“Resilienz” é o testemunho de um músico que nos entrega muitas passagens gratificantes com um desfecho comovente misto de esperança e...

Editora: AOP Records
Data de lançamento: 28.08.2020 (digital) / 22.01.2021 (físico)
Género: post-black metal
Nota: 3/5

“Resilienz” é o testemunho de um músico que nos entrega muitas passagens gratificantes com um desfecho comovente misto de esperança e de resignação.

Entre o último LP lançado no início do ano passado e o próximo de Harakiri for the Sky, que sairá já em Fevereiro, JJ apresenta-nos mais um álbum do seu projecto Karg composto durante o confinamento que nos saqueou 2020. Para uns, a grande prova deste período estará na separação de familiares e amigos, para outros na conciliação de diferentes actividades no mesmo espaço fechado ou a monotonia dos dias. Isolamento e aprisionamento são conjugação infalível para o distúrbio emocional do qual nasceram as músicas que constroem “Resilienz”, escritas entre Abril e Junho.

Este registo é composto apenas por duas faixas: “Abbitt”, que chega perto dos 15 minutos, e “Lorazepam”, com mais 20. Em ambas, o tema melódico principal vai tendo mutações e ganhando novas velocidades, sem nunca ser muito previsível, conseguindo captar interesse ao longo da sua extensão. Esse resultado é especialmente garantido pela guitarra lead que nos conduz por detalhadas variações melancólicas e cristalinas. De acordo com a expectativa, o som do álbum é bem equilibrado, permitindo-nos observar, por exemplo, o trabalho na bateria que, embora não propriamente extraordinário, é bastante sólido, adicionando ao poder rítmico propriedades estéticas. Isso ajuda a compensar a lamentável ausência do baixo que passa despercebido, salvo um momento ou outro. Seja em Harakiri for the Sky ou em Karg, o cunho é marcado pelo timbre e pelo estilo vocal de JJ. Contrastando com as matizes da parte instrumental, a voz é franca, áspera e uniforme, o que corre sempre o risco de resultar em algo estéril não fosse a emoção ou conteúdo das letras cantadas no dialecto austríaco.

A primeira faixa, “Abbitt”, tem uma tónica atmosférica dada pelos teclados, e são as linhas de guitarra que realmente sustentam toda a peça. A participação de Nico Ziska (Der Weg Einer Freiheit) nos últimos minutos traz uma profundidade acrescida a uma musica repleta de sentimentos revolvidos. Segue-se então “Lorazepam”, que se anuncia como cura para a ansiedade vivida. O início é feito num registo mais calmo, que rapidamente acelera, encaminhando para um clima de certa tensão, com o êxtase iminente. Mas o que acaba por acontecer é a música abrandar para logo recuperar os ritmos mais rápidos e os riffs ansiosos. E, depois, outra vez é repetida a fórmula. Já passados os 14 minutos, ouvimos uma cadência melódica em desfecho e o silêncio. Contudo, este pouco dura, pois a música recomeça para formar aquele que será o momento mais memorável do álbum. Os últimos três minutos e meio chegam realmente como uma surpresa porque, depois de tantos altos e baixos, acaba por surgir uma segunda voz límpida a cantar em sinergia com a súbita mudança no ritmo, agora positivista.

De forma geral, “Resilienz” faz ligação com os trabalhos anteriores, apesar de ser bem mais homogéneo do que “Traktat”. Não é que tenha sido descartada totalmente a riqueza dinâmica, simplesmente, as paisagens que representa são de um mundo resumido a tons de cinza. As composições são bem trabalhadas e nenhum outro tom serviria melhor aos temas depressivos, de arrependimento e desgosto, mas a inovação ou a amplitude emocional parecem também elas estar confinadas conforme se repetem as audições.

Em suma, este é um EP pessoal e honesto a revelar-se mais como uma expiação do que como uma ambição criativa. Resiliência, além de ser a palavra que dá nome ao álbum, é uma prova de atitude que ressoa em cada um de nós, os que vivemos estes insólitos meses pandémicos. “Resilienz” é o testemunho de um músico que nos entrega muitas passagens gratificantes com um desfecho comovente misto de esperança e de resignação.