Jon Nödtveidt: onde descansam os anjos mortos
Artigos 28 de Junho, 2019 Diogo Ferreira
Conhecido por ser líder dos extintos Dissection (banda que influenciou a geração seguinte, em que se inclui Watain), Jon Nödtveidt, nascido a 28 de Junho de 1975, era mais do que um músico.
Após “Storm of the Light’s Bane” (1995), o sueco seria condenado, em 1997, a dez anos de prisão (tendo cumprido apenas sete) por ter participado no homicídio de Josef ben Meddour. De volta à liberdade em 2004, Jon envolver-se-ia com a Misanthropic Luciferian Order, uma seita que, com os seus escritos, influenciou o guitarrista/vocalista a compor “Reinkaos”, de 2006. Tiraria a própria vida a 13 de Agosto de 2006 com um tiro, mas não foi um mero suicídio. O acto terá acontecido dentro de um círculo de velas e ao lado do corpo foi encontrada uma grimória satânica (considerada a Liber Azerate), cenário que o guitarrista Set Teitan viria a tornar público quando mencionado que se tratava antes da Bíblia Satânica, de Anton LaVey. Provavelmente tratando-se de um acto programado, Jon Nödtveidt considerava que «o satanista decide a sua própria vida e morte, preferindo morrer com um sorriso nos lábios quando atinge o pico da sua vida, quando já realizou tudo (…). O satanista morre forte, não de idade, doença ou depressão, e escolhe a morte em vez da desonra! A morte é o orgasmo da vida!» (in “Metallion: The Slayer Mag Diaries”, de Jon Kristiansen).
Dissection
Storm Of The Light’s Bane
Nuclear Blast Records
1995
A morte chega a todos – umas vezes de causas naturais ou doença, outras vezes devido a acções de terceiros ou pela própria mão. Quando o black metal parecia ter chegado à sua fase adulta, em que as bandas se dedicavam mais a propagar a sua mensagem com a música e com concertos, Jon Nödtveidt tira a própria vida num suicídio ritualista. Para trás ficam anos de prisão, uma devoção a ordens obscuras e grandes álbuns, como “Storm Of The Light’s Bane”, de 1995, que aqui referimos como um dos melhores de sempre.
Por essa altura vivia-se intensamente tudo aquilo que se estava a passar na Noruega e o black metal sinfónico estava a dar os primeiros passos, não só no dito país como também em Inglaterra. Os Dissection também seguiram a veia melódica de um estilo que desde sempre, até àquele momento, se acreditava ser antagónico à beleza, mas não se refugiaram em teclados luminosos nem em orquestrações majestosas. Quiseram enveredar pela melodia, sim, mas sempre apoiados na construção de músicas criadas através dos instrumentos orgânicos – guitarra, baixo e bateria. Mesmo sabendo que “Reinkaos” (2006) é um disco puramente satânico com letras baseadas nas fórmulas mágicas da Misanthropic Luciferian Order, os Dissection nem sempre se focaram directamente nessa temática. As letras de “Storm Of The Light’s Bane” são negras e sombrias, mas não podemos afirmar que sejam satânicas – ou, pelo menos, ortodoxamente. Os versos aí incluídos são bonitos, inteligentes e fantasiosos até – as canções de “Storm Of The Light’s Bane” falam-nos dos poderes da noite, da solidão, da importância do sangue (a fazer lembrar vampirismo) e das faculdades imaginativas de se criarem seres e paisagens, não mostrando um Nödtveidt alucinado pela ordem religiosa a que pertenceria, mas mais um jovem com um talento enorme para escrever, não só letras como também músicas.
Este segundo álbum de Dissection é coberto por harmonias destemidas que sobem e descem, por vezes em espiral, para se criar uma dualidade entre melódico e ofensivo, entre o horror duma bateria rápida e a leveza de acordes acústicos. “Storm Of The Light’s Bane” não é unicamente black metal, pois existem abordagens ao death metal melódico sueco que se mostravam bem mais avançadas do que aquilo que se produzia na altura, e essa falta de pureza black metal – mas não negativa – expõe-se na faixa “Where Dead Angels Die” através de um andamento a meio tempo repleto de melodias luzentes que ilustram musicalmente uma afronta ao black metal nórdico que explodia naquela década. E se isso não chegar para provar este facto, mencionemos as épicas “Thorns Of Crimson Death” e “Soulreaper” que encerram o disco numa toada elevatória e irrepreensível.
Não fosse a rebeldia da juventude e o fanatismo pela Misanthropic Luciferian Order, talvez ainda tivéssemos connosco esta banda incontornável. Relembremos a espectacular forma física que mostraram no DVD “Rebirth Of Dissection” e a lineup desse renascimento com Tomas Asklund (Gorgoroth) e Set Teitan (ex-Watain, ex-Aborym) – não é de ficarmos chateados com a morte de Jon Nödtveidt? É, e muito! Se não fossem os Dissection, ou mais concretamente Nödtveidt, talvez não tivéssemos Watain, uma vez que Erik Danielsson sempre evidenciou admiração pelo projecto que teve influência no seu crescimento enquanto artista. Mas o que importam os ‘se’ e os ‘talvez’? Nada, porque a configuração física já não está presente e “Storm Of The Light’s Bane” é um álbum icónico que até faz com que os duros de ouvido e entusiastas do black metal mais sujo parem tudo para ouvir este magnum opus.
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