«Tivemos de o trazer à vida»: como os Deftones redescobriram o ponto certo para fazer “Ohms”.

«Tivemos de o trazer à vida»: como os Deftones redescobriram o ponto certo para fazer “Ohms”.

Ao entrar na sala de ensaios em Sacramento para trabalhar lá pela primeira vez desde que o baixista Chi Cheng faleceu, o vocalista dos Deftones, Chino Moreno, sentiu-se pesado.

«Todos tínhamos o nosso próprio pequeno espaço no estúdio, e o espaço do Chi estava exactamente como ele o tinha deixado, com a bandeira tibetana pendurada e todo o seu equipamento», diz Moreno. «Tínhamos uns quadros meio apagados com algumas das músicas antigas em que estávamos a trabalhar. Foi como entrar numa cápsula do tempo – foi uma viagem.»

Estiveram no The Spot pela última vez em 2008, para fazerem o que deveria ter sido o sexto álbum, “Eros”, mas abandonaram o material e o edifício depois de Chi ter sofrido um acidente de carro, deixando-o com ferimentos dos quais nunca recuperaria. Quando chegou o momento de se começar a trabalhar no novo álbum “Ohms”, a banda decidiu reformular a área e tiveram uma semana de limpeza, novas carpetes, pintura e nova mobília. Ali guardavam-se memórias profundamente pessoais para cada um deles, desde passar-se a noite a tocar música, a fazer-se skating no halfpipe lá construído e a dormir nos cantos. Foram tempos excelentes e momentos em que se vive no limite. Chino foi para o seu próprio quarto e expurgou caixas de coisas que «tinham velhas memórias ligadas a isso que já não queria».

«Estava a abrir caixas com roupas velhas e electrónica. Muitas tinham coisas que talvez alguém quisesse ou que poderia ter dado para caridade. Mas… fazia muito sentido mandá-las fora», admite. «E eu sei que parece terrível, mas eu estava a desapegar-me daquilo. Tive a sensação de recomeço, pelo menos naquele espaço. Isso fez com que parecesse vibrante novamente.»

«Pá, foi bom estar perto de toda a gente naquele espaço novamente, onde crescemos muito», sorri o turntablist Frank Delgado. «Tivemos de limpá-lo e trazê-lo de volta à vida. Estamos sempre a falar sobre o Chi e acho que talvez seja por isso que o evitámos por tanto tempo, mas, com toda a honestidade, é uma coisa positiva.»

Os Deftones, e em particular Chino, têm honrado o passado, limpando o antigo e abrindo caminho para o novo. Fala connosco a partir da sua nova casa em Portland, Oregon. De momento, um tipo está pôr as lareiras a funcionar antes que venha o Inverno e depois algumas árvores serão removidas do quintal. Mais do que apenas tijolos, argamassa e relva, a propriedade representa uma decisão de mudar a sua vida para melhor – mas mais sobre isso adiante.

Quando se trata da banda, não há dúvida de que “Ohms” é um triunfo. Com nove álbuns lançados, as vozes sobrenaturais de Chino ecoam e fundem-se com os riffs selvagens de Stephen Carpenter, que atacam sem aviso, ao lado das linhas de baixo igualmente brutais de Sergio Vega. Enquanto isso, a electrónica de Frank sombreia as lacunas com uma sensação à anos 1980 com um toque da era espacial. Tudo isto é sustentado pelos ritmos distintos de Abe Cunningham, que permanecem subtis até serem percebidos. Quando perguntamos a Chino se desejava uma onda específica para este álbum, rapidamente destaca essa unidade palpável, seguindo a muito documentada desconexão criativa entre Stephen e o resto da banda em “Gore”, de 2016.

«Eu queria mesmo que um sentido mais forte de todos fosse representado no disco», explica. «Acho que tem sido muito bom em comparação à contribuição do Stephen para o “Gore” – ele estava lá fisicamente quando escrevemos a música, mas não estava tão relacionado quanto gostaríamos que estivesse. Portanto, no final do dia, tínhamos um disco que talvez não fosse tão equilibrado. Acho que foi uma experiência de aprendizagem e, depois do álbum ser concluído, o Stephen veio até mim e conversámos profundamente sobre isso.»

Dá para ouvir o orgulho silencioso de Chino quanto a “Ohms”, conforme continua: «O objectivo principal para este álbum era fazer com que todos fossem ouvidos e igualmente ao mesmo nível. E assim, isso acabou por acontecer. Esta foi a grande cena nisto.»

Se voltar ao The Spot era um regresso a casa, voltar com Terry Date também o era. Terry produziu os primeiros quatro álbuns de Deftones (“Adrenaline” de 1995, “Around the Fur” de 1997, “White Pony” de 2000 e “Deftones” de 2003), bem como o malfadado “Eros” de 2008. A banda sempre quis reunir-se com ele algum dia, e quando o seu nome surgiu para “Ohms”, Terry ficou feliz em aceitar. «Eu nunca hesitaria em seguir com eles, porque é como trabalhar com irmãos», diz.

«Estar com o Terry tornou tudo nostálgico», revela Frank. «É muito confortável. O Terry sabe o que vai funcionar. Se alguém está a martelar algo que está a tentar realizar, o Terry sabe por quanto tempo permitirá que isso aconteça. Ele sabe quando o Abe vai explodir, ele sabe durante quanto tempo se deixa o Stef respirar, ele sabe essas pequenas coisas, o que cria um óptimo ambiente para se estar.»

‘Confortável’ é a palavra que Chino também usa. Paradoxalmente, estar confortável com Terry permite-lhe a liberdade de sair da sua zona de conforto. Se sabe que está a ser apoiado incondicionalmente, então consegue expressar-se completamente e experimentar sem medo.

«Com ele, especialmente quando estou a trabalhar em melodias ou ideias vocais, sinto-me muito aberto para tentar coisas diferentes, mesmo que sejam más», explica. «Não sinto que ele me vai julgar ou empurrar-me em qualquer direção, mas a modos que me deixa tentar até eu falhar e, de seguida, tento novamente até conseguir, e ajuda-me a não ficar frustrado com o processo. Sinto que é muito importante estar com esse tipo de mentalidade quando estás a tentar surgir com coisas, especialmente depois de 10 álbuns a fazer música com os mesmos gajos. Fica cada vez mais difícil, mas acho que é suposto ser assim.»

Por que é que fica mais difícil? Não deveria ficar mais fácil?

«Se, honestamente, seguíssemos algumas das fórmulas com que nos deparámos, não seria tão difícil. Compor e formatar uma música não é difícil. Mas tentamos não cair nessas fórmulas e haver repetição», explica. «Quando ouves uma música de Deftones, consegues dizer que somos nós, mas a ideia é expandir o que já fizemos no passado, portanto isso pode ser desafiante.»

Alguns dos elementos mais selvagens em “Ohms” incluem o grito de gaivotas em “Pompeji” e os sintetizadores à anos 1980 mencionados acima pairam sobre o disco como uma névoa dramática retro-futurista. Após as sessões iniciais no The Spot, a banda foi para Los Angeles, para continuar a compor e começar a gravar, antes de Chino fazer as vozes e Frank adicionar texturas no estúdio caseiro de Terry em Seattle. Foi aqui que aconteceu grande parte da magia para se evitar fórmulas.

«A parte da composição é realmente a mais stressante, mas quando sabes que tens a base da música, todas as outras coisas é como colorir, e essa é a parte divertida», entusiasma-se Chino. «É como comprar uma casa e ter a liberdade de a decorar da maneira que quiseres.»

Frank Delgado, recrutado como membro dos Deftones em “White Pony” de 2000, ainda tem o ar de alguém que não consegue acreditar que conseguiu o emprego dos seus sonhos. Quando lhe colocamos uma série de perguntas sobre como concebeu paisagens sonoras tão distintas para “Ohms”, Frank fica perplexo – portanto dizemos-lhe que os seus métodos parecem misteriosos. «Bem, merda! Sim, ainda estou a tentar descobrir isso por mim próprio», ri. «Acho que é apenas ver o que acontece quando nos encontramos. Acho que se pode dizer que tentamos ter sorte.»

Ambos estão aliviados por não haver pressão. Ao terminar “Ohms” com Terry, os Deftones evitaram o peso dos altos custos de estúdio. Frank ficou por lá enquanto Chino teria pela frente três horas de carro até Portland.

«Eu chegava a casa dele ao meio-dia e trabalhávamos até às seis horas, depois saíamos e bebíamos umas cervejas, voltávamos e talvez víssemos um jogo de basquetebol ou qualquer outra coisa, depois trabalhávamos um pouco mais e ia para casa. E no dia seguinte a mesma coisa», recorda Chino. «Foi uma boa experiência de trabalho, quando não tens a ideia de: ‘Só tenho de fazer isto para poder seguir em frente com a minha vida.’»

A experiência também forneceu o necessário alimento artístico e social a Chino, que passou boa parte dos seus 40s num estado de inquietação.

Sete anos antes, Chino deixou LA e foi para a pequena cidade de Bend, Oregon. Além de gravar e fazer digressões com Deftones, Chino esteve imerso em Team Sleep, Crosses, Palms e vários outros projectos paralelos durante o seu tempo por lá. Tinha sido prolífico – talvez prolífico demais – e precisava desesperadamente de restaurar o seu equilíbrio.

«A minha vida na altura era muito agitada», recorda. «Eu queria um bom equilíbrio para estar nalgum lugar onde, quando saísse da digressão e voltasse a casa, pudesse descomprimir completamente e relaxar. Então foi porreiro. Nos primeiros anos, talvez…»

Bend, uma antiga cidade madeireira com uma população de 105000 pessoas – em comparação com os quatro milhões de LA – é mais conhecida pelos desportos ao ar livre e possui o último videoclube Blockbuster. No início, Chino desfrutou da solidão, mas depois começou a cansar-se disso. Chino tinha poucos amigos locais e às vezes fazia a viagem de três horas até ao norte, para Portland, para tocar com o seu amigo de longa data e colaborador Chuck Doom, mas não conseguia entrar numa sala com os Deftones a menos que estivessem em digressão. À medida que esse anseio por companhia crescia, também crescia a sua insatisfação com a vida quotidiana e recorreu à terapia.

