Separados por 35km de distância, os Bolt Thrower, os Benediction e os Memoriam são três dos nomes mais sonantes de sempre do death metal...
Foto: Gobinder Jhitta

Separados por 35km de distância, os Bolt Thrower, os Benediction e os Memoriam são três dos nomes mais sonantes de sempre do death metal inglês. Os dois primeiros fizeram História com álbuns seminais desse género (“Realm of Chaos: Slaves To Darkness” e “Subconscious Terror”, respectivamente) e os Memoriam editaram “For The Fallen” em 2017, que a seu tempo poderá vir a ser considerado um clássico. O final dos anos 1980 e o princípio dos 1990 foram tempos simples em que as bandas construíam as editoras e não o inverso, e tanto a Earache como a Nuclear Blast devem imenso a cada uma das duas iniciais. Com o death metal a despontar um pouco por todo o mundo, mas antes da explosão que se verificou a partir de 1991, não é de estranhar que qualquer banda que desse os primeiros passos lançasse obra-prima atrás de obra-prima, mas estes dois colectivos distinguem-se de quaisquer outros graças à sua inimitabilidade, graças a possuírem características que os desmascaram após poucos segundos de audição. De facto, os dois grupos apoiaram a sua música nos alicerces do death metal criados por Possessed e Death, refinando-a com toques pessoais. Devido à novidade recente do estilo, o que não faltava era terreno para desbravar, o que lhes deu (e continua a dar, até!) uma vantagem sobre todas as bandas subsequentes do género, sendo hoje em dia referências incontornáveis para os que vieram depois e para os que ainda estão para vir. Já em tempos mais próximos, os Memoriam reavivaram a chama dos Bolt Thrower, embora também com o seu cunho pessoal, que consiste em mesclar o som dos Bolt Thrower e dos Benediction de forma natural, mas moderna. Além disso, o que não falta entre os três grupos é história comum, tanto pela participação de diversos membros dos diferentes conjuntos uns nos outros, como, por exemplo, os Bolt Thrower e os Benediction terem andado juntos em digressão por cinco vezes ao longo de mais de vinte anos.

Características
Embora os três grupos partilhem o mesmo género musical, a abordagem de cada um não poderia ser mais distinta, para as quais muito contribuiu a afinação típica das duas bandas. Os Benediction primaram quase sempre pela afinação em Si ou em Ré, criando assim variação entre tons mais baixos e mais altos. Já na altura não conferiram uma novidade particular ao estilo, mas criaram alguns dos riffs do death metal old-school mais memoráveis de sempre. Liricamente, abordam temas diversos como religião e corrupção.

Por seu lado, o som inimitável dos Bolt Thrower deve tudo a factores practicamente inalterados em toda a sua carreira: a afinação quase exclusivamente em Dó Sustenido, a baixista Jo Bench e os seus riffs capazes de engolir planetas inteiros, a utilização de amplificadores Marshall e processadores rack Boss (que conferem aquele som de guitarra inconfundível dos nativos de Coventry), a complexidade e diversidade dos riffs e os solos a transbordar de grandeza épica e, não menos importante, a utilização de roller bridges, o que mantém o som das guitarras estáveis e ainda lhes permite ampliar o sustain, o que explica o paredão sonoro emitido pela secção de cordas. Quanto às letras, são simplesmente a primeira banda com mais expressão a abordar o tema do belicismo: guerra, destruição, irmandade, sacrifício e perda.

Já os Memoriam aproveitam o melhor dos dois universos das duas bandas anteriores, com a particularidade de acrescentarem uma produção contemporânea, mas que bebe directamente da fonte dos anos 1990, evitando triggers e apostando num som o mais natural possível. A afinação é mais diversificada, mas sempre com os Bolt Thrower como referência, e a parte lírica assenta também nos mesmos temas retratados pelas duas outras bandas. Acresce-lhes o factor de plena actividade, tendo lançado três álbuns de originais em três anos, à razão de um por ano.

