A vingança dos freaks: como o nu-metal tomou conta do mundo
Artigos 22 de Março, 2020 Metal Hammer

Graças a Korn, Limp Bizkit e Slipknot, o nu-metal foi o som do final dos anos 1990. Fred Durst (Limp Bizkit) e Dez Fafara (Coal Chamber) recordam como os lunáticos assumiram o controlo do asilo.

A 27 de Outubro de 1995, uma banda em ascensão de Bakersfield, Califórnia, deu o seu primeiro concerto britânico no LA2 de Londres. O álbum de estreia auto-intitulado causou um pequeno rebuliço entre os fãs de rock mais informados do país, dos quais 800 estavam ali naquela noite.
O nome da banda era Korn, e caso não fossem totalmente desconhecidos, eram certamente cavalos negros. Literalmente no caso do vocalista Jonathan Davis, um ex-assistente mortuário que sussurrou, murmurou e gritou através de um conjunto de músicas sobre insegurança, sexualidade distorcida e abuso infantil.
Os Korn soavam pouco ao que tinha acontecido antes. Pegaram no rap-metal bombeado de Faith No More, Rage Against The Machine e Red Hot Chili Peppers e o torceram-no em formas irreconhecíveis. As guitarras estavam em downtuned, as letras eram pintadas em vários tons desagradáveis e até tocaram gaitas-de-foles durante o concerto.
Para as 800 pessoas no LA2, aquele era o som do amanhã. A cena que os Korn lideravam seria a maior atracção do rock. As bandas que daí surgiram eram uma colecção profana de desajustados, estranhos e loucos aos urros.
Esse movimento logo seria marcado como nu-metal. Era o som dos lunáticos a assumir o controlo do asilo.
Los Angeles estava morta no início dos anos 1990. O hair-metal tinha dado o seu último suspiro, e os hipsters snobes do grunge, que entraram na luta, não seriam vistos mortos na Sunset Strip. Em vez disso, foi deixado que várias bandas locais construíssem algo a partir do zero.
Uma dessas bandas era Coal Chamber, cujo vocalista Dez Fafara – filho do antigo actor infantil Tiger Fafara – era fã de punk-rock e synth-pop dos anos 1980. Quando Fafara começou Coal Chamber em 1994, tocavam rock alternativo padronizado. Só quando decidiram pôr as suas guitarras em downtuned é que deram conta de outras bandas que faziam algo semelhante.
«Em 92 ou 93, os clubs não tinham vida, ninguém tocava neles», diz Dez. «Mas depois começou-se a ver todas estas bandas a invadir esses locais – Coal Chamber, Deftones, System Of A Down. Os Korn traziam autocarros carregados de pessoas vindas de Orange County. O problema é que toda a gente tinha que soar diferente e parecer diferente para se destacar. Começámos a usar Dickies e a ter o cabelo trançado para ficarmos muito mais próximos do nosso lado gótico. É por isso que nos vestíamos tão à maluco.»
Ao mesmo tempo, algo se agitava nos pântanos da Flórida. Liderados por um antigo tatuador chamado Fred Durst, os Limp Bizkit estavam a criar ondas na sua cidade natal, Jacksonville. Mais explicitamente ligado ao hip-hop do que a maioria das bandas da Califórnia, o vocalista usava o seu estatuto de forasteiro.
«Nós éramos a ovelha negra – ou a ovelha branca», diz Durst. «Não éramos muito hip-hop, não éramos muito metal. Simplesmente não queríamos saber, e tentámos sempre dizer isso de forma descarada. Acho que essa foi uma das coisas que se tornou antipática em relação a nós.»
Os Limp Bizkit podiam estar localizados a 3000 milhas de Los Angeles, mas tornaram-se membros honorários dessa nova fraternidade de desajustados depois de Durst dar a demo da sua banda aos Korn quando estes tocaram em Jacksonville.
Saltaram a bordo exactamente na hora certa. A cena foi ganhando força lentamente: os Korn lançaram o seu álbum de estreia em Outubro de 1994, a estreia dos Deftones, “Adrenaline”, ocorreu exactamente um ano depois.
