Desde saltar comboios até Burn The Priest, o vocalista dos Lamb Of God é um herói acidental do metal. David Randall Blythe, mais conhecido...

Desde saltar comboios até Burn The Priest, o vocalista dos Lamb Of God é um herói acidental do metal.

David Randall Blythe, mais conhecido por todos como Randy, tem testado os limites do heavy metal desde que, em 1995, se juntou a uma banda que se tornaria Lamb Of God. Aqui, revela-nos tudo sobre encontrar o seu caminho na vida através do punk-rock, as injustiças no mundo que o deixam furioso, e porque, no fundo, ainda é um nerd…

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Onde e quando nasceste?
A 21 de Fevereiro de 1971 em Fort Meade, Maryland. Estávamos numa base do exército, pois o meu pai estava na Força Aérea. Não estivemos lá muito tempo.

De que tipo de família vens?
Os meus pais separaram-se quando eu era novo, mas foi uma coisa boa – não houve discussão sobre a custódia nem nada; eram ambos óptimos pais, simplesmente não dava certo. Quando eu estava na quarta classe, mudei-me para a Virgínia com o meu pai e os meus irmãos, e durante uns anos morámos numa quinta com a minha avó. Foi muito porreiro. O meu pai trabalhava muito, por isso, com a minha avó, tive que criar os meus irmãos.

Eras um bom irmão mais velho?
Eu era muito protector, certificava-me que eles faziam os trabalhos de casa e que ficavam longe de problemas. Nem sempre fui o melhor modelo, mas as minhas intenções eram boas.

Como eras enquanto crescias?
Entrei no punk-rock por altura do sexto ano e, antes disso, tentei dar-me com toda a gente, tentei encaixar-me. Mas eu era um bocado nerd e não tínhamos muito dinheiro. Quer dizer, não vivíamos num barraco ou assim, mas certamente não éramos ricos. As crianças podem ser um bocado cruéis se não vestires as últimas roupas ou assim, porque elas são criadas por idiotas mesquinhos, que os ensinam a serem idiotas mesquinhos. Então tentei dar-me bem com toda a gente, mas as pessoas não eram amigáveis ​​comigo. Nunca fui popular nem nada; então, quando entrei no punk era do tipo ‘que se f*da toda a gente’ e ficou a ser assim.

Eras um nerd como?
Meu, eu ainda sou um nerd. Ainda jogo Dungeons & Dragons – é assim tão profundo. Eu não era assim com desporto. Fiz luta; estive um tempo nisso, mas eu não era o tipo que jogava futebol, eu lia livros. Trabalhei num bar e lembro-me que o barman disse-me uma vez: ‘Randy, se a biblioteca vendesse cerveja, nunca te veríamos.’ Tive sempre o meu nariz num livro e ainda o faço. Não entenderia a vida sem livros, isso deixar-me-ia de fora. Sim, Dungeons & Dragons, livros, banda-desenhada, óculos grossos… Nada mudou.

Como entraste no punk?
Estava no sexto ano e naquele Verão fui para um acampamento de nerds, que era para alunos ‘dotados e talentosos’, e nessa altura eu gostava de música, mas só tinha acesso ao que passava na rádio. Um rapaz chamado Jason deu-me uma cassete com “Never Mind The Bollocks…” de um lado e Bob Marley do outro. Gostei do Bob Marley, continuo a ser um grande fã de reggae, mas com o “Never Mind…” fiquei tipo: ‘Uau, isto é a sério, estas pessoas estão chateadas.’

Ser um punk não facilitava a adaptação?
Antes de poderes comprar o teu uniforme gótico ou punk-rock pré-fabricado no shopping, tinhas que trabalhar muito para encontrar música alternativa. Não havia Internet, nem Amazon – demorou um pouco e foi praticamente um compromisso. Pareço um velho amargo, mas tenho saudades daqueles dias. Os Nirvana e os Green Day apareceram, e, de repente, todos os miúdos do mundo pintaram o cabelo de verde. Isso modificou o underground como era. Naquela altura, se fosses um freak e se te vestisses como um freak, serias tratado como uma aberração [freak].

Houve muitos confrontos?
Sim, houve muitos conflitos e lutas. Conflitos verbais a toda a hora; estava sempre alguém a dizer merda. As pessoas temem o que não entendem… Infelizmente, a maioria dos seres humanos tem essa mentalidade ignorante, creio eu. Mas comecei a ir aos concertos com 14 ou 15 anos e conheci outras pessoas que eram como eu. A principal razão pela qual vim para a escola em Richmond foi por ter uma grande comunidade musical. Ia lá pelos concertos há muito tempo e mudei-me para lá sob o pretexto de ir para a faculdade, mas realmente queria era sair e ir a concertos.

Gostaste da faculdade?
Foi maravilhoso com’ó c*ralho. Morei nos dormitórios no primeiro ano e, por acaso, não fui expulso. Nunca cheguei a terminar a faculdade – acho que ainda estou na faculdade, provavelmente tenho uma cadeira para fazer ou algo assim – mas foi óptimo, havia concertos todas as noites da semana – se não era num bar, era em festas caseiras.