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Legados

Benediction
Existem três discos fundamentais na carreira dos Benediction: “Subconscious Terror” (1990), “The Grand Leveller” (1991) e “Transcend The Rubicon” (1993). Trata-se de três dos trabalhos mais aclamados do death metal dos anos 1990, tendo aberto precedentes para que muitas outras bandas iniciassem, de seguida, a NWOSDM (New Wave of Swedish Death Metal), ainda que muito arrastadas por uma certa banda de Liverpool e de um certo disco desta. Com temas simples e despidos de grandes artifícios, mas extremamente agressivos, criaram quase de imediato uma base de fãs que dura até hoje. Possuidores de talento inato e de uma fidelidade ao death metal da velha-guarda, conseguiram lançar disco sólido após disco sólido sem nunca comprometerem o seu estilo de vida totalmente dedicado ao death metal. Ainda que relativamente relegados para segundo plano no que toca ao ‘quem é quem’ do death metal, o que é certo é que, ao vivo, são uma potência rara: o seu último concerto em Portugal, que decorreu no SWR Barroselas Metal fest, foi considerado amiúde a melhor prestação do festival de três dias.

Três temas de referência:
– Divine Ultimatum
– They Must Die Screaming
– I Bow To None

Bolt Thrower
Também a carreira dos Bolt Thrower foi um crescendo perfeito desde a sua incepção. A par com os Benediction, esta banda tem três álbuns imprescindíveis: “Realm of Chaos: Slaves To Darkness” (1989), “The IVth Crusade” (1992) e “… for Victory” (1994). Os princípios mais orientados para o grindcore/death metal foram desvanecendo até darem lugar apenas ao death metal, mas ignorar “Realm of Chaos” (ainda da fase grindcore) seria um erro crasso. A juntar a um estilo já único ao segundo disco, a banda sofreu de enorme popularidade devido a um som ridiculamente agressivo, mas mais ainda devido à baixista de serviço, Jo Bench, a paixoneta de muitos e muitos metaleiros mais extremos da década de 1990 (quem nunca?), aliando uma figura frágil feminina às estruturas de baixo mais hostis de que há memória no death metal; fora tudo isto (que não é pouco), Bench é considerada uma das primeiras figuras femininas num universo predominantemente masculino, gozando de um estatuto de culto que nenhuma outra mulher conseguiu até hoje. “Those Once Loyal” (2005), o canto do cisne dos Bolt Thrower, acaba por ser um dos trabalhos mais complexos e geniais da banda, mas certamente o mais maduro, com solos de guitarra que ainda hoje levam à criação de novas bandas. Logo a começar com “At First Light”, que tem uma das introduções mais sinistras da História do heavy metal, o grupo parte para um assalto total com temas como “The Killchain” e a final “When Cannons Fade”, sendo seguramente um disco de referência consensual do género. A banda continuou com o seu som de marca até 2015, altura em que o baterista de longa-data Martin Kearns faleceu e que levou a banda a dar por encerradas as suas actividades. Ainda hoje gozam de um culto lendário incomparável dentro do death metal.

Três temas de referência:
– Eternal War
– …For Victory
– The IVth Crusade

Memoriam
Embora contem com apenas três anos de actividade, os Memoriam são fronteados por membros afectos a bandas como Bolt Thrower, Benediction, Cerebral Fix, Anaal Nathrakh e Napalm Death, motivo pelo qual dispensam apresentações. Misturam os riffs clássicos dos Benediction e a componente épica de sempre dos Bolt Thrower, sendo que também incidem com mais força nos temas bélicos. Com “For The Fallen” (2017) deixaram muitos fãs satisfeitos com a continuidade dada ao som característica dos Bolt Thrower. Rapidamente foi considerado um dos melhores disco de death metal clássico dos últimos anos tantos pelos fãs como pela imprensa especializada. O seguinte “The Silent Vigil” (2018) não obteve respostas tão entusiasmantes, mas o mais recente “Requiem For Mankind”, editado no dia 21 de Abril de 2019, promete devolver um sorriso de satisfação aos adeptos dos Bolt Thrower, dos Benediction e, claro, dos próprios Memoriam.

Três temas de referência:
– Shell Shock
– Reduced To Zero
– Nothing Remains

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