Mangualde Hard Metal Fest XXVI (11.01.2020 – Mangualde)
Concertos 14 de Janeiro, 2020 João Correia


A XXVI edição do Mangualde Hard Metal Fest (HMF) ficou marcada por várias situações muito graves e isso esteve expresso nas caras infelizes dos festivaleiros que ouviram o chamado de José Rocha e de uma dúzia de bandas bem conhecidas no panorama do heavy metal nacional e internacional, fosse em frente ao palco, em frente às bancas de merch, ou até com uma sopa, sandes ou cerveja na mão no exterior do recinto. O descontentamento sentia-se no ar e, durante várias alturas do evento, muitos festivaleiros andaram, até, aos encontrões em frente ao palco – os mais insatisfeitos chegaram mesmo a voar uns por cima dos outros que, por sua vez, os elevavam no ar para se defenderem como pudessem. As bandas, com receio da violência mesmo à sua frente, fizeram o que puderam para saírem ilesas: tocaram a sua música muito alto, muito agressivamente e sempre com muito movimento em cima do palco, certamente para tentarem assustar a perigosa fauna diante de si. Sem sucesso, pois, a cada nova música, os desordeiros cresciam em número e houve até uns poucos mais violentos que chegaram a repetir ameaçadoramente as letras dos temas das várias bandas. No final do dia, quem saiu do Centro Recreativo e Cultural de Santo André exprimiu profundo pesar por todos os problemas que acabara de enfrentar, a saber: boa música, boa comida e bebida, boa camaradagem e um espírito sui generis que não se encontra em qualquer outro festival de música pesada em Portugal. Quem estava à espera de um Mangualde Hard Metal Fest abaixo da média foi para casa mesmo muito infeliz.
Tudo o que a Metal Hammer Portugal descreve acima aconteceu, de facto, mas de forma sempre positiva, o que acabou por se saldar em mais uma edição memorável do HMF. As bandas escolhidas auxiliaram à festa – se, por um lado, as tendências mais clássicas do heavy/rock estiveram representadas por dois gigantes intemporais da cena (os ingleses Praying Mantis e Blitzkrieg), as vertentes mais agrestes contaram com um dos nomes pioneiros da segunda vaga do black metal (os noruegueses Ancient), uma lenda viva do death/grind underground (os alemães Blood, activos desde 1986), uma das maiores promessas globais do thrash dos anos 80 e 90 (os ingleses Xentrix), e, claro, a banda responsável por exportar o nome de Portugal no que concerne à música extrema antes de todas as outras (falamos dos Sacred Sin, claro está). A acompanhar estes nomes, estiveram algumas das apostas nacionais e internacionais escolhidas por José Rocha, organizador do evento.

Os nortenhos Godark deram início aos festejos. Executaram o seu death metal moderadamente épico, mas com um volume absurdamente alto, chegando mesmo a magoar os ouvidos de quem se encontrava no extremo oposto do palco. Os sintrenses Karbonsoul executaram, após, o seu death metal, mas o mesmo volume exageradamente alto prejudicou um pouco a prestação da banda. A primeira actuação internacional coube aos death metallers espanhóis Dark Embrace, que não só perpetuaram o volume demasiado alto como ainda tiveram, a nosso ver, a prestação mais fraca do festival: som confuso, voz bastante desafinada e quase que apáticos – não os reconhecemos no HMF. Cerca das 18:00, o trio inglês Iron Void subiu ao palco e tudo mudou drasticamente: volume sonoro agradável e um doom/stoner metal interessante e cativante. Trata-se de uma banda simples, mas com uma alma e uma noção de musicalidade elevadas. Foram a primeira surpresa do dia, que ainda contava com muitos nomes.
Às 19:00, foi a vez dos Sacred Sin, uma das bandas mais esperadas devido à curiosidade em redor das novidades anunciadas: o regresso permanente de Tó Pica (guitarra, núcleo duro dos Sacred Sin juntamente com o vocalista José Rocha no auge da banda) e o lançamento de “False Deceiver”, o novo EP cuja data de lançamento é 2020. Após a intro, foi exactamente com “False Deceiver” que os lisboetas iniciaram hostilidades, passando logo após para “Burn Suffer Die”, outro tema do novo EP. Notam-se alterações nítidas no som dos Sacred Sin com a reunião de Pica/Costa, nomeadamente nestes novos temas, quase uma assinatura, coisa que já não ouvíamos da parte da banda há bastante tempo. Houve ainda lugar para clássicos como “Chapel Of Lost Souls”, “Eye M God” e a indispensável “Darkside” a finalizar uma prestação em que tudo esteve no seu devido lugar, desde os elementos da banda e dos despiques entre eles a um público que não se furtou a movimentar-se e à qualidade sonora geral.