Morar em Richmond teve uma grande influência em ti como pessoa?
Toda a gente estava a fazer música. Havia grandes lojas de discos, grandes livrarias e toda a gente estava a fazer alguma coisa – arte, escrita, pintura, escultura, zines. E todos eram muito sérios naquilo que faziam. Não estavam a tentar ficar ricos ou famosos, apenas faziam a melhor arte que conseguiam. Foi muito inspirador ver pessoas a fazer as suas próprias coisas, a pensar por si mesmas, a não viver extravagantemente e a estarem perfeitamente bem com isso, a serem felizes.

A cidade é casa de muitas bandas respeitadas. Estavas em contacto com muitas delas?
Vi GWAR quando era adolescente e são bons amigos até hoje. Quando os vi pela primeira vez, não os conhecia e fiquei tipo: ‘Oh meu deus, o que é isto?!’ Eles eram um mistério para mim, com as máscaras e tudo isso, mas com o passar do tempo percebes que eles eram apenas os gajos que viste no bar ou no trabalho. Eu morava perto da antiga casa dos Avail – eles vieram do norte da Virgínia e construíram a sua própria cena em seu redor. Chegou a um ponto em que já nem dava para vê-los em Richmond porque esgotavam, então tinham festas particulares na casa deles.

Como é que começaste a ser vocalista?
Eu era amigo de toda a gente com bandas, e havia uma, os hose.got.cable, em que eu cantava ocasionalmente porque conseguia fazer a voz do metal. Eventualmente, o meu amigo de Burn The Priest, que se tornou Lamb Of God, disse: ‘Devias experimentar a minha banda’, mas naquela altura eu saltava comboios por todo o país, de cócoras e coisas assim, e disse-lhe: ‘Oh vou viajar no Verão, falo contigo quando voltar.’ Voltei dois meses depois e, naquela noite, fui vê-los tocar e disse à minha namorada de então: ‘Esta banda é incrível, esta é a banda na qual eu vou cantar.’ Assim, tomei a decisão de entrar na banda – eles nem tiveram escolha! Mas é claro que eu não fazia ideia de que isso se tornaria minha vida, era apenas uma coisa para fazer.

Alguma vez imaginaste que a banda se tornaria tão grande?
F*da-se, não, pá! Quando formámos a banda, estávamos juntos e bebíamos cerveja. Talvez tocar num bar ou sair da cidade ocasionalmente. Tudo aconteceu muito devagar e organicamente.

Foi difícil fazer as contas baterem certo nos primeiros tempos?
Vinha de uma digressão de seis semanas, sem ter ganho nenhum dinheiro, saía do autocarro e ia directo para o meu dia de trabalho no restaurante, porque tinha contas para pagar. Mas era normal, toda a gente em Richmond fazia isso, então nunca era do tipo: ‘Ah, estou a fazer um grande sacrifício.’

Tem sido difícil equilibrar a vida familiar e uma banda de sucesso?
Sim, é difícil. É uma curva de aprendizagem, aprendo à medida que avanço, e a minha esposa também, creio eu. Acabamos uma digressão mundial, estou em casa três semanas antes de sair novamente em tour e demoro uma semana para superar o jet lag. A minha esposa é muito, muito paciente comigo, ela sabe que estou cansado, mas, ao mesmo tempo, assim que volto, os meus amigos querem sair, a minha família quer sair, tento ter tempo para a minha esposa, ainda dou entrevistas e tento encontrar tempo para mim. Então é difícil. Felizmente, todas as mulheres com quem casámos são excepcionais e estavam connosco antes de sermos famosos ou o que quer que seja.

Apesar de todo o sucesso, mantiveste-te bastante franco. Sentes que o punk-rock ainda está dentro de ti?
Absolutamente, pá. Mantive essa atitude – não há nada de errado com isso. É tudo maluco quando tens 16 anos, simplesmente sou mais doido do que a maioria. Mas eu sentia raiva por tudo de uma maneira estúpida. À medida que envelheço percebo com o que vale a pena estar chateado. Há muita injustiça e coisas f*didas a acontecer, e as pessoas deviam ficar passadas. Há raiva justificada, simplesmente não podes deixar isso acontecer. Esse é um dos problemas que eu vejo no mundo: as pessoas não são loucas, estão vendadas e, desde que tenham as coisas que precisam para se manterem na sua zona de conforto, f*da-se o resto.

O que faz o adulto Randy Blythe chatear-se?
A maior miséria que vi em toda a minha vida foi na Indonésia. Pode alugar-se um bebé por dois dólares para se ir mendigar com ele. Isso diz algo sobre a pobreza e o valor da vida humana. E isto é à escala global. Muitos sítios não têm água potável nem electricidade. Acho que as pessoas precisam de perceber a realidade e que há muitas coisas no mundo que precisamos de consertar. Estou bastante enojado com muitas pessoas que só pensam em si mesmas.

Consultar artigo original em inglês.

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