O novo álbum dos The Ocean escreve-se com os pés bem assentes na terra, numa dimensão transcendental, aventureira e meditativa, raízes no rock progressivo...

Editora: Metal Blade Records
Data de lançamento: 25.09.2020
Género: post-metal
Nota: 4.5/5

O novo álbum dos The Ocean escreve-se com os pés bem assentes na terra, numa dimensão transcendental, aventureira e meditativa, raízes no rock progressivo e asas avant-metal.

De acordo com “Mean Deviation: Four Decades of Progressive Heavy Metal”, leitura recomendada da autoria de Jeff Wagner, um dos editores da extinta publicação Metal Maniacs, a corrente progressiva alastra pelo heavy metal em combustão contínua há mais de 40 anos. “Phanerozoic II: Mesozoic”, o novo álbum do colectivo berlinense The Ocean, tem uma nova palavra, mais uma acha para a fogueira com qualquer coisa cósmica a acrescentar.

Em 2020, o novo dos The Ocean, de Robin Staps, está para para o heavy metal como a estreia “On the Sunday of Life” dos Porcupine Tree, de Steven Wilson, estaria por volta de 1992 – ou seja, numa relação complicada.

Não sabemos se é de opinião geral, mas o avistamento da categoria ‘álbum conceptual’ causa alguma aflição – ou vem daí um álbum obrigatório e incontornável ou uma seca fenomenal e pretensiosa. No caso deste disco, ganha a primeira. O conceito anda à volta da Pré-História e da geologia, áreas do conhecimento da preferência de Stabs, com incidência no período Mesozóico: era geológica (há aproximadamente entre 250 e 65 milhões de anos) que sucede o Paleozóico e precede o Cenozóico e que inclui o Cretácico, o Jurássico e o Triásico, caracterizada pelo domínio dos répteis e pelo aparecimento das aves e dos mamíferos didelfos (vidé cábula Priberam). Acrescente-se-lhe ainda o amor fati e a teoria do eterno retorno na filosofia de Nietzsche, o omen apocalíptico da extinção do planeta por causas naturais e a ambiência de “Melancholia” do realizador Lars Von Trier, e teremos uma ideia mais completa sobre o que se espera: uma banda-sonora para a nova metamorfose ou a morte anunciada do planeta tal como o conhecemos, numa viagem em espiral pelo caldeirão atmosférico do rock progressivo em tecnicolor.

Para além de Robin Stabs, o colectivo apresenta nesta gravação Paul Seidel (bateria), o maestro dos teclados Peter Voigtmann, Mattias Hägerstrand (baixo), David Ramis Ahfeldt (guitarra) e o vocalista Loïc Rossetti. O álbum gravado entre Alemanha, Espanha e Islândia, produzido pelo guru Jens Bogren, conta ainda com as participações de peso de Jonas Renkse, vocalista dos Katatonia, no magistral e épico “Jurassic | Cretaceous”, e de Tomas Hallbom, vocalista dos sludgers suecos Breach, uma presença já habitual na discografia dos The Ocean. A encerrar esta introdução convém ainda referir os The Ocean como os responsáveis por uma certa editora de nome Pelagic Records.

O rebuscado padrão aplicado à inaugural “Triassic” reflecte a substância primordial na coluna dorsal do álbum – as vozes robotizadas, gritadas noutras partes, o recurso à electrónica sobre estruturas rock e os elementos étnicos evocativos do world beat que servem a faixa introdutória são uma constante ao longo do segundo volume do conceptual ”Phanerozoic II: Mesozoic”.

A faixa número dois, “Jurassic | Cretaceous”, é uma composição rebuscada, dinâmica e elegante que repete a estética retro-futurista do primeiro tema, avançando numa combinação de numerosas variações rítmicas bem organizadas, teclados mágicos com melodias orelhudas e uma interpretação lírica de fraseado pop numa crescente agressividade. A secção rítmica e os riffs bem pesados coexistem alternando harmonicamente com a subtileza dos arranjos que integram uma amálgama de referências e com o refrão de um gancho poderoso – «We are just like reptiles, giant rulers of the world. Within the blink of an eye wiped off the face of the Earth» –, enquanto o resto se faz de paisagens enevoadas, com um tique à Prodigy lá pelo meio.

“Palaeocene” mete a terceira e faz com que os The Ocean disparem, e aceleram na direcção do sludge e post-hardcore num tema mais rápido e incisivo, contrastando sempre com momentos de calmaria. A seguir vem “Eocene” com pop a gravitar na esfera do progressivo, demasiado mole e fofinha para os mais dados a outras pedaladas, numa toada muito próxima à sonoridade dos Blasted Mechanism ou dos Primitve Reason na segunda metade dos anos 1990.

“Oligocene” continua a abrandar e mergulha-nos num instrumental down-tempo com as janelas escancaradas sobre atmosferas pós-apocalípticas, cinemáticas e contemplativas. “Miocene/ Pliocene” começa numa gritaria abafada e arrastada, saída das profundezas, para dar lugar à entrada de um refrão pop-zinho capaz de inflamar um pavilhão de isqueiros em ondulação. “Pleistocene” traz o álbum de volta ao planeta prog com um placebo algo melado que embala para uma dança até começar a galgar terreno e culmina em ritmos maléficos e speedados entre o sludge e a cacofonia black metal. “Holocene” é o tema final que ameaça trovoada para logo descambar com as falinhas mansas dum Peter Gabriel na fase “Games Without Frontiers”, antes de encher o bolso para depois investir nas músicas ritualistas dos mundos, numa conclusão com uns pozinhos de electrónica e teclados a emular uma secção de cordas, que tanto assenta bem em festivais de rock progressivo, post-punk gótico ou ethno-metal.

O oitavo volume nos 20 anos duma existência discreta, que tem vindo a escapar à visibilidade mediática do metal contemporâneo, escreve-se com os pés bem assentes na terra, numa dimensão transcendental, aventureira e meditativa, raízes no rock progressivo e asas avant-metal. Se isto vos parecer demasiado elitista, é porque é.