«Cheguei a um ponto em que me sentia muito isolado e solitário, e passei muito tempo sozinho nos últimos anos, sem fazer música, sem ser criativo», diz. «Quer estivesse a andar de bicicleta ou a praticar snowboard – que é tudo o que gosto de fazer –, fazia tudo sozinho. Então, estava sempre sozinho. Se alguém me visse nalgum lado, eu estava sozinho. Em casa estava tudo muito bem, não era como se estivesse a passar por algo maluco, mas estava a tentar descobrir: ‘Por que é que estou meio deprimido? Moro num lugar lindo, tenho emprego, uma família saudável e tudo o mais… Por que é que estou tão agitado?’»

Chino já tinha considerado fazer terapia, mas não conseguiu forçar-se a ir. Afinal tinha a sua esposa, a sua família, os seus amigos e os seus companheiros de banda – Chino fala com Abe quase todos os dias por telefone. A diferença, descobriu, era que com um estranho conseguia ser brutalmente honesto.

«Eu não quis fazer isto durante muito tempo. Eu queria fazer isto, mas talvez estivesse com medo de o fazer. E depois, uma vez que o fiz, foi do tipo: ‘Pá, por que é que não fiz isto há mais tempo? E por que é que existe um estigma associado a isto, se é que existe um? Ou por que é que pensei que havia um estigma associado a isto?’ Do tipo, se vais falar com alguém, é porque és mentalmente instável. É como admitir que tens um problema ou algo assim – percebes o que quero dizer?», diz. «Honestamente, acho que é uma daquelas coisas em que nem precisas de ter um problema, mas é apenas uma coisa saudável a fazer-se. Mesmo a falar agora, é bom deixar as coisas saírem e expressá-las às vezes. E não estava a fazer isso durante um tempo.»

À medida que Chino começou a entender-se melhor, fez alguns ajustes – um dos quais foi mudar-se para Portland e para a civilização. Depois de alugar uma casa em Lake Oswego durante um ano para testar o local, agora é proprietário de um novo espaço. «Mudar-me para cá foi do tipo: ‘Consigo estar perto da cidade, posso ir ver espectáculos, jogos de basquetebol, sair e ter algum tipo de vida nocturna e sentir que sou humano novamente.’»

Pergunte-se a Chino, de 47 anos, o que ganha por estar num grupo como Deftones e ele resume: «A resposta fácil e simples é felicidade e camaradagem», sorri. A COVID-19 pode ter mandado os seus planos para a desordem, mas pelo menos em 2020 sente-se mais capaz de o enfrentar.

«É bom saber que tenho amigos com quem posso partilhar as conversas do dia-a-dia, de quem ainda gosto da companhia, e essa é provavelmente a parte mais difícil sobre o que está a acontecer agora. Antes da pandemia, sentia-me isolado deles e agora é como se estivéssemos de volta a isso», diz. «Mas, obviamente, não estou sozinho nisto, porque todos estão no mesmo barco no que diz respeito a isolamento. Portanto, eu não diria que estou habituado a isto, mas sinto que lido melhor agora do que era antes da pandemia.»

A jornada de Chino, em toda a sua complexidade emocional, é reflectida na abertura bombástica de “Ohms”, com “Genesis”. Ondulando com uma atmosfera à criação do universo por Frank, irrompe com um riff atordoante de Stef, enquanto Chino grita desafiadoramente: «I reject both sides of what I’m being told!» Os seus pensamentos evoluem entre redemoinhos de peso, e no final grita: «Oh can you taste your life… balanced? / How will you spend your time… reborn?»

«Ao escrever isso, acho que não estava ciente», explica. «As primeiras letras são muito contundentes e são mais sobre ficar frustrado com tudo, mas, conforme a música desenvolve, a modos que percebes essa metamorfose – passar por algo e sair. É porreiro quando isso acontece. Apenas rabisco palavras que se encaixam nas melodias ou na cadência da minha voz, e depois revelam-se completamente para darem sentido a algo exactamente com o qual estou a lidar.»

De facto, “Ohms” é o álbum mais introspectivo de Chino e o mais esperançoso de Deftones. As letras de Chino permaneceram abstractas durante muito tempo ao evocarem humores em vez de divulgarem detalhes pessoais – “Adrenaline” apresentava lamentos sem forma enquanto “White Pony” apresentava narrativas dramáticas e fictícias. Quando se envolveu no álbum homónimo, Chino estava «muito maníaco e num lugar muito negro». Desta vez, há uma abertura. Desta vez, há uma sensação de que consegue ver onde está.

«Agora sinto que a minha visão está muito mais clara», diz. «Isso não significa que já não há provações e tribulações com as quais a maioria dos humanos lida no dia-a-dia, mas sinto que há muito mais luz. Mesmo que se caminhe pela escuridão, parece que se sai na luz. Mas sim, parece-me humano.»

Consultar artigo original em inglês.