Editora: Profound Lore Records
Data de lançamento: 19.02.2021
Género: black/death metal
Nota: 4.5/5
Três quartos de hora hipnotizantes e temperamentais, numa área com pouca iluminação sobre cinco faixas magnéticas.
O atormentado entrou pela noite escura e pôs-se à escuta, dobrando com dois ou três dedos a parte surda da orelha para tentar ouvir melhor. Carregou no botão e ouviu um homem aos berros empunhando uma guitarra que pintava cornucópias azul-lilás com poderes inebriantes, enquanto alguém descrevia num estado delirante e apoquentado o seu mal de viver. Ouvia-se ao fundo o ruído abafado da revolta duns paus que esfolavam à pancada um kit de bateria. Simultaneamente, um outro sujeito, a favor do mal, e solidário na ira contra o mundo, ou contra o cosmos em geral, também aproveitou para reclamar de pé, exprimindo a sua tremenda revolta. Entre eles vive um grupo de músicos. Assim é a vida, enigmática, revolvendo as entranhas retorcidas das almas torturadas.
Um destes gajos do Minnesota, do norte gélido dos Estados Unidos, dá pelo nome de Dylan – é um baixista animado e o letrista angustiado que ainda hoje se debate com os problemas que levaram Baudelaire à loucura, a escrever no seu diário íntimo: «O mundo vai acabar. A única razão, pela qual ele poderia durar, é que existe» ou «pereceremos por onde acreditáramos viver», e a questionar «pergunto a todo o homem que pensa que me mostre o que subsiste da vida».
Ao segundo álbum, o power-trio norte-americano impressiona e afirma-se como uma das revelações a seguir atentamente no underground da música extrema produzida no outro lado do Atlântico. “The Cyclic Reckoning” vem completar a breve discografia do grupo composta pelo LP “In Passing Ascension” (2017) e pelo EP “Dwell” (2019), com cinco novos temas que registam algum amadurecimento e evolução por entre a multidão de propostas semanais de outros projectos no cruzamento do black & death metal por esse mundo fora – black & death é uma preferência do sujeito numa de black & decker –, uma tendência na origem desta nova vaga de experimentação que absorve todo o tipo de referências, metal e não-metal, e vive actualmente um pico de criatividade e aceitação entre a elite industrial headbanger. Uma metáfora para exprimir os riffs espasmódicos em convulsão com a aurora. Por muito que queiram anular excentricidades avulso, é com este cimento e cascalho grosso que se alimenta a betoneira. Pouco a pouco.
Suffering Hour são três espalha-brasas a divulgar a voz dos profetas Carl McCoy, David Eugene Edwards e Jeffrey Lee Pierce através dum sound-system metálico. O resultado é uma incógnita, como os corvos no Verão.
Três quartos de hora hipnotizantes e temperamentais, numa área com pouca iluminação sobre cinco faixas magnéticas distribuídas por um Lado A (“Strongholds of Awakening”, “Transcending Antecedent Visions”, “The Abrasive Black Dust Part II”) com entrada directa para o Lado B (“Obscuration”, “The Foundations of Servitude” num todo-hipnótico, atmosférico, abrasivo e dopante, consoante o tom das cinzas no corpo astral dos cowboys do Minnesota).
Há uma vibe daquele black metal islandês que é vendido em hasta pública. Mas este que agora vos vendem é que é do bom, com variações rítmicas inesperadas e emocionantes, riffs hipnóticos, abrasivos e ácidos para dar e vender com arranjos melódicos made to measure. A inspiração veio das paisagens da música clássica. Tem berraria grotesca a condizer e uma secção rítmica psicótica com os cabelos em pé. São as vozes da cólera que revolve as entranhas retorcidas de almas torturadas, o que é uma pena, porque pela componente melódica ainda acabava tudo em bem e éramos felizes para sempre. Só que não, não se pode, porque isto faz parte daquela cena dissonante e melodramática em que por cada força da dissonância convencional existe uma consoante obrigatória. Dizem que é por conta da electrificação dum lado sombrio, sem energia solar, iluminado pelo mal, e pelo faz de conta que o torna mais cósmico e adoentadito com olheiras. Fora de merdas, “The Cyclic Reckoning” significa tanto a essência do carocho espavorido e ressacado como a essência do terceiro olho espantado perante o avistamento daquele saquinho de pó que se julgava perdido no chão do último WC por onde passámos. Onde fomos felizes, e nos esquecemos.
“Strongholds of Awakening” é amanhecer num ninho de vespas com o zunzum numa ladainha espiralada em porcas de rosca de aço laminado, uma cena das guitarras montadas em pedaleiras até ao infinito e um zangão no baixo. Ballet-du-Cabrão c’uns grunhidos indefinidos e cuspidos à má fila no cabaret hillbilly c’a Madame-Macabra. O baterista alinhou e passou-se, foi internado com um problema de hiper-actividade e esquizofrenia selectiva. Foi ali à esquina falar com o outro personagem que é o dealer das cenas, e por isso não dá entrevistas, mas diz que a música é boa.
“Transcending Antecedent Visions” é uma visão transcendental com uns guinchos de guitarra psicóticos e tripantes, à venda na Capela dos Ossos em Évora, depois dos frades fecharem aquilo a sete chaves. A partir da meia-noite aceitam inscrições avulso, e vem uma cigana ler-vos a sina sem discriminações. A morte é uma vala comum. O túmulo não paga renda. Se lá chegares não precisas de dinheiro, é tudo à pala.
“The Abrasive Black Dust Part II” é aquela curta trip em que um gajo marcha daqui para o além. A meio caminho há um oásis death rock, contemplativo e emocional. Pouco dura. Na penumbra fresca, como quem desce ao fundo do poço, tem o crânio a pingar ácido e a mesma corda ao pescoço. “Obscuration” é záz-traz! Reboliço com treme-ossos de entrada para o Lado B com mais barafunda para os sentidos, e uns insectos alienígenas a comandar a guitarra. Uma descida ao fundo dos infernos à procura da alma engolida pelo abismo.
“The Foundations of Servitude” não é uma malha. É um tratado dum quarto de hora. Um testemunho da passagem pelo purgatório e um bónus para quem concorreu ao passatempo ser brindado com a saída de emergência.

Metal Hammer Portugal

Suffering Hour “The Cyclic Reckoning”
Reviews Fev 19, 2021
Empyrium “Über den Sternen”
Reviews Fev 18, 2021
Harakiri for the Sky “Mære”
Reviews Fev 16, 2021
The Amenta “Revelator”
Reviews Fev 15, 2021
Sollein: o tempo que devora
Subsolo Fev 15, 2021

Taste: o rock está vivo!
Subsolo Fev 12, 2021
Breksir: às portas do inferno
Subsolo Fev 12, 2021
Messenger: crença no triunfo
Subsolo Fev 12, 2021