Das poucas vezes que se fala de um país como o Nepal, crê-se que as únicas coisas que, neste cantinho da Europa, sabemos sem...

Das poucas vezes que se fala de um país como o Nepal, crê-se que as únicas coisas que, neste cantinho da Europa, sabemos sem grande dificuldade é que lá se ergue o Monte Evereste (o ponto mais alto do planeta com 8848m de altura) e que lá nasceu Siddhartha Gautama, comummente conhecido por Buda. O que não podemos pôr de parte é a possível existência de uma cena metal, e é precisamente isso que, neste momento, interessa a quem lê dedicadamente esta secção da Metal Hammer Portugal.

Como banda que actualmente representa melhor o seu país-natal, os Chepang tocam grindcore de uma forma tão entusiasmante que está a contagiar as várias cenas underground por todo o mundo. Fundada apenas em 2016 e já com o álbum “Dadhelo” na bagagem, a banda vive actualmente nos EUA. «Viver longe de casa é sempre difícil, mas fazemos o que tem de ser feito», conta o vocalista Bhotey Gore, assegurando ainda assim que «há muitas vantagens em viver num lugar como os EUA», porque «a quantidade de opções, não só para criar música mas para viver, são surreais». Porém, e por mais fincados que estejam em prosseguir com os seus sonhos, as adversidades são mais do que apenas residir a milhares de quilómetros de casa: «De vez em quando deparamo-nos com algum racismo, mas essa gente estúpida existe em todo o lado.»

Chepang é mais do que o nome de uma banda, é também um grupo de indígenas nepaleses. Bhotey Gore explica: «A palavra Chepang em si é, na verdade, também um calão depreciativo por causa de como ‘retrógradas’ nós, como sociedade, consideramos essas tribos indígenas. Decidimos manter esse nome para alterar a opinião negativa das pessoas e substituí-la por poder e força. Para nós, é a representação de todos os grupos indígenas que são oprimidos, mas resilientes o suficiente para se adaptarem e sobreviverem nesta sociedade em constante mudança.» Quem também se direcciona à crítica social é Amokkshan, banda da capital Kathmandu que pratica um metalcore musculado que tanto busca influência no death e no thrash metal como no groove e no rock. Contudo, o conceito lírico nem sempre foi esse, como nos dizem o vocalista Aditya Chaudhary e o baterista Arjun Shrestha: «Quando começámos, o foco principal para as nossas letras não era a sociedade; éramos apenas cinco tipos normais a tentar compor metal. No entanto, acabámos por escrever músicas que criticavam a sociedade porque isto é o Nepal! As pessoas aqui são discriminadas pela sua aparência, etnia e estrato. As pessoas não conseguem ir atrás dos seus sonhos se isso for contra as normas sociais de se ser médico, engenheiro e advogado. Há liberdade democrática no país, mas não há liberdade social. A nossa música “Society the Rapist”, do nosso álbum de estreia [“Articulate”, 2017], é especialmente inspirada nisso tudo. Outras músicas, como “Faithless”, “Faces” e “Forsaken”, também condenam a sociedade. Diríamos que a crítica social é sempre pensada ao escrever letras.»

«A polícia pegava nas pessoas com cabelo comprido e rapava-lhes a cabeça.»

Bhotey Gore (Chepang)

Como se já não bastasse serem oriundos de um país incomum ao metal, os Chepang tornam também o grindcore em algo diferente do habitual com, por exemplo, o uso de dois bateristas. «A nossa personalidade é o que se reflecte na nossa música. Procuramos sempre criar algo novo e interessante, e explorar o máximo que conseguirmos. Adicionámos um saxofone no nosso último set. Também já tocámos com três guitarristas. Estamos sempre a experimentar diferentes elementos para criar um som mais dinâmico. Adicionando outro baterista foi um dos primeiros passos que demos neste processo. Se houver acesso aos recursos adequados, porque não começar a pensar fora da caixa? Sendo uma banda DIY [do-it-yourself], não temos a pressão de continuar a compor músicas que são feitas com fórmulas e estruturas usadas em demasia. Temos total liberdade para nos aventurarmos e certificamo-nos de que estamos no caminho certo.» Do outro lado da barricada deste artigo, os Amokkshan são também uma banda DIY – aliás, para os dois membros entrevistados, «qualquer banda do Nepal que tenta fazer metal tem que abraçar a atitude DIY», uma postura que «surge por necessidade» devido às «poucas perspectivas e incentivos financeiros muito baixos». Afirmam ainda que «bandas que abraçam essa atitude sobrevivem e continuam a fazer o que amam», como eles próprios se sustentaram ao promover “Articulate” pelos próprios meios.

A típica pergunta seria articulada de imediato: como é que o metal chega ao Nepal? «Naquela época dependíamos muito das cassetes e dos CDs que circulavam pela malta, mas depois, quando a Internet rebentou, ficou tudo muito mais fácil – Soulseek é para a vida», relembra o vocalista dos Chepang. As recordações dos músicos de Amokkshan, que ao contrário dos compatriotas não são emigrantes, não diferem em grande proporção, havendo também uma ligação à existência da World Wide Web: «Muita coisa mudou desde os velhos tempos da cena metal no Nepal. Nos primeiros tempos, as pessoas seguiam as bandas indo a concertos e trocando música com amigos. Houve um empolgamento para se encontrar novas bandas e ir a concertos. As pessoas estavam mais viradas para a música, independentemente dos subgéneros. Os espectáculos eram promovidos através de panfletos e de boca em boca, mas hoje em dia, com o advento da Internet e das redes sociais, os concertos atingem muito mais pessoas. Tem sido mais fácil a esse respeito, mas a emoção e a aventura para encontrar uma nova banda, como antes, não existem.»

Com governantes afectos ao Partido Comunista e numa sociedade maioritariamente ligada ao hinduísmo enquanto religião, descobrimos anteriormente neste artigo que os problemas que podem existir em relação aos movimentos alternativos não passam pela política ou pela religião vigentes, mas devido às discrepâncias de estatuto social. «Felizmente, aqui no Nepal, não há pressão política ou religiosa contra as pessoas que gostam e tocam metal», clarificam Aditya e Arjun, «mas, socialmente, os metaleiros são estereotipados com base na sua aparência – são vistos como drogados e bandidos». Isso, segundo explanam, pode ser testemunhado em concertos de metal: «A polícia costuma aparecer à procura de qualquer substância ilícita. No entanto, na maioria dos casos, não encontram nada. A polícia nepalesa também não entende o mosh e vêem isso como se uma cena de pancadaria tivesse começado. Por causa disso, o maior evento de metal, o Silence Festival, termina sempre com a interrupção da polícia e os cabeças-de-cartaz têm de cortar o alinhamento.» A viver actualmente nos EUA, o porta-voz dos Chepang corrobora, em modo de encerramento, aquilo que os compatriotas já tinham apontado enquanto maior problema: «Passámos por aquela fase em que ter tatuagens, cabelo comprido e ouvir esse tipo de música estava associado ao uso de drogas. A polícia pegava nas pessoas com cabelo comprido e rapava-lhes a cabeça. Mas a mudança está a chegar e esses estereótipos estão lentamente a desaparecer.»

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