Logo à primeira audição percebeu-se que “Cold Black Suns”, o novo álbum dos belgas Enthroned, é um trabalho muito ritualista com ligação directa à...

Logo à primeira audição percebeu-se que “Cold Black Suns”, o novo álbum dos belgas Enthroned, é um trabalho muito ritualista com ligação directa à Terra, ao invés dos habituais conceitos cósmicos. Não nos enganámos, e é o guitarrista Neraath que o confirma na entrevista abaixo publicada. Acto contínuo, as diferenças deste disco em relação à restante discografia e o Left-Hand Path são outros assuntos abordados.

Foto: David Fitt

Parece que “Cold Black Suns” é um álbum muito ritualista, mas mais ligado à Terra do que ao conteúdo esotérico e espacial. Títulos como “Ophiusa”, “Beyond Humane Greed” e “Son of Man” levam-nos ao que é dito na frase anterior. Concordas? E, tematicamente, quais são os pontos focais do álbum?
Concordo, mas em todas as temáticas encontrar-se-á um elo intrínseco com o que, hipoteticamente, está além do nosso alcance. Conceptualmente e através da nossa música, a nossa intenção era adoptar uma abordagem mais realista da natureza esotérica da mística.
As letras têm um tom antropológico que sugere que cada visão é um produto da evolução cultural de uma raça ou povo; e este produto cultural é enriquecido ainda mais pela sua interacção com outros povos e suas culturas, em cuja proximidade o primeiro se originou e evoluiu, ainda assim com tudo englobado no conceito humano único do oculto. Através de todas as letras deste álbum, Enthroned irá guiar-vos numa viagem desde a Grécia Antiga às eras modernas e aos tempos sombrios do Renascimento. De facto, “Ophiusa” é, em si mesma, uma referência a tempos idos ​​na Península Ibérica (especificamente a norte do Rio Tejo) e ao arquétipo da identidade do povo ibérico – essa “Terra das Serpentes”.
Quando se trata do aspecto visual do álbum, essa ligação com a Terra e o espaço exterior é deliberada. A minha intenção era descrever uma ligação entre a dimensão macroscópica do espaço universal e o microcosmo que nos compõe; por exemplo, no nível celular e mais além. Existem duas esferas principais na capa: uma que flutua à frente do seu oposto, como uma referência directa à matéria e antimatéria. A ciência moderna ainda está a tentar entender como é que um prevaleceu sobre o outro e como é que conseguiu tornar-se em tudo o que podemos observar e experienciar no nosso quotidiano. O facto de essas duas esferas conterem três pontos no interior estabelece outra referência a um princípio universal. Há três mundos inteligíveis que correspondem entre si por analogia hierárquica: o mundo físico, o mundo espiritual (ou metafísico) e o mundo divino.

O álbum é capaz de oferecer fúria insana com “Hosanna Satana”, mas também consegue ir por caminhos atmosféricos/doomy em “Oneiros” ou ritualistas em faixas como “Aghoria”, tornando-se diversificado e louco. Dirias que cada faixa funciona como uma jornada específica separada do álbum inteiro, mas encontrando um esforço combinado no final?
De facto, cada faixa tem o seu próprio conceito, mas segue uma linha similar de composição. Era nossa intenção ter um álbum diversificado em termos de dinâmica, e o trabalho de produção e a atmosfera geral combinavam todas as músicas de modo a formar esta jornada sonora. Este álbum foi o primeiro passo para oferecermos uma gama mais ampla de habilidades de composição e, na minha opinião, é coeso como um todo. Não obstante, quase todas as faixas podem mostrar-se sozinhas.

Este novo disco é diferente do restante catálogo de Enthroned. Quão importante, ou perigoso, é arriscar quando falamos de uma banda que já cá anda há cerca de 25 anos?
Quem não for novato neste tipo de música extrema, obviamente ouvirá uma diferença significativa entre os nossos primeiros álbuns e os mais recentes.
Vamos ser claros: este é um álbum de black metal e nada experimental foi escrito aqui. Vinte e cinco anos são significativos, e muitas coisas tendem a evoluir: habilidades de escrita, influências, conquistas pessoais e, definitivamente, experiência. Esta é a continuidade lógica da nossa jornada, e temos a vontade e a honra de sermos sinceros com a música que oferecemos. Também estamos conscientes de que operamos num mercado que tem uma tendência a ser perspicaz e crítico, e, apesar do bom feedback geral, muitas pessoas, os seguidores mais antigos, criticam essa evolução no nosso som – e o engraçado é que eles são frequentemente os primeiros a debater sobre a chamada integridade. Então, seria realmente honesto aplicar a mesma fórmula álbum após álbum e não tocar o que realmente nos vem da mente? No final não importa o que fazes, [porque] não podes agradar a todos.

O Caminho da Esquerda [mundialmente conhecido como Left-Hand Path; via sinistrae em latim], é muito falado na cena black metal, mas é mais fácil falar do que praticar. O que é que significa para ti e como é que praticas?
Concordo. A tradição do mistério ocidental teve uma influência substancial no black metal, mas é fácil de ver que isso é meramente artificial. Muitos dos protagonistas são simplesmente atraídos pelas imagens e aspectos mais superficiais, e assim encontram conforto entre si e nesse uso de códigos comuns. Quando se trata da magia do Caminho da Esquerda e do ocultismo como uma crença comum de teorias, penso que somente personalidades inteligentes, com força de vontade, ou as chamadas superdotadas, conseguem compreender a verdadeira essência desse estudo profundo. Exige-se muito para cumprir a disciplina. Raramente se conhecem essas personalidades talentosas. Vou ser honesto: não é algo que pratique. Por uma questão de curiosidade e conhecimento geral, tenho pesquisado e mantenho-me informado sobre muitos ramos diferentes da ciência, e o trabalho da Sociedade Teosófica é um deles. Hoje em dia prefiro passar o meu tempo com projectos profissionais e encontrar significado no trabalho criativo. É um tópico vasto, e assumo que dentro da estrutura da natureza e além das suas fronteiras, há uma rede constante de acções e reacções para todas as actividades que um indivíduo desenvolve; e se alguém quiser encontrar, entender ou até mesmo distorcer a realidade que pode ser compreendida, [então] é preciso pensar em termos de energia e vibração.

Tem-se falado de black metal norueguês como nunca devido à constante actividade dos Mayhem e, é claro, por causa do filme “Lords of Chaos”. Então, antigamente, de que forma é que a cena nórdica influenciou uma banda belga como Enthroned?
Não só Mayhem, mas acho que muitas dessas bandas, daquela cena norueguesa do black metal, continuaram [em actividade]. Sei que Emperor ainda tocam. Há umas semanas estávamos no mesmo festival que Satyricon e alguém mencionou o novo álbum de Darkthrone. Não li o “Lords of Chaos”, e tenho conhecimento do autor devido ao seu trabalho com a banda Blood Axis. Durante um tempo segui o que editoras como a Cold Meat Industry ou a Athanor Records lançavam. Eu não fazia parte dos Enthroned no início (entrei alguns anos depois [Ndr.: em 2000]), mas sei que a banda foi influenciada por muitas outras e não necessariamente da Noruega, como Bathory, Kreator, Sarcófago, Venom, Impaled Nazarene, Sepultura, entre outras.
Enthroned fazia parte da segunda vaga do black metal, e obviamente todas essas bandas tinham as mesmas influências de tempos anteriores.

“Cold Black Suns” foi lançado a 7 de Junho pela Season Of Mist.

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