«Metallica está apenas a começar, ainda temos os nossos melhores anos pela frente»: 12 meses na vida da maior banda metal
Entrevistas 2 de Outubro, 2020 Metal Hammer
Reabilitação, concertos cancelados, uma pandemia global e o tão esperado lançamento de “S&M2” – Lars, Kirk e Robert recordam 12 insanos meses na vida dos Metallica.

«A digressão foi incrível para nós. Estádios esgotados, passámos um bom bocado, divertimo-nos muito. A sério, foi incrível. Depois, literalmente dois dias após chegarmos a casa, recebemos a mensagem.»
Consegue-se praticamente ouvir Robert Trujillo a abanar a cabeça de incredulidade enquanto recorda o momento em que os Metallica descobriram que James Hetfield estava de regresso à reabilitação. Foi em Setembro de 2019, uma questão de dias após a banda ter dado dois dos concertos mais épicos numa história de quase 40 anos: “S&M2”, um espectacular concerto duplo dos Metallica com a San Francisco Symphony a ter lugar no recém-inaugurado Chase Center. Os concertos foram espectaculares. Foram um triunfo. Foram ainda mais surpreendentes do que o programa original 20 anos antes. Contudo, sem o conhecimento da banda, esses concertos também marcariam os momentos finais em que os Metallica partilhariam um palco durante algum tempo.
O baixista Rob, o guitarrista lead Kirk Hammett e o fundador da banda / baterista Lars Ulrich juntaram-se à Hammer por telefone desde suas respectivas casas espalhadas pela Califórnia. Dão entrevistas para promoverem o tão esperado lançamento de “S&M2”, repetidamente adiado devido a complicações decorrentes da pandemia COVID-19. Para eles, no entanto, todos os planos descarrilaram meses antes do resto do mundo. A 28 de Setembro foi anunciado que os Metallica dariam os seus concertos agendados para estádios na Austrália e na Nova Zelândia – os últimos numa série de etapas vitoriosas da era do monstruosamente bem-sucedido “Hardwired… To Self-Destruct” – para que James pudesse «voltar ao programa de tratamento para trabalhar na sua recuperação novamente». Para os fãs, foi um choque, um duro lembrete de que mesmo a maior banda de metal não era invencível. Para os Metallica, foi uma repentina perda de impulso e uma verificação da realidade emocional.
«Foi muito emocional para todos nós», admite Kirk. «Sempre que algo assim acontece a um membro da banda, é profundamente perturbador. É um choque, sabes? Tens de te mexer um bocado apenas para se cobrir algum terreno.»
«Não prevíamos isto», concorda Rob. «O James parecia estar bem, mas depois olhas para trás e tentas analisar a situação ao longo do tempo e ver onde havia alertas. Estar na estrada pode ser muito desafiante, e imagino que, para o James, ir para a frente de todas aquelas pessoas e ter de estar ‘ligado’… Entretanto, a família não está contigo, está tudo a acontecer, cresce e a pressão disso… Consigo imaginar que é muita.»
Lars Ulrich é um pouco menos aberto quanto às suas reacções perante as novidades sobre James – é incomummente curto quando perguntamos quando é que a banda soube de algum problema pela primeira vez –, mas admite que permanece uma certa vulnerabilidade no coração dos Metallica, que, apesar das aparências, nunca foi realmente embora.
«Tenho consciência da fragilidade de tudo a toda a hora», revela. «Acho que vestimos nosso lado humano com orgulho. Acho que sempre nos sentimos bem a compartilhar as nossas vulnerabilidades. Acho que, simplesmente, mostrar o nosso lado humano, ser sincero, sempre fez parte dos Metallica, portanto os acontecimentos do Outono de 2019 foram uma extensão muito orgânica e pura disso.»
Isto, em poucas palavras, resume o que fez dos Metallica uma das bandas mais duradouras da história do rock. Para além das músicas que definem um género, das grandes actuações ao vivo, das polémicas e das experiências selvagens, existiu sempre, no núcleo, uma banda sem medo de usar o coração – «com verrugas e tudo», nas palavras de Lars, as consequências que se lixem. Quer tenha a ver com a perda devastadora de Cliff Burton, a implosão pré-“St. Anger” captada de forma tão hipnotizante em “Some Kind of Monster” ou aquela cena toda com Dave Mustaine, parece que conhecemos os Metallica de dentro para fora, porque, através de todas as provações e tribulações, não esconderam absolutamente nada. De nós, ou entre cada um.
