Tommy Bolin, um dos grandes virtuosos da guitarra, acabou por passar por esta vida de forma muito discreta.

Tommy Bolin, um dos grandes virtuosos da guitarra, acabou por passar por esta vida de forma muito discreta. Bolin é um nome pouco conhecido, mas basta mencionar que foi o escolhido para encabeçar a guitarra num dos mais bem-sucedidos projectos do rock, bem como a principal colaboração num dos mais importantes discos do jazz fusion e até para substituir o insubstituível, num dos nomes mais lendários do rock e do metal.

Como tal, este artigo inicia-se quase pelo fim, pois é o fim da sua carreira que chamou mais a atenção da crítica e dos conhecedores de música, muitas vezes ignorando aquele que é um dos mais brilhantes percursos do rock, que peca apenas pela sua brevidade. Graças aos seus feitos do passado, Ian Paice, Roger Glover e Jon Lord decidem tomar um dos passos mais arriscados das suas carreiras, escolhendo um rapaz de 24 anos para o lugar do desistente Blackmore, que decide bater com a porta para formar os Rainbow, apenas para regressar à banda em 1984.

Tommy Bolin, sendo verdadeiramente justo, era já reputado como um prodígio e, para as gentes do meio do rock, o rapaz tinha um potencial tão grande que poderia vir até a ser maior do que o deus Ritchie Blackmore. Em 1975, é oficializada a escolha de Tommy Bolin para o lugar de Blackmore para, de imediato, participar no mais subvalorizado álbum da banda, “Come Taste The Band”. Para além de ser o longa-duração necessário aquando da saída de alguém tão importante como Blackmore, “Come Taste The Band” serviu para abalar as fundações de uma banda que parecia estar a conformar-se e, para o bem e para o mal, parecia estar a ajustar-se às modas do seu fundador, apesar de todos os seus méritos. É preciso não esquecer as emotivas “This Time Around” e “You Keep On Moving”, bem como as frenéticas “Dealer” e “Lady Luck” ou até o valor de “Comin’ Home” e “I Need Love”, esta última bem à medida da voz de Coverdale. O talento de Bolin era já tão grande que, pouco após a sua entrada, ele mesmo compôs mais de metade deste álbum. A verdade é que as digressões eram poucas e o álbum acabou por não receber o reconhecimento que merecia. Isto, mais a dependência de drogas de Bolin, fez com que os Deep Purple acabassem por suspender actividades, que coincidiu com o lançamento do segundo e último álbum a solo de Tommy Bolin.

Mas, ainda antes deste ano maravilhoso de 1975, Bolin funda os tóxicos Zephyr, onde, com 18 anos apenas, lança o homónimo primeiro disco da carreira, obtendo sucesso para um segundo intitulado “Going Back to Colorado”. Mas o melhor ainda estava para vir, com a chamada para um grupo que viria a ser o seu primeiro grande projecto de colaboração, não antes de fundar a banda Energy que não chegou a produzir conteúdo com Bolin vivo.

Billy Cobham, o lendário baterista de jazz fusion, vê talento em Bolin devido ao seu trabalho nos álbuns de 1973 e 1974 de The James Gang, uma das bandas de rock mais importantes dos finais dos anos 1960 / inícios dos anos 1970. Ora, é nesta colaboração com Cobham que Tommy acaba por revelar uma veia artística mais enlouquecida, compondo faixas realmente doentias que inovam na sua estrutura e rebeldia instrumental, bastando-se atentar à insana faixa de abertura “Quandrant 4”, que figura uma das mais imponentes e complexas composições de guitarra alguma vez ouvidas, bem como as incríveis “Red Baron”, “Stratus” e “Taurian Matador”, perfazendo um fantástico disco de jazz fusion que viria a inspirar toda uma geração. No entanto, o percurso de Bolin viria a ser repleto de sucesso, mas apedrejado pela sua forte dependência de drogas, que viria a marcar prementemente o seu futuro. O ano de 1973 já é bom com a afirmação do guitarrista nos The James Gang com “Bang” e a participação de “Spectrum” de Billy Cobham; no entanto, 1974 parecia vir a ser melhor com o lançamento, pelos The James Gang, de “Miami”, que conta com excelentes momentos de guitarra protagonizados por Bolin. A isto, o artista junta mais duas colaborações com a banda Moxy e Alphonse Mouzon, outro baterista de jazz, com “Mind Transplant”.

