Desde crescer em Beirute a dar início a tumultos e a lidar com ameaças de morte, eis a épica história de...

Desde crescer em Beirute a dar início a tumultos e a lidar com ameaças de morte, eis a épica história de vida do frontman dos System Of A Down, Serj Tankian.

Foto: Travis Shinn

A noite ia longa e chovia torrencialmente quando Serj Tankian teve o que chama de epifania. Serj estava na casa dos 20 anos, trabalhava na ourivesaria do tio desde que se formou na universidade e tocava música em paralelo. Mas não estava feliz, portanto decidiu estudar para se tornar advogado.

Fazia a longa viagem de Downtown LA até à escola nocturna em Long Beach quando o seu subconsciente assumiu o controlo. Parou e gritou: “Quero fazer música, que se lixe esta merda toda.”

«Tornar-me advogado foi uma coisa muito negativa», diz Serj. «Odiava advogados. Mas digo sempre que tive de ir ao extremo de quem eu não deveria ser para me abanar e perceber quem sou.»

O seu colapso foi o momento de mudança. Em poucos meses juntou-se a uma jovem banda de metal arménio-americana chamada Soil, que acabaria a transformar-se em System Of A Down. Mais de um quarto de século depois, o homem de 53 anos é uma das figuras mais carismáticas do metal moderno, um vocalista / artista / activista multi-hifenizado cuja carreira foi pontuada por polémica política e contínuo drama intra-banda com o resto dos System.

«Isso é o que aprendi como activista no mundo da música», diz enquanto se prepara para olhar para trás na sua vida. «É muito fácil ser-se verdadeiro quando a opinião pública está do teu lado. É incrivelmente difícil ser-se verdadeiro quando ela não está.»

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Nasceste em Beirute, Líbano, em 1967. Quais são as tuas primeiras recordações?
Acho que a minha memória mais antiga será provavelmente a casa dos meus avós, que ficava na mesma rua da nossa casa. Eles cuidavam de mim, como as famílias fazem. A escada que dá para a rua, a praia, a primeira vez que fui à praia…

A guerra civil rebentou no Líbano em 1975. Já falaste sobre ouvires bombas a cair. Como era quando eras criança?
Com essa idade é muito difícil processar. Só consegui compreender aquilo em adulto. Tenho um filho de seis anos, e ele brinca com pequenos aviões e caças. Ele diz: ‘Por que é que lhes chamam caças? Por que é que são diferentes dos outros aviões?’ E eu digo: ‘Oh, porque são usados na guerra.’ E ele fica do tipo: ‘O que é guerra?’ Isso dá cabo de mim. Como é que vou explicar a guerra a uma criança de seis anos? Porque a guerra é tão ilógica.

A tua família deixou Beirute e foi para os EUA logo de seguida. Quais são as tuas primeiras recordações da América?
[risos] Queijo americano. É tão amarelo. E calças à boca de sino – era 1975, pá. Foi um choque cultural ir de Beirute no Líbano a Hollywood na Califórnia. Era uma linguagem completamente diferente. Eu sabia um pouco de inglês, mas demorei um ano ou mais para recuperar o atraso.

Quando é que o teu sentido de injustiça se instila em ti?
Quando era muito novo, no início da minha adolescência. Foi a constatação de viver numa democracia como a dos EUA, que tinha como tabu o reconhecimento do genocídio [arménio] por conveniência política e razões económicas, porque a Turquia era um aliado da NATO. Isso tornou-me extremamente consciente do facto de que existem muitas verdades por aí que estão a ser minadas e trocadas por outros propósitos nefastos. Isso tornou-me activista.

Qual foi o pior emprego que tiveste enquanto crescias?
Fiz muitas coisas. Trabalhei na indústria do calçado com o meu pai, vendi sapatos, trabalhei no ramo das jóias com o meu tio, tive a minha própria empresa de software. Talvez vender sapatos não fosse o melhor trabalho, mas eu era um adolescente que trabalhava num pequeno centro comercial e havia muitas miúdas bonitas por lá. Mas se voltasse ao meu passado, não mudaria nada – cada experiência fez de mim quem sou. Como é que me posso arrepender do que quer que seja?

Começaste como teclista na banda Forever Young antes de te tornares um vocalista incrivelmente distinto. Onde é que encontraste a tua loucura?
Devo ter encontrado a minha loucura em Soil, antes mesmo dos System Of A Down. Era uma música tão maluca, pesada e progressiva que a modos desbloqueou algo dentro de mim em termos de expressão. Mas de forma alguma era um grande cantor. Estava apenas a expressar-me, a berrar na metade do tempo e a tentar cantar na outra metade. Eu nem sabia o que tinha para dizer, mas surgiu.

