O guitarrista dos Slayer, Jeff Hanneman, faleceu em 2013, mas o seu legado permanece. Dave Lombardo, ex-baterista de Slayer, saúda o...

O guitarrista dos Slayer, Jeff Hanneman, faleceu em 2013, mas o seu legado permanece. Dave Lombardo, ex-baterista de Slayer, saúda o seu antigo colega de banda.

(Texto de Dave Lombardo)

A primeira vez que vi o Jeff foi em 1981, logo depois do Kerry [King] e eu termos formado a banda, quando ensaiávamos em casa dos meus pais. Acho que o Kerry o conheceu algures, começaram a falar, e de repente trouxe o Jeff até à casa. Ele parecia-me um surfista calmo: longos cabelos loiros, a morar em Long Beach, podia estar numa prancha. Eu ficava do tipo, ‘este puto é porreiro’.

O Jeff teve uma influência muito grande no som de Slayer. Gostávamos do metal típico da época – Judas Priest, Iron Maiden, Rainbow, Deep Purple, estás a ver? Depois, certo dia, o Jeff apareceu no ensaio com a cabeça rapada. Ficámos todos do tipo, ‘uau, Jeff, o que é que fizeste?’ Ele disse: ‘Sou punk. Acabou.’ E trouxe muita música com ele: alguns vinis, algumas cassetes – Black Flag, TSOL, Minor Threat, Dead Kennedys, Circle Jerks. Eu estava do tipo, ‘uau, tenho estado em baixo de que pedra? Isto é fantástico!’. Foi um momento crucial – as nossas músicas tornaram-se mais rápidas, mais agressivas depois disso. Foi ele quem trouxe esse elemento para Slayer.

Quando conheces alguém, especialmente naquela idade, toda a gente fica calada e fechada. Mas à medida que começámos a conhecer o Jeff, ele abriu-se. Definitivamente, ele tinha aquela atitude punk de “foda-se o mundo”, especialmente depois de algumas cervejas.

Mas ele também era um tipo muito atencioso. Lembro-me de uma vez que tínhamos conduzido para tocar numa sala no Canadá, na nossa primeira digressão. Chegámos lá na noite anterior, e havia uma banda a tocar, então saímos, bebemos uns copos. Fiquei tão bêbado que fui à casa-de-banho, fechei a porta, sentei-me e apaguei. Acho que o Jeff veio à minha procura. Ele entra na casa-de-banho e tenta abrir a porta – puxa-a, quase arrancando-a das dobradiças para a abrir. Depois percebe que tudo o que tem de fazer é empurrá-la. Então, abre a porta e pega-me. Depois perguntei-lhe: ‘Jeff, as minhas calças estavam para baixo?’ Riu e disse: ‘Não, pá, estavas sentado na sanita com as calças para cima.’ Mas isso era o coração gentil do Jeff. Sei que se eu precisasse de algum tipo de ajuda, ele aparecia. Ele era assim. Era um bom amigo. Isso importa.

O que muita gente não sabe é que o Jeff era o menos instruído musicalmente e o menos instruído musicalmente na banda. