O nascimento demoníaco de Morbid Angel: «Fazíamos rituais para invocar os deuses»
Artigos 10 de Abril, 2021 Metal Hammer
Nos pântanos da Flórida, no início dos 80s, algo maligno estava a mexer-se. O seu nome era Morbid Angel.
Para o metal, 1983 foi o ano em que as coisas realmente ficaram sombrias. O thrash nasceu, os álbuns de estreia de Metallica e de Slayer estabeleceram novos padrões de intensidade que uma série de ávidos aspirantes procuraram superar instantaneamente. Na Bay Area de São Francisco, o berço do thrash, um grupo de adolescentes com borbulhas chamado Possessed estava a dar ar de si com o termo “Death Metal” a ser um bom título para uma maquete. Este rótulo orgânico – e o som intenso, opressor e ensanguentado que isso descreve – pegou lentamente nos EUA à medida que 1983 progredia: os Master emergiam em Chicago e os Necrophagia no Ohio, enquanto na ensolarada Flórida os futuro líderes da cena reuniam-se em salas de ensaio sufocantes para desancar todos os limites de gosto e velocidade que restavam.
Na cidade de Orlando, o entusiasta de vídeos Chuck Schuldiner, com 16 anos, formou Mantas (tornando-se Death um ano depois), cujas abafadas cassetes dos ensaio teriam consequências desproporcionalmente transcendentes. Em Tampa, o génio da guitarra George Emmanuel III, de 18 anos – que em breve se chamaria Trey Azagthoth –, começou a tocar com o único metaleiro com fixações no ocultismo da Henry B. Plant High School, o baterista Mike Browning.
«Chamámos Ice à banda, como os ventos gelados do abismo», explica Mike. «O nosso primeiro concerto foi num concurso de talentos na escola. Improvisámos algumas versões, como Judas Priest e Scorpions.»
Era um começo humilde e familiar, mas logo depois a banda iniciante estava a fazer covers de “Black Funeral” dos Mercyful Fate, “Baphomet” dos Angel Witch e “Black Magic” dos Slayer. «O Trey e eu gostávamos de Necronomicon», enfatiza Mike, «portanto começámos a fazer rituais para conjurar essas entidades e a música realmente mudou. Tornámo-nos o porta-voz dessas entidades, e daí em diante tudo se resumia a fazer músicas que agradassem a esses deuses. Era como se eles nos concedessem a capacidade para tocar coisas que lhes fossem agradáveis, e era só isso que nos importava. Fomos consumidos».
Trey congelou Ice quando se mudou, juntando-se logo a uma banda chamada Death Watch e trazendo Mike para o grupo. Mike lembra-se da primeira música original de Trey: «Provavelmente, a primeira que aprendi chama-se “Dying in the Dead Zone”. Há uma gravação pirata por aí com algumas músicas de Death Watch.» Com apenas uma citação online, esta fita de Death Watch deverá representar o material mais raro que existe relacionado a Morbid Angel.
No final de 1983, Trey tinha assentado noutro nome: Heretic – que foi abandonado quando uma banda com o mesmo nome surgiu em LA. Quando um amigo disse a Trey que a sua música soava a mórbido, aconteceu aquele momento em que lâmpada acende por cima das nossas cabeças e, como Morbid Angel, o quarteto começou a forjar ligações com conhecidos da Flórida.
«Na altura, era o Trey que tratava do correio e da troca de cassetes, por isso ele estava mais interessado nas bandas mais recentes do que eu», diz Mike. «Mas nós conhecíamos e tocávamos com todas as bandas locais, como Executioner [depois Obituary], Nasty Savage, Mantas e Ravage. Éramos a única banda ocultista – todas as outras eram mais imagem do que realidade, portanto estávamos no nosso próprio pequeno reduto.»
A troca de cassetes, o fenómeno antes da partilha de conteúdos através da Internet, estava a entrar na sua era de ouro quando centenas de bandas que tinham aparelhos de som e envelopes enviavam as suas gravações caseiras para todo o mundo, com cada uma a tentar superar o mais recente pandemónio agressivo e a lançar um movimento musical que continua até hoje.
«Metal sempre foi sobre superioridade, certo?», disse Monte Conner, A&R da Roadrunner Records, com direito a agradecimento no livrete da maquete de 1987 dos Morbid Angel, “Thy Kingdom Come”. «Como se tocar mais rápido e pesado e tornar tudo mais maligno… Havia speed/thrash metal a levar tudo a novas velocidades. Então, como superas isso? Adicionas vozes de death metal e fazes com que soe ainda mais pesado e mais maligno.»
Embora Evil Chuck estivesse a compor carradas de riffs do caraças em Death, os Morbid Angel provaram ser a presença mais magistral na cena da Flórida, mesmo enquanto passavam por uma variedade de vocalistas. O primeiro baixista, Dallas Ward, e o segundo guitarrista, Richard Brunelle, passaram pelas vozes, assim como uma namorada de Trey chamada Evilynn, Charles dos Death Watch e um «homem muito mais velho» chamado Kenny Bamber («ele tinha um enorme sistema de PA e luz, e disse que conseguia cantar como King Diamond», recorda Mike), que excentricamente abriu caminho através duma maquete de duas faixas em 1985 antes de sair.