Foi difícil fazer descolar System Of A Down?
Houve trabalho árduo. Muitas editoras estavas muito reticentes em contratar-nos: ‘Quem é que vai passar essa música na rádio?’ Nunca pensámos nisso. Acabámos por fazer a música que fizemos, porque é isso que fazes como artistas. Estivemos em digressão ininterrupta nos primeiros anos. Nem me lembro de estar em casa. Mas foi mais divertido para mim. Sempre que estiveres a trabalhar a tua visão e estiveres no lugar certo na hora certa, será divertido. Porque o universo está a conspirar contigo, certo?

Tiveram o Rick Rubin convosco desde o início. Do que te lembras sobre fazeres o vosso primeiro álbum com ele?
Lembro-me de que a ideia do Rick foi: ‘Vocês são tão malucos em palco em termos de som e dinâmica, só quero gravar como isto é, o mais ao vivo possível.’ Definitivamente, esse primeiro álbum faz-te sentir como se estivesses num concerto. E trabalhámos com a [produtora de Tool] Sylvia Massy, que era a nossa engenheira na altura. Tínhamos uma equipa de estrelas. Estávamos em mãos incríveis.

Deveriam dar um concerto gratuito num parque de estacionamento em Hollywood um dia antes de sair o segundo álbum “Toxicity”, mas terminou em tumulto. O que aconteceu?
Estávamos tão stressados. Esperávamos 3-4.000 pessoas e apareceram 15-20.000. Estávamos num clube do outro lado da rua, onde nos íamos preparar para tocar. Chegaram e disseram: ‘O comandante dos bombeiros não permite que o concerto aconteça porque as barricadas foram derrubadas. Vão cancelar o concerto.’
Tentámos convencer a polícia a deixar-nos tocar, mesmo que fossem apenas algumas músicas para acalmar os ânimos. Eles disseram: ‘Absolutamente, não.’ E ameaçaram prender quem tentasse subir ao palco. Reuni os rapazes e disse: ‘Que se fodam, vamos lá fazer isto, que nos prendam. Que se lixe!’ E o meu advogado agarrou-me e disse: ‘Isto é LA, eles vão processar a merda da tua banda, vão tirar-te tudo o que tens.’ Eu estava a pensar: ‘Estou a fazer música, caralho, isto não devia ser assim.’ Quero dizer: merda, inadvertidamente começámos um motim em Los Angeles e nem sequer fizemos nada.

Toxicity” estava em nº 1 quando aconteceu o 11 de Setembro. Poucos dias depois, divulgaste um ensaio no site dos System Of A Down chamado “Understanding Oil”, que analisava as razões pelas quais os ataques aconteceram. Recebeste ameaças de morte por seres ‘antipatriota”…
O tiro saiu pela culatra. Não foram apenas ameaças de morte. Diziam merda sobre o que eu tinha dito no The Howard Stern Show, descaracterizando as minhas palavras e intenções, portanto tive de me defender. Isso foi mesmo no início da nossa digressão – estávamos nos noticiários diariamente, há ameaças terroristas por todo o país, tocamos para 20.000 pessoas por noite. Estamos seguros? Eles estão seguros?
Lembro-me do John [Dolmayan, baterista dos System] perguntar-me: ‘És um tipo esperto, que caralho estás a fazer? Estás a tentar matar-nos?’ Foi literalmente o que ele me disse. Senti-me tão mal. Adoro estes gajos e aqui estou eu em digressão com eles, e digo: ‘Desculpem – é a verdade, juro que é a verdade.’

Tens sido um forte crítico quanto à recusa do governo turco em reconhecer o genocídio arménio. No documentário “Truth to Power” afirmas que houve uma conspiração da inteligência turca para te assassinar. A sério?
Fizemos um protesto à frente das instalações do Dennis Hastert [o então speaker dos EUA], e o meu destacamento de segurança tinha alguns amigos no FBI. Basicamente, disseram que estavam a olhar pelos interesses da inteligência turca ‘quanto ao seu cliente’. Não quero dizer ameaças de morte, assassínio, mas foi o que aconteceu.
Houve muita pressão. Em palco, mexia-me como nunca me tinha mexido! Não ficava na mesma posição mais do que dois segundos. Perdi peso nessa digressão.
Mas repara, da maneira que o vejo, quais são as minhas outras opções? Não dizer a verdade? E, depois, sou um artista ou sou um músico? Não, não tive escolha. Ainda sou muito ingénuo em acreditar que a verdade deve prevalecer.