A coisa ganhou mais força quando os Sepultura lançaram “Roots” no início de 1996. A faixa “Cutaway” incluiu Jonathan Davis, dos Korn, e DJ Lethal, dos então desconhecidos Limp Bizkit, ao lado do inconsciente padrinho da cena, Mike Patton dos Faith No More.
Quando os Limp Bizkit lançaram o seu álbum de estreia, “Three Dollar Bill, Y’All”, em 1997, as coisas estavam a acelerar tão rápido que tudo o que Fred Durst podia fazer era segurar o seu boné de baseball vermelho.
«Apenas aconteceu», conta. «Não tivemos tempo para prestar atenção. Eu mentia literalmente sobre qualquer coisa para manter a banda em andamento. Ríamos todos os dias do facto de [a banda] existir.»
Fred pode ter-se apresentado rapidamente como o capitão do nu-metal, mas insiste que, por detrás do fanfarrão sem papas na língua com boné de baseball, havia um homem tímido e inseguro, ainda com cicatrizes mentais do bullying. O sucesso florescente da sua banda foi um enorme ‘foda-se’ para todas as pessoas que fizeram da sua vida um inferno.
«Arruinaram a minha vida, e pensei que também arruinariam a vida dos nossos fãs», diz. «Achei mesmo que as pessoas se estavam a identificar com a minha origem – um tipo que finalmente conseguiu levantar-se e contra-atacar. A ironia é que os agressores começaram a gostar da música.»
Esse sentido de outsider – pessoal e musical – criou camaradagem entre as bandas.
«Sempre que os Coal Chamber tocavam, eu ligava aos System [Of A Down] para abrirem para nós», conta Dez. «Nos início, antes de se tornarem populares, os Limp Bizkit passavam para dizer olá. Quando os Coal Chamber fizeram o primeiro disco, o Fieldy, dos Korn, chegou e emprestou o seu material ao Rayna [baixista original de Coal Chamber].»
Em mais lado nenhum essa mentalidade de gangue era mais forte do que no Ozzfest. Fundado em 1996 como um mini festival de um dia em digressão por três cidades diferentes, tornou-se, no ano seguinte, num circo itinerante de enorme sucesso e um pára-raios para freaks e weirdoes no palco e fora dele.
«O Ozzfest foi incrível», diz Dez. «Foi a primeira vez que os Estados Unidos viram algo parecido. ‘O que queres dizer com podermos ir ver 30 bandas?’ Aqueles miúdos que gostam muito de música, que vão para a escola vestidos como as bandas que gostavam e que provavelmente levaram por tabela por isso, foram as que nos vieram ver. Queriam sentir que tinham algo próprio. Sentir que pertenciam a algo mais poderoso do que eles mesmos.»
O sucesso fora-da-caixa do Ozzfest gerou uma série de digressões semelhantes, mais notavelmente a extravagante Family Values, dos Korn, que começou em 1998. Os Limp Bizkit tocaram nos dois eventos e tiveram um papel fundamental no crescente hedonismo que marcou o início da fase imperial do nu-metal.
«Sou um tipo que não conseguia abanar um pau às miúdas bonitas e fazê-las namorar comigo», diz Fred. «Fui disso para salas cheias de pessoas que fariam qualquer coisa por mim. Tentei divertir-me o máximo que pude. Houve momentos de loucura em que eu simplesmente não conseguia acreditar no que estava a acontecer. Lembro-me de uma vez em que estavam umas 15 miúdas curvadas e havia uma outra com uma tigela de morangos a pô-los nos rabos delas. Estávamos todos a ver e a dizer: ‘O que raio está a acontecer? Esta merda não acontece fora dos vídeos dos Mötley Crüe.’»
Após Ozzfest e Family Values, as comportas rebentaram. O nu-metal tornou-se uma proposta verdadeiramente mainstream. O “Follow The Leader” dos Korn e o “Significant Other” dos Limp Bizkit foram grandes sucessos mundiais, abrindo caminho para uma nova onda de bandas que seguiam as suas pisadas.
Havia Static-X de Chicago, cujo vocalista, o falecido Wayne Static, exibia um penteado que fazia lembrar o resultado de um bizarro acidente eléctrico. Havia Orgy, um bando de refugiados do hair-metal com eyeliner à Duran Duran em macacões de couro. Havia Snot, Human Waste Project, Videodrone, Adema e inúmeras outras bandas há muito esquecidas, todas com a sua própria truque ‘maluca’, todas a apontar ao ‘weirdo’.