«Sou filho único, por isso estes gajos estão na minha vida há mais tempo do que qualquer outra pessoa, excepto os meus pais», diz Lars. «Nós sabemos o que é MO [N.d.T.: modo particular das pessoas]. Quando vês os teus irmãos, os teus amigos, os teus parceiros a passarem por altos e baixos durante décadas, sabes como é o processo.»
Neste caso, o processo foi os Metallica pousarem as ferramentas, cancelarem os concertos mencionados e fazerem uma pausa para que o seu frontman pudesse recuperar. E sabiam que era um processo que levaria o tempo que James precisasse.
«Já estive numa situação em que nada estava a resultar para mim, só tenho de parar de fazer tudo o que estou a fazer e ver como estou», admite Kirk, que aponta estar sóbrio há «mais de cinco anos e meio».
«Estou familiarizado com o processo emocional e o processo terapêutico pelo qual se passa», acrescenta. «Quando alguém precisa de ajuda, não sou de julgar, porque eu mesmo já passei por isso. Estive aí muito tempo, e só precisas de ajudar o teu próximo.»
Claro, todos sabemos o que aconteceu a seguir – porque aconteceu com todos nós. O que provavelmente era apenas uma pausa de alguns meses acabou por se tornar numa paralisação total, já que os Metallica, ao lado da maior parte do planeta Terra, tiveram de cancelar completamente todos os planos futuros. À medida que parecia que as coisas nos Metallica poderiam ter começado a regressar a algum tipo de normalidade – James fez a sua primeira aparição pública desde que entrou em reabilitação num evento de carros em Los Angeles no final de Janeiro –, uma das bandas mais ocupadas do metal foi repentinamente forçada a ficar no limbo. Sem digressões. Sem concertos únicos. Sem ensaios. Nada.
À medida que a pandemia COVID-19 continuava a espalhar-se pelo globo e o país de origem da banda se tornava um epicentro da crise, ficava cada vez mais claro que não haveria forma para se continuar o ciclo de “Hardwired…”. Enquanto a banda estava satisfeita por passar algum tempo inesperado com as suas famílias – Lars brinca que ficar com os dois filhos lembra-o o «antigamente, quando os levava à escola – a porta está trancada, ninguém vai a lado nenhum» –, queriam ter a certeza de que os Metallica continuariam vivos, activos e, mais importante, ligados aos fãs. No final de Março, a banda lançou o “Metallica Mondays”, um novo programa semanal que teria antigos concertos de Metallica partilhados integralmente na Internet, às vezes completados com uma introdução bónus de Lars. Em Maio, partilharam uma nova versão acústica de “Blackened”, gravada individualmente nos seus estúdios caseiros. Foi uma distração bem-vinda para os metaleiros que enfrentaram um Verão sem concertos ou festivais. E ainda assim, inevitavelmente, a velha questão que manteve os Metallica a rolar durante todos estes anos apareceu novamente: o que vem a seguir?
«Para além de nos ligarmos aos nossos fãs em qualquer oportunidade possível, nova música é realmente o que alimenta toda a gente», diz Lars com bom humor. Portanto, vamos ter um novo álbum de Metallica mais cedo do que esperávamos?
«Estou apenas a especular», começa Kirk. «Mas se o mundo das digressões não começar a funcionar da mesma forma que antes, então acho que a ideia é ficar em casa e começar a trabalhar nas músicas, começar a gravar. Acho que é provavelmente a coisa mais segura e sensata que podemos fazer!»
Se isso soa a que os Metallica ainda não tenham feito qualquer incursão real para um álbum número 11, não se enganem: há novas músicas a serem feitas, uma tonelada absoluta na verdade.
«Há muito material», ri Kirk. «Eu sei que tenho toneladas, porque compensei completamente em demasia. Sabes, na última vez foi um verdadeiro choque para o meu sistema perder todas aquelas ideias musicais [Kirk perdeu um telefone com mais de 300 peças musicais durante o processo criativo para “Hardwired…”]. Então, eu estava muito determinado a tentar recuperar o tempo perdido. Também senti que, criativamente, tenho muito mais a oferecer desta vez.»
Este último ponto é interessante. Segundo todos os relatos, “Hardwired…” foi muito um The James and Lars Show, com a contribuição de Kirk e Rob quanto ao processo criativo a ser relativamente mínimo em comparação a anos anteriores. Kirk disse à Hammer em 2016 que era uma situação que aceitava, mas não sem um pouco de frustração. Se, no entanto, os primeiros sinais indicarem alguma coisa, o próximo álbum dos Metallica será de facto um caso decididamente mais cooperativo.