O sucesso subiu-te à sua cabeça nalgum momento?
É um negócio feito para o ego, mas é aí que a minha vida anterior entra. Não comecei a tocar música aos oito anos e era a única coisa com que sempre sonhei. Abordavam-me e diziam: ‘Ei, vocês são a melhor cena desde o pão fatiado.’ Eu dizia sempre: ‘Sim, sim, sim, tanto faz.’ Não me deixei levar pelo hype. Isso ajudou-me a manter a minha sanidade dentro deste mundo egoísta.

Os System entraram em hiato em 2006, em grande parte por tua causa. Pensaste: ‘É isto, fartei-me dos System’?
Eu não sabia o que o futuro reservava, mas sabia que estava completamente farto dos System. Se eu quisesse sair, teria saído – não havia uma arma apontada à minha cabeça. Uma banda de sucesso torna-se uma máquina – torna-se um ciclo. Eu queria tempo para fazer as minhas próprias coisas, estava incomodado com algumas das dinâmicas internas, etc.. Então saí e fiz discos a solo, comecei a escrever para orquestras. Quando voltei aos System, voltei como um compositor mais confiante, como alguém que fez outras coisas. Para mim, isso é mais útil para agregar valor ao grupo.

Os System reuniram-se em 2010. Será que o drama à volta da banda nos últimos anos ofuscou a música?
Nunca. Diz-me uma banda que não tenha drama e eu mostro-te uma banda de merda. Haverá sempre drama – somos quatro indivíduos que se sentem diferentes sobre coisas diferentes. Mas a imprensa jogou essa cartada e manteve a banda no centro das atenções, independentemente de não termos feito um disco durante 14 ou 15 anos.
Lançámos duas músicas por Artsakh [“Protect the Land” e “Genocidal Humanoidz” de 2020], que, para mim, é uma das melhores coisas que já fizemos como banda, em termos de se ir além de nós mesmos. E estou extremamente orgulhoso dos meus irmãos em System Of A Down, por termos conseguido fazer isto. Mas sim, sabes, o drama estará lá, sempre.

Parece muito intenso ser-se Serj Tankian. Já sentiste vontade de apenas beber um grande gole de Jack Daniel’s e pôr Mötley Crüe a tocar para bloquear o mundo?
Ah, não. O meu método de lidar com as coisas é a meditação tanto quanto possível, apenas desacelerar as coisas. Nos últimos meses tenho lidado com uma dor extrema nas costas, uma hérnia discal – acabei de fazer uma cirurgia há uma semana. Isso é o resultado de ser arrebatado por muitas coisas – a guerra em Artsakh, ver a morte de vários jovens, tentar ser útil e parecer que não é o suficiente. Sabes aquela coisa de na música nunca deveres levar-te muito a sério? Como activista devo ter-me levado um pouco a sério demais. Dor é uma boa professora nesse sentido.

Que tipo de filmes gostas de ver?
Gosto de filmes exagerados. Gosto de um bom filme britânico de gangsters – qualquer filme do Guy Ritchie, “Gangster No.1”, “Sexy Beast”. Para mim, esses são os filmes mais engraçados – começam com um guião normal e depois a merda exagera: ‘Isto não pode ser a sério!’ Sou principalmente um pacifista, mas esses filmes são hilariantes.

Já tiveste ofertas para ser actor?
Recebo ofertas de papéis para actor a toda a hora. Qualquer coisa, desde o típico heavy metal ao tipo de coisas demoníacas e até papéis dramáticos, mas não estou interessado nisso. O meu grande amigo Ilya Naishuller [que realizou o vídeo do single “Elasticity”] disse: ‘Tens de representar, pá.’ Eu fico do tipo: ‘Foda-se, não, não quero representar. Não consigo decorar falas, a não ser que as esteja a cantar.’

És cantor, compositor, poeta, cineasta, activista. Representação à parte, o que é que não consegues fazer?
Nunca digas a uma criança que não consegue fazer nada.

O que teria acontecido, há todos estes anos, se não tivesses parado o carro e não tivesses tido a tua epifania?
Provavelmente seria um advogado infeliz.

Consultar artigo original em inglês.

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