A mais insana de todas era uma banda de nove elementos vinda do Midwest americano que usava macacões e máscaras de terror e que cheiravam os odores de pássaros mortos antes de subirem ao palco.
Os Slipknot eram uma experiência incrível a todos os níveis, e acabariam por manter a bandeira dos freaks a esvoaçar quase sozinhos durante os anos 2000. Mas, mesmo quando estavam a criar o seu nome, os espectadores mais astutos começaram a notar os avisos.
«Estava a começar a apagar-se», diz Dez. «Havia uma certa banda, e não vou dizer qual, que lançou um disco, e quando o ouvi, eu disse: ‘É isto – a cena está morta.’»
Fora uma banda de nu-metal que finalmente espetou a estaca no coração da cena que a gerou. Em 2000, os Linkin Park lançaram o seu primeiro álbum, “Hybrid Theory”. Foi um sucesso instantâneo, vendendo 5 milhões de cópias em 12 meses (as vendas excederam os 10 milhões).
Os Linkin Park soavam a uma banda de nu-metal, mas pareciam uma boy-band. Não diziam palavrões, não bebiam e, certamente, não enfiavam morangos no rabo de ninguém.
A desvantagem do seu sucesso foi o facto de elevar as expectativas a níveis irrealistas, sugando o oxigénio da sala e deixando todos os outros a ofegar por ar. Uma banda como Coal Chamber, que parecia e soava como uma explosão numa fábrica de pregos, não teve hipótese nesse novo clima hiper-comercial.
Os excessos pessoais e químicos dos últimos anos não ajudaram e estavam a começar a cobrar o seu preço. Os membros de Korn e Deftones batalhavam contra o vício da droga, assim como três-quartos dos Coal Chamber, que se separaram após o terceiro álbum “Dark Days”. «As drogas e a merda do dinheiro estavam a destruir-nos», diz Dez.
Os Limp Bizkit tinham os seus próprios problemas. O terceiro álbum, intitulado “Chocolate Starfish And The Hotdog Flavored Water”, foi um grande sucesso em 2000.
Mas para cada pessoa que os adorava havia 10 que os odiavam – e especialmente que detestavam Fred Durst. Um deles era o próprio guitarrista, Wes Borland, que saiu em 2001, em parte por vergonha daquilo que a banda se tinha tornado.
«Havia um monstro, e tinha um boné vermelho», admite Fred. «Eu pensava: ‘Aquele gajo? Quem caralho é ele?’ Era como o Tyler Durden, do “Fight Club”.»
Foi o desastroso álbum de 2003, “Results May Vary”, que, sozinho, derrubou o fundo do que restava da cena. Foi um fracasso, e os Limp Bizkit eram homens de ontem. «Fomos para o underground», diz Fred simplesmente, embora se possa argumentar que a decisão foi dele.
Nos anos seguintes, o nu-metal tornou-se uma palavra suja. Independentemente disso, algumas bandas continuaram (Korn, Limp Bizkit), outras esconderam-se sabiamente (System Of A Down), algumas reinventaram-se como bandas de rock n’ roll mais directo (os chegados mais tarde Papa Roach). Algumas, como Slipknot, até conseguiram manter-se numa trajetcória ascendente, embora estivessem firmemente em minoria.
Mas depois aconteceu uma coisa estranha. A passagem do tempo e a falta de uma cena decente para desajustados conspirou para criar uma nostalgia pelo nu-metal. A programação do Download de 2013 contou com Korn, Slipknot, Limp Bizkit e os reformulados Coal Chamber. Mais recentemente, bandas novas, como Cane Hill, utilizaram descaradamente as suas influências no nu-metal.
«Olho para trás e vejo o quão significativa é esta merda», diz Dez Fafara. «Algumas das maiores bandas do planeta actualmente são dessa cena – Slipknot, Korn, System Of A Down. Vieram todas dessa cena. E a razão disso era por ser tão diferente. A música, a aparência, as pessoas. Havia algo naquela cena que era real até ao tutano. E estávamos orgulhosos por fazer parte disso.»
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Consultar artigo original em inglês.
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