«Não vou falar em nome dos outros, mas, para mim, parece que isto poderia ser um [processo de composição] muito colaborativo», diz Rob. «E, pessoalmente, adoro. Adoro que estejamos nessa mentalidade para sermos mais colaborativos, e acho que é muito empolgante onde estamos agora, a jornada que estamos prestes a tomar, o facto de que essas portas estão a abrir-se.»
«Está a demorar alguns meses, literalmente, para passar por tudo [o que é ideias]», acrescenta Kirk. «Tenho um manancial de material; portanto, a qualquer momento, quando todos decidirmos – ‘Ok, vamos começar a formular um cronograma para começarmos a escrever músicas e gravá-las’ –, estou pronto. Eu estou lá, desde o primeiro dia.»
Kirk não está a brincar sobre o excesso de ideias. Diz-nos com entusiasmo que tem 600 riffs (felizmente, nem todos armazenados num telefone), enquanto Rob confirma que o guitarrista não tem sido mesquinho a compartilhá-los com o resto da banda.
«O Kirk tem muitas ideias», ri o baixista. «É engraçado porque às vezes é literalmente ele que está na cozinha e a cozinhar, e ao mesmo tempo está a tocar-te um riff, ou estás sentado na sanita e ele está a tocar-te algumas ideias. Mas quando começámos a perceber que [a quarentena] iria acontecer, foi do tipo: ‘Ei, vamos ser criativos.’ Vamos lá. Muitas vezes, quando uma banda existe há tanto tempo como Metallica, descobres que um dos maiores problemas é: ‘Pá, não consigo inventar um riff, não consigo inventar nenhuma letra boa, está mais difícil escrever músicas.’ Mas isso, simplesmente, não parece ser o nosso problema. Sem querer rebaixar nenhuma outra banda, às vezes o nosso pior riff pode ser o riff de primeira liga de outra banda.»
Sendo assim, parece que Kirk e Rob estão prontos para rolar, mas e Lars? O líder de facto dos Metallica é tipicamente considerado quando questionado sobre exactamente onde estamos quanto a um novo álbum, mas admite que agora há definitivamente um impulso para a frente, e é uma sensação positiva.
«Ter a hipótese de trabalhar em nova música e mandar ideias é incrível», diz. «É sempre entusiasmante. Há muitas ideias para aqui e para acolá. Houve uma ligação a sério com o último álbum – os fãs, a forma como os planetas se alinharam, a energia do universo, seja o que for –, e acho que essa energia ainda está presente, inerente, e sentimo-nos muito bem com o que vem a seguir. Existem alguns riffs excelentes, algumas ideias excelentes e tudo ganhará forma, e, a qualquer momento, quando for seguro e estivermos todos confortáveis com isto, estaremos todos no mesmo espaço e lá vamos.»
Enquanto as circunstâncias actuais significam que as distrações estão no nível mais baixo de sempre, nos últimos 15 anos os Metallica tornaram-se notórios por fugirem do estúdio para actividades extracurriculares, seja isso mini-digressões (“Escape from the Studio 06” e “Sick of the Studio 07”) , projectos demorados (Orion Fest, o filme “Through the Never” e Lulu) ou apenas ideias completamente malucas (tocar na Antárctica, por que não?). É essa mistura exacta de espontaneidade e pensamento ambicioso que os colocou no topo do pedestal do metal em primeiro lugar, mas, no final das contas, também levanta algumas questões. Mandar ideias para o ar é uma coisa, mas três álbuns de estúdio em 20 anos não é o retorno mais prolífico na música pesada, e a sombra de “Some Kind of Monster” ainda paira. Será que os Metallica ainda gostam do processo a sério de se fazer um novo álbum?
«Sim! Absolutamente!», Lars atira. «Adoro! Especialmente os dois últimos álbuns, são um bom presságio para o futuro.»
Então, não estão preocupados com qualquer potencial conflito quando todos entrarem num estúdio?
«À medida que os seres humanos envelhecem, tornam-se mais respeitosos», responde. «Compreendes a palavra ’empatia’, todo esse tipo de coisas que nunca reconhecerias aos 22 anos, cheio de uma energia corajosa, louca, maníaca e narcisista. Portanto, quando chegas aos 50 anos, é do tipo: ‘Não preciso de ir para o estúdio e discutir, c*ralho.’ Não é isso que quero fazer. Quero ligar-me ao resto da banda, quero levar algumas ideias adiante e, sim, gosto disso. Gosto do processo de fazer discos e fazer novas músicas. Mas se fôssemos para o estúdio e lá passássemos todos os dias durante um ano, acho que esse processo não funcionaria tão bem para nós.»
