A história de "Nemesis Divina", dos Satyricon. Satyricon “Nemesis Divina”: «O poder do black metal é eterno»

Quando falamos da cena black metal nos anos 1990 temos tendência a relevar Mayhem, Darkthrone, Burzum e todos os episódios adjacentes que envolveram incêndios, homicídios e suicídios – uma época extremamente intolerante. O que muitas vezes esquecemos é que em meados dessa década já os Emperor tinham desconstruído os riffs brutos do estilo para criarem estruturas épicas e complexas, os Cradle Of Filth e os Dimmu Borgir incluíam orquestrações e os Satyricon davam os primeiros passos rumo ao black metal melódico com os três primeiros álbuns, grupo em que se inclui o emblemático “Nemesis Divina”, lançado em Abril de 1996.

Numa entrevista concedida à extinta revista Ultraje, Frost (bateria) recorda o ano de 1996: «Éramos, provavelmente, bastante marcados pela juventude e experiência limitada, mas também éramos ambiciosos, dedicados, com espírito e tínhamos muito ímpeto. Sentimos que havia muito a acontecer e a história, até certo ponto, provou-nos certos». Na altura, o black metal melódico e sinfónico estava em fase de crescimento, nomeadamente em Inglaterra, mas a Noruega sempre foi, e será, a capital do black metal, e os Satyricon fazem parte do parlamento desse reino virtual. O que é certo é que para marcar uma posição contrária ao estereotipado por Mayhem e Burzum, bandas como Satyricon tinham que visionar todo o conceito musical de uma forma diferente – ou será que não é assim tão recto como isso? «Nunca sentimos que tivéssemos de fugir de alguma coisa. Desde cedo percebemos que tínhamos um som e uma expressão própria. Black metal é um estilo de música com muito espaço para criatividade, experimentação e uma ampla variedade de qualidades – algo que sempre nos atraiu e são princípios aos quais demos largo uso», diz Frost. E remata com um elogio ao colega Satyr, que «também ajudou a estabelecer uma identidade forte que não pode ser confundida com outra coisa qualquer».

Agora é impossível negar a importância, elegância e beldade (ainda que negra) de “Nemesis Divina”, mas acabamos por tropeçar num plano redutor, porque somos geralmente inclinados a afirmar que o tema “Mother North” é a superior imagem de marca de uma carreira que se iniciou em 1991, apesar de se tratar apenas de uma peça que pertence a um ícone discográfico composto por sete faixas. Frost confessa que criar algo eterno é «um sentimento gratificante e, provavelmente, também alimento para motivação. Artistas – ao contrário de entertainers – trabalham com expressões e criam-nas para ter um impacto, o que é um objectivo claro para toda a gente».

Apesar disso, o músico acredita que colocar este tema como o ponto alto de um concerto é «ir longe demais, mesmo não havendo dúvidas de que esta música invoca sempre uma atmosfera particular e uma resposta emocional por parte do público». E já que se falou em reino virtual com um parlamento composto por bandas, «para muitos fãs de black metal, “Mother North” é como um hino nacional de todo um movimento». Mas tendo ainda em conta o cerne da questão, se “Mother Noth” é ou não o êxtase galante de um concerto de Satyricon, Frost não descura o que se seguiu após 1996: «Mesmo que “Nemesis Divina” tenha sido um álbum inovador, continuámos a crescer desde daí e temos feito músicas que têm um maior impacto no público do que qualquer coisa desse álbum».

«Black metal é um estilo de música com muito espaço para criatividade, experimentação e uma ampla variedade de qualidades – algo que sempre nos atraiu e são princípios aos quais demos largo uso.»

Frost

Quando o álbum comemorou 20 anos, seguiram-se alguns concertos em que Satyr, Frost & Cia. tocaram o disco na íntegra, o que, para o baterista, «é um sentimento especial ligar isso com o material composto e celebrar o aniversário de “Nemesis Divina” com pessoas que têm sentimentos fortes para com o álbum». Ainda assim aponta para que não esqueçamos: «Ser retrospectivo não é muito o estilo de Satyricon, mas desta vez parece-me certo celebrar e honrar um êxito antigo. A música é imortal mesmo que isso implique o selo do tempo em que foi feito».

De qualquer das formas, os Satyricon não pararam o seu processo criativo em 1996, uma vez que mais trabalhos foram lançados, como “Now, Diabolical” (2006), que contém a faixa “K.I.N.G”, sendo actualmente um tema idolatrado pelo público e que faz inclusivamente parte dos momentos finais de um espectáculo da banda norueguesa. Como “Now, Diabolical”, também “Age of Nero” e o disco homónimo de 2013 são resultados criativos muitíssimo diferentes do que se fez nos anos 90, pois, para Frost, é «bastante correcto» achar-se que fazer sempre a mesma coisa torna-se cansativo. «As mudanças que têm acontecido resumem-se ao que vejo como uma evolução natural e contínua. O que vive evolui. Apenas o que está morto se mantém na mesma. Enquanto aprenderes, melhorares e criares, a mudança vai ter sempre o seu lugar. Não é assim tão complicado quanto isso».

Pode não ser difícil de entender para Frost, mas há sempre discussão, outras posições, e a imprensa pode entrar em conluio com a boa qualidade da música ou, simplesmente, (tentar) destruir uma banda. Os Satyricon já não passam por isso, pois têm o seu trono bem preso ao chão entre outros cadeirões igualmente grandes e pesados: «Não respondemos a ninguém sem ser a nós próprios, porque não somos entertainers». Simples. Contudo, não é uma afirmação assim tão curta como aparenta, porque Frost garante: «A nossa dedicação para com Satyricon é sincera e profunda, e consequentemente conseguimos estar certos da nossa posição. O que podem sempre confiar quanto a esta banda é que pomos os nossos corações e a nossa alma no nosso trabalho, e não permitimos que tretas sejam parte de Satyricon».

Mesmo que se diga que os Satyricon não respondem perante ninguém sem ser a eles próprios, a arrogância nunca fez parte da personalidade da banda e a assertividade parece ser ponto assente no meio de tanta atitude pseudo, pois, sobre a possível perda do perigo e intolerância no seio do black metal, Frost é muito honesto ao dizer que «as esquinas mais aguçadas acabam por se tornar redondas ao fim de um tempo – é assim com tudo». No entanto, e como deixa final, acredita que «os princípios, o poder e o potencial do black metal são eternos e podem ser sempre conjurados ao pleno esplendor se feitos correcta e apaixonadamente».