Os primeiros cabeças-de-cartaz do certame subiram a palco para espalharem um pouco da magia que já corre mundo há 40 anos. Os Blitzkrieg mantiveram uma carreira interessante e coerente ao longo de quatro décadas, mantendo os fãs de sempre e angariando continuamente novos seguidores devido à qualidade inerente de cada novo disco. No entanto, o trabalho incontornável dos britânicos continua a ser “A Time Of Changes”, álbum de estreia que influenciou milhares de bandas iniciantes um pouco por todo o mundo. Em termos de profissionalismo, não poderíamos esperar algo abaixo de imaculado e, a esse respeito, os Blitzkrieg cumpriram plenamente aquilo a que se propuseram, certamente fruto de tantos anos na estrada. Os momentos altos da actuação foram “A Time Of Changes, “Angels Or Demons” e, claro, “Blitzkrieg”, um dos temas de platina da NWOBHM. De referir a qualidade vocal inalterada de Brian Ross, principalmente durante os agudos.
Os Blood viriam a seguir para deixar que o terrorismo sónico falasse por eles. Dos seminais “Impulse To Destroy” e “O Agios Pethane”, reviram a sua carreira com uma marca de água característica: muito humor em palco, imensa interacção com o público e um claro gosto pelo que fazem. Eram esperados por alguns fanáticos que pediram temas específicos. Resta dizer que, a par de nomes como Napalm Death, Extreme Noise Terror ou Agathocles, os Blood são uma das mais antigas bandas de grindcore/noise/death metal/punk. É essencial vê-los ao vivo pelo menos uma vez para perceber onde é que géneros como o party-grind se influenciaram.
Seguiram-se-lhes os Praying Mantis e a fasquia foi uma vez mais elevada. O quinteto inglês já anda nas lides há 45 anos e os irmãos Troy estão de pedra e cal. Embora os Praying Mantis sejam mais rock do que propriamente heavy metal, adequaram-se perfeitamente ao festival e ajudaram a compor uma festa já estabelecida. A música mais reconhecida foi “Children Of The Earth”, clássico maior de “Time Tells No Lies”.

Por esta altura, já se ouvia falar nos Ancient. Uma das bandas mais importantes do início da segunda vaga do black metal, os Ancient tiveram uma história rica, conturbada e atribulada até aos dias de hoje, mas não menos interessante por isso. Embora já tivessem tocado anteriormente em Portugal, as aparições em solo luso são tão raras e espaçadas que foi natural encontrar público que se deslocou de propósito a Mangualde só para os ver. Por essa altura já a casa estava repleta e o público foi agraciado com a performance integral de “Svartalvheim”, a jóia da coroa dos naturais de Bergen e um dos discos fundamentais do black metal como o conhecemos. Som bastante nítido, os adereços pontiagudos clássicos de Zel (voz) e um desempenho de qualidade fizeram com que o concerto dos Ancient tivesse sido o melhor do certame até então.
E dizemos até então porque os Xentrix vieram, viram e venceram. Não há nada que consiga bater o produto original, dê por onde der, e os Xentrix reforçaram essa certeza em palco. Ao contrário de tanta e tanta banda actual que se dedica a recriar o ‘pizza’ thrash (thrash metal essencialmente humorístico em detrimento de grande qualidade técnica ou originalidade, claro está, com as devidas excepções), os Xentrix fazem parte de um lote de reserva, sério e original, técnico e bastante musculado, uma constante dos anos 80/90. A juntar a isso, uma carreira exemplar com clássicos do thrash como “Shattered Existence” e “For Whose Advantage?”, digressões com Sepultura e Slayer e o bem-recebido disco de 2019, “Bury The Pain”, fizeram reacender o interesse nos ingleses. O tempo pareceu parar, tal foi o desempenho dos Xentrix em Mangualde, sempre ao sabor de temas como “There Will Be Consequences”, “For Whose Advantage?” e “Questions”. De salientar o trabalho de Kristian Havard (guitarra solo) – muito técnico, coeso e claramente a bússola da banda. Qualidade sonora impecável, público reactivo (com as maiores sessões de slam e crowd-surfing do dia), casa completamente cheia e um banho de clássicos acabaram por fazer dos Xentrix a melhor banda do festival.

Por fim, os nacionais Infraktor subiram ao palco por volta das 02:30 e deram um concerto enérgico que selou com prata fina o HMF XXVI. De referir ainda o facto de o cartaz para 2021 já ter sido divulgado, com as confirmações dos holandeses Pestilence, dos italianos Mortuary Drape e dos alemães Hate Squad como cabeças-de-cartaz. Como não regressar para o ano? Janeiro é sempre sinónimo de Hard Metal Fest.

Metal Hammer Portugal

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