Se o futuro parece positivo para os Metallica, então o presente também nos dá motivos para ficarmos contentes. O lançamento de “S&M2” pode ter demorado a cá chegar, mas, com certeza, a espera valeu a pena. É simplesmente fantástico: uma celebração do passado dos Metallica e um testamento da sua recusa em chafurdar nele, sempre a procurarem-se maneiras de se fazer as coisas de forma diferente e mudar a fórmula, mesmo que seja só um bocadinho. Faixas mais recentes, como “Moth into Flame” e “Halo on Fire”, têm um som gigantesco apoiado pela San Francisco Symphony, enquanto faixas como “The Outlaw Torn”, “The Unforgiven III” e uma surpreendente “(Anesthesia) Pulling Teeth” ganham uma nova vida. Embora não se tivesse a intenção original de ser o ponto de exclamação naquele capítulo específico da carreira dos Metallica, parece quase apropriado que tenha encerrado o ano – o mais recente grande projecto numa carreira repleta deles.
«Foram dois dias incríveis», diz Lars. «Um fim-de-semana incrível em São Francisco, um marco incrível. Acho que estas experiências “S&M” representam um lado dos Metallica em que tentamos sair da nossa zona de conforto, abraçar outras forças e entrar num mundo diferente. Os membros da banda estavam numa situação muito mais receptiva do que há 20 anos, e acho que estávamos muito mais confortáveis em lançar a rede mais amplamente e sermos mais aventureiros.»
«Diverti-me muito», acrescenta Kirk. «Tive que me preparar fisicamente para esse concerto. Músicos clássicos… Basicamente, consegues pôr qualquer peça musical à frente de um músico clássico e é capaz de [tocá-la] em tempo real, e isso é extremamente difícil de se fazer. Portanto, senti que tinha de, pelo menos, tentar apanhá-los naquele nível de musicalidade. Olhando para trás, achei que nos saímos muito bem!»
«Era como se estivesses num grande tapete mágico», sugere Rob, que estava a ter a sua primeira experiência “S&M”. «Tinhas toda aquela energia ao teu redor, conseguias sentir que os músicos estavam a gostar da experiência, e os fãs ficam maravilhados com o que estão a viver, porque algumas daquelas pessoas nunca viveram uma orquestra e algumas pessoas da orquestra nunca viveram uma banda de rock. Tens todos estes elementos para criares uma noite muito especial.»
Para uma banda que suportou mais críticas, mais debates e divisões do que qualquer outra no metal, agora parece que, contra todas as probabilidades, as estrelas estão alinhadas com os Metallica. Nos últimos quatro anos, fizeram o seu melhor álbum em décadas, deram os seus concertos mais aclamados pela crítica em anos e culminou-se num evento de aniversário que apenas fez com que todos se sentissem bem. Sem drama. Sem controvérsia. Sem tretas. No mínimo, o regresso de James à reabilitação naquele mesmo mês apenas ampliou o sentimento geral de boa vontade que recuperaram nos últimos tempos. Resumindo: agora é muito bom estar-se nos Metallica. E com os Quatro Cavaleiros de volta à acção e na mesma página – «James está a ir muito bem», diz Rob –, ainda têm muito mais guardado.
«Não podemos estar fisicamente juntos, mas estamos a exercitar a nossa criatividade uns com os outros e a compartilhar novas ideias e a construir a próxima rodada», acrescenta Rob. «Consegue ser terapêutico, sabes? A criatividade e a música são muito cicatrizantes e isso tem sido positivo para todos nós. Para o James, é muito importante.»
«Falamos todos uma vez por semana e certificamo-nos de que todos estão bem e saudáveis, que estão todos a progredir e que estamos a tentar seguir em frente», diz Kirk. «Assim que o ar ficar mais limpo e for seguro e saudável para todos, estaremos preparados para avançar.»
Para Lars, esta recente e curiosa situação foi simplesmente mais um capítulo único para uma banda que não tem duas páginas iguais. E não o faria de outra maneira.
«Assim que for seguro e se puder trabalhar na prática, estaremos de volta a fazer o que fazemos», confirma. «Metallica é uma escolha de vida. Não é algo que se entra e sai. Gosto dos Metallica serem o que faço. Gosto mesmo disto, e toda a gente sente a mesma coisa. E gostaria de passar o mesmo no futuro. Olho sempre para a frente.» Vamos terminar a ligação quando nos pára e acrescenta: «Já agora, estamos apenas a começar. Ainda temos os nossos melhores anos pela frente.»
Diz isto com o brilho de um sorriso malicioso na voz, mas sabem que mais? Se os últimos anos servirem para alguma coisa, não se pode deixar de pensar que Lars não está a brincar.
Consultar artigo original em inglês.

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