma subida apoteótica na indústria. O novo contrato previa o lançamento do que viria a ser o seu segundo álbum e uma verdadeira ‘prova dos nove’ para se perceber do que seriam os Leprous capazes. “Bilateral” é lançado e a crítica rende-se por completo a um dos mais inteligentes discos do metal progressivo, comprovando o que anteriormente já havia sido dito. Ihsahn também participa na faixa “Thorn”, num disco que estica ainda mais o horizonte do progressivo, tocando na zona do avant-garde. No entanto, a nova zona não intimida, bem pelo contrário. Existem elementos de experimentalismo que, desta feita, são exponenciados em faixas como “Bilateral”, “Painful Detour” e a própria “Thorn”, com a adição de “Waste of Air” que apresenta um som bastante mais gutural. Contudo, temas como a excelente “Forced Entry”, “Restless”, “Mediocrity Wins” elevam o metal progressivo a novos ares, havendo emotividade em “Mb.Indifferentia”, que se equipara a “Thorn” em termos de sentimento. “Bilateral” é um triunfo que mostra a polivalência de um grupo que confirma, neste disco, o seu valor e que mostra uma inteligência ímpar, sendo um dos pioneiros do metal progressivo moderno.
Mantendo uma periodicidade muito boa no lançamento de originais, de dois em dois anos, “Coal” chega às lojas com uma enorme expectativa. A progressividade da banda é já conhecida, bem como a inclinação para surpreender com sonoridades alternativas e experimentais que nos podem levar até ao rock progressivo, espacial ou experimental. O terceiro álbum apresenta uma atitude novamente renovada, dando ênfase a uma sonoridade mais calma em faixas como “The Cloak”, “Salt”, “Foe”, com “Echo” a apresentar uma variação mais sombria do álbum, mas há também peso e rock progressivo em temas como “Chronic”, “Contaminate Me” e “The Valley” que tornam “Coal” num festim de sons que acabam todos por eclodir numa forte explosão de metal progressivo de grande qualidade. O sucesso de “Coal” é incontestado, sendo um daqueles álbuns-fetiche para muitos fãs. A boa recepção da crítica ajudou a empolar ainda mais os Leprous e não deixou dúvidas sobre o talento desta já assegurada banda de metal progressivo norueguês. A verdade é que muita da música que sai da Noruega tem repercussão europeia, tendo-se seguido uma digressão por diversos países, como Portugal em 2013.
Congregação e confirmação (2014-2018)
Dois anos depois, em 2015, é a vez de “Congregation” – outra malha do metal progressivo que obteve maior recepção comercial. Após “Coal”, algo raro aconteceu: mudanças na formação, com a saída do baterista. Ora, o quarto álbum tem um novo baterista, Baard Kolstad, e será o último do guitarrista Øystein Landsverk. Insahn volta a fazer parte deste disco em “Contaminate Me”.
Em 2015, os Leprous já não eram uma surpresa, pois era garantido que iam surpreender a cada álbum. Claramente, os rótulos não existem, nem há limitações. Os álbuns de 2015 e 2017, “The Congregation” e “Malina”, respectivamente, são para muitos os melhores dos noruegueses. Todavia, a polémica existe e “The Congregation” é muito mais consensual – uma extensão dos álbuns anteriores ao mesmo tempo que não se equivoca em termos sónicos. O longa-duração apresenta uns Leprous estranhamente mais maduros com faixas atmosféricas e melódicas, mas também pesadas e altamente progressivas. Como se pode esquecer “Third Law”, “The Price”, “Rewind” ou “Down”? O nível de epicidade subiu a olhos vistos num álbum que mostra o melhor de cada um, sendo que tal era por de mais evidente desde “Tall Poppy Syndrome”. É provavelmente o melhor disco do grupo, mantendo uma sonoridade que nos acompanhará durante muitos e muitos anos.
“Malina” é uma produção subvalorizada que acaba por não ser devidamente apreciada pelos fãs mais acérrimos da banda. Porém, “Malina” é quase como uma prequela por anunciar do que viria a ser lançado, dois anos depois. O ambiente do disco é de apatia e decepção, apesar de muitas das composições narrativas mais emotivas serem abafadas por uma sonoridade mais melódica e nem sempre demasiadamente complexa. “From The Flame” é intoxicante e penetrante, mas “Bonneville” e “Mirage” demonstram uma grande quota-parte do som mais progressivo deste quinto disco de estúdio. E como esquecer a enormemente dramática “The Last Milestone” que prova mais uma vez que Einar Solberg é a melhor voz da actualidade? A junção entre um som mais comercial e mais progressivo e complexo é, de novo, exponenciado naquela que é uma introdução inesperada de uma das mais incríveis mudanças de estilo que uma banda alguma vez executou.
Deixem-se de rótulos (2019-)
O ano de 2019 tornar-se-ia num período em cheio para os noruegueses que, apesar de apenas manterem os fundadores como membros permanentes, conseguem manter uma solidez invejável, continuando a mostrar inovação, arrojo e coragem perante o mundo do metal progressivo. Ora, em Outubro desse ano, lançaram um dos mais corajosos e versáteis discos dos últimos tempos com “Pitfalls” a tornar-se numa das grandes surpresas de 2019. Como mencionado, os rótulos são coisas que ‘não assistem’ aos noruegueses, tendo decidido produzir um álbum com uma sonoridade mais ligeira, mas não menos complexa e criativa. É um disco difícil de analisar e que expõe ao mundo os seus sentimentos mais obscuros e sombrios, num registo intimista e mais comercial. O grupo não o classifica como um álbum conceptual, mas contém um alinhamento muito consensual em termos narrativos que é contraposto por uma sonoridade muito variada que mostra os Leprous de “Bilateral” e “Coal”, juntamente com uns Leprous novinhos em folha e prontos para os anos que se seguem.
O último registo discográfico é absolutamente triunfal, tendo conquistado os mais cépticos dos fãs e críticos. Leprous é uma banda contagiante que perdura e perdurará durante muitos anos, sendo que o seu mais recente disco é apenas um vislumbre do longo caminho que ainda há a percorrer.

Metal Hammer Portugal

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