No início de 1986, Mike assumiu as funções de vocalista ao mesmo tempo que tocava bateria num do metal mais extremo e mais exigente alguma vez criado. «Não queríamos experimentar mais pessoas, porque sabíamos o que queríamos», argumenta Mike. «Então eu disse que tentaria, porque já conhecia todas as letras e tinha a capacidade de cantar com a intenção de fazê-las funcionar e de ser verdadeiro quanto a isso. Não queríamos alguém ali a cantar palavras vazias sem nenhuma intenção por detrás delas.»
Há uma filmagem no YouTube dessa formação a tocar num bar em Rocky Point Beach, Tampa, em 1986, e é alucinante, especialmente a abordagem singular de Trey para convocar divindades ancestrais através das suas seis cordas. O material promocional inicial afirmava que Trey era um «demónio reencarnado» – vendo-se a abordagem orgiástica e alucinogénica deste homem para tocar guitarra nesta fase inicial, a afirmação parece totalmente plausível.
A primeira editora a interessar-se pelos recém-chegados foi uma independente chamada Goreque Records, dirigida por um tipo do Carolina do Norte chamado David Vincent. David financiou e produziu o que deveria ser o álbum de estreia “Abominations of Desolation”, garantindo que a química volátil desta formação fosse gravada para a posteridade. Mesmo assim, havia a preocupação de que essas gravações não tivessem alcançado o potencial da banda: «É difícil lembrar-me de qual foi a minha reacção, mas não devo ter ficado impressionado», avalia Monte Conner, «porque não tentei contratar a banda até ouvir o álbum “Altars of Madness”».
Na fanzine americana Deathcheese em 1991, Trey expressou a sua opinião sobre a gravação: «Não estava de acordo com os padrões e aprendi muito com isso», afirmou. «Um álbum de estreia vai marcar-te para o resto da vida… Não era bom o suficiente.»
Certamente, tumultuosos clássicos do género como “Chapel of Ghouls”, “Angel of Disease” e “Unholy Blasphemies” encontraram mais tarde uma forma ideal nos três primeiros álbuns da banda, com velocidade e habilidade aumentadas. Mas quaisquer que sejam os méritos dessa tentativa de estreia, logo após a sua gravação, os Morbid Angel desfizeram-se, perdendo o baixista John Ortega e o co-fundador Mike Browning. Na altura, Trey disse à Slayer Mag: «[Eles] eram péssimos, portanto despedi-os.» Mas Mike recorda um problema diferente: «Depois de ter apanhado o Trey com a minha namorada e de lhe ter batido, nunca mais foi a mesma coisa.»
“Abominations of Desolation” ficou na gaveta (tendo lançamento oficial em 1991) e a banda em farrapos. David Vincent ajudou Trey a montar uma nova formação, recomendando o baterista Wayne Hartsell, o baixista Sterling Von Scarborough e o vocalista Michael Manson. O último par durou tanto quanto era a norma para baixistas e vocalistas de Morbid Angel. Depois, finalmente, o próprio Sr. Vincent assumiu os dois papéis, com a sua estatura imponente, a destreza nas quatro cordas e um rosnado comandante, dando aos Morbid Angel o carismático frontman de que precisavam para se chegar ao próximo nível.
Com este experiente operador no comando, a banda gravou a maquete “Thy Kingdom Come”, de 1987, o primeiro assalto planeado à indústria, tendo sido enviada à imprensa com uma declaração de missão adequadamente sinistra: «A música é um tormento, a força é o poder, o método é a perfeição e o resultado é a MORTE! Isto é death metal como deve ser. Morbid Angel vive e morre com a febre do thrash!»
Trey localizou a peça final do quebra-cabeças quando ouviu as cassetes de ensaio dum grupo de grindcore de LA – os Terrorizer. Abananado pela barragem super-humana de Pete Sandoval, em 1988 o baterista foi caçado e levado de avião para a Flórida, para se familiarizar com um novo material exigente, tendo de se ajustar ao pedal duplo pela primeira vez. As capacidades de Pete tiraram o fôlego dos seus companheiros de banda. Assim que acertou os tempos, os outros tocaram-lhe uma música de uma banda que usava bateria electrónica e disseram que tinham encontrado um baterista mais rápido do que ele. Depois de um pouco de treino mais determinado, Sandoval igualou a máquina – batida por batida.
A formação Azagthoth / Vincent / Brunelle / Sandoval tornar-se-ia uma das bandas metal mais afiadas e divinas de todos os tempos, e, após seis anos de formações instáveis, editoras pouco agradecidas e desenvolvimento concertado, a estreia adequada, que foi “Altars of Madness”, alcançou o estatuto de lenda assim que saiu. O foco ocultista – decididamente fora de moda num ambiente metal do final dos 80s obcecado por sangue, guerra nuclear e males sociais do mundo real – provou ser diabolicamente sedutor para uma nova geração de metaleiros extremos e aterrorizante para a direita religiosa da América.
Apesar de títulos como “Blasphemy”, “Lord of All Fevers & Plagues” e “Bleed for the Devil”, os Morbid Angel repudiaram as acusações de adoração a Satanás, com Trey a explicar a sua filosofia à zine Deathcheese, o que ainda permanece como um conselho sólido: «O único motivo real para a nossa banda é que as pessoas façam o que quiserem. Para que as pessoas pensem e não se misturem com os outros. Faz as tuas próprias decisões e não faças as coisas porque são porreiras – faz porque gostas delas honestamente, não apenas porque te queres encaixar… Sê o seu próprio mestre.»
Consultar artigo original em inglês.
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