Em estúdio com Chaosaddiction.
Foto: Tomé Melo

«A vibe que tentei transmitir com Chaosaddiction é muito mais negativa, negra, autodepreciativa.»

Rui Alexandre

Já todos tínhamos ouvido falar de one-man black metal bands, mas de one-man thrash metal bands um pouco menos. A convite de Rui Alexandre, fundador da Mosher Records/Mosher Clothing e membro dos Terror Empire, a Metal Hammer Portugal visitou-o nos Golden Jack Studios para ouvir em primeira mão os dois temas finalizados pelo guitarrista para o seu novo projecto a solo, Chaosaddiction. Já somos regulares do estúdio, de studio reports passados, apenas não nestes moldes – tanto em termos de logística como em termos de música.

À primeira audição, “Worst Things First”, o primeiro single de Chaosaddiction, é metal. Assim, sem floreados. Metal relativamente lento a tempos, com riffs pesadíssimos, contrapostos por blast-beats (tendo toda a bateria ficado a cargo de João Dourado), voz gutural que se mistura com vozes cantadas e limpas, e uma sensação de desconforto a toda a volta. Depois, e como é costume, o cérebro parte à procura de lugares comuns e de padrões para se situar perante algo novo. Daí advêm os primeiros nomes: Corrosion of Conformity, Power Trip, Machine Head, Dust Bolt… «Corrosion of Conformity foi o meu primeiro concerto ao vivo, em 1996. Quando ouvi pela primeira vez o Pepper Keenan, pensei: ‘Pá, olha para este gajo a cantar como o James [Hetfield, vocalista de Metallica].’ Só depois soube que o James lhe roubou a dicção para o “Load”», revela Rui com um sorriso. Inconscientemente ou não, faz todo o sentido. Nada que estivéssemos à espera, porém, ainda mais porque os nomes maiores do género foram praticamente ignorados. «Não vou confirmar nem desmentir nomes. Não quero que pensem que me inspirei numa banda ou noutra. Como é o primeiro impacto, isso iria rotular o que vocês acabaram de ouvir. Há-de haver pessoas que vão ler o que vais escrever e que vão discordar do que dizes, certamente.»

É um som diferente, um tipo de thrash que nunca foi feito em Portugal. Se calhar somos nós que não entendemos a nova tendência de lançar músicas a conta-gotas, mas não é nada a que não estejamos habituados num meio saturadíssimo que se reinventa a cada minuto que passa para não perder vitalidade e interesse. Depois, em tempos que não se toca ao vivo, tudo se orienta para as redes sociais, aqueles espaços em que todos ralham e ninguém tem razão. Os dois singles que ouvimos têm uma boa explicação. «Quero primeiro saber as opiniões dos ouvintes. Imaginem que lançava sete ou oito singles e obtinha uma resposta negativa – seria um risco porque gastaria tempo inutilmente. Além disso, primeiro quero encontrar-me e sentir o que consigo fazer. Por exemplo, a projecção da voz gutural é diferente em estúdio e em palco, lógico. Esperem que a próxima música vai apanhar-vos mais de esguelha», diz-nos.

«Quero encontrar-me e sentir o que consigo fazer.»

Rui Alexandre

E apanha. “Guilt(rip)” brinda-nos com uma espécie de spoken-word com guitarras de fundo que preconizam que algo de muito errado está para vir. Continua a soar a metal, novamente sem floreados. A sensação de desconforto, por seu lado, aumenta. Outros nomes surgem-nos: Megadeth, Pantera, Rob Zombie/White Zombie… Para o fim fica um festival de thrashcore/punk cantado em português, que nos traz também à memória o saudoso João Ribas e os Censurados de “Censurados”. É um tema muito mais complexo do que o anterior. Continua a soar a nada que já tenha sido feito em Portugal. A melhor parte? Não soa rigorosamente a algo similar com o thrash “bora lá caralho”. Aquele tipo de thrash que, embora coeso e sem falhas, aborrece ao fim de dois temas por ser uma cópia das bandas que todos conhecemos. «Como sabem, toco numa banda muito associada a esse género de som. Porque motivo iria fazer um side-project idêntico? Gosto de tocar thrash em Terror Empire, mas isto é algo que tinha necessidade de deitar cá para fora.»

Faz sentido, claro, e é nítido que o que Rui está a construir neste projecto é completamente distinto do que faz nos Terror Empire. «Acho que consegui tornar isto em algo coeso. Não tenho capacidade para lançar algo em que não acredite. A vibe que tentei transmitir com Chaosaddiction é muito mais negativa, negra, autodepreciativa. Eventualmente, irão perceber mais quando lerem as letras.»

Não é possível ter uma opinião muito formada ao fim de ouvir duas músicas, muito menos ouvindo-as apenas uma vez. Mas é possível distinguir palha de feno, presunção de honestidade e algo datado de uma novidade. Precisamos de mais, mas aquilo que ouvimos deu para ter uma ideia do que aí vem, que não é menos do que um tsunami de negatividade pronto a engolir todas as cidades costeiras de norte a sul já neste mês de Setembro via Mosher Records.