Muito do que se passou em 1975 já foi referido acima, com a entrada do guitarrista nos lendários Deep Purple, mas foi também um ano que marcou a carreira de Bolin com o lançamento do seu álbum de estreia, “Teaser”. Num conjunto de nove faixas, Bolin e um grande leque de músicos de sessão (Phil Collins, Glenn Hughes, etc.) acabaram por criar um disco repleto de emoções e criatividade, cheio de juventude sobressaída pelo talento e vivacidade de uma época de rebelião contra o sistema. Bolin acaba por incorporar exactamente isso em “Teaser”, demonstrando que, para lá do seu talento para a guitarra, era também dono de uma das vozes mais angelicais e afinadas da indústria musical. Curiosamente, é um disco difícil de ouvir, carregando consigo uma aura de tragédia, sobretudo para quem o ouvir agora.

“Teaser” não teve o impacto que deveria ter tido; portanto, Bolin nunca o pôde promover devidamente, graças ao seu trabalho nos Deep Purple. Ou seja, o guitarrista morreu em 1976, sem ter colhido os frutos do seu trabalho a solo. Apesar de tudo isto, e após a suspensão de actividades dos Deep Purple, sai o sucessor de “Teaser” – “Private Eyes” é um álbum mais produzido e refinado, com uma faceta mais intimista. Qualitativamente, “Teaser” é melhor do que “Private Eyes”, acabando por mostrar um Bolin mais eléctrico e polivalente nas suas composições, ao mesmo tempo que consegue sobressair mais a sua veia emotiva. As faixas “The Grind”, “Savannah Woman”, “Marching Powder” e “Wild Dogs” mostram que Bolin era um dos mais fantásticos compositores e vocalistas do rock, criando realidades dentro das suas próprias faixas com uma sonoridade totalmente intemporal e cheia de guitarradas intensas e penetrantes. Já a faixa “People, People” introduz os ouvintes a um Bolin diferente, mais intimista e preocupado com a realidade, ao simbolizar e homenagear uma luta interna. “Homeward Strut” e “Lotus” conseguem modificar a sonoridade de um disco sem serem completamente diferentes das faixas mais ‘pesadas’ de “Teaser”. “Dreamer” é um tema estrondosamente emotivo que faz Bolin transportar-se para uma realidade muito diferente, mas que serve de condutor para o “Private Eyes”.

O segundo disco continua o que foi iniciado em “Teaser”, com uma produção mais trabalhada, mas contendo as mesmas variantes que demarcaram a sua carreira. A quase épica “Post Toastee” acaba por simbolizar muito um disco complexo e criativo, revelando outra inovação do guitarrista ao produzir uma faixa tão longa. Igualmente, “Hello, Again” e “You Told Me That You Loved Me” revelam, de novo, a veia emotiva do guitarrista, algo que o mesmo nunca quis ignorar nem esconder. O rock existente em “Private Eyes” é muito mais soft do que hard, as faixas são mais românticas e com uma mensagem mais privada. Mas não se deve desvalorizar temas como “Shake the Devil” e “Bustin’ Out For Rosey”, que apresentam o Bolin mais alucinado, marcando a sua carreira com um rock muito trabalhado e tóxico.

Bolin era também um americano de gema, pois é um dos grandes motivadores do American hard rock e do movimento de revolta que existia na altura. Ao pensar no seu trajecto, “Dreamer” é uma faixa que quase resume a sua carreira. Tommy Bolin morreu aos 25 anos, vítima de overdose, uma vítima do seu próprio génio. Nunca saberemos o que seria a carreira deste prodígio se não tivesse sido levado cedo demais. Bolin era um sonhador que fazia sonhar outros com o seu rock inovador e um talento demasiado grande para ser ignorado. Apesar da tenra idade, o artista teve uma vida cheia e uma carreira ainda mais cheia com enormes sucessos, colaborações importantes e álbuns que marcaram a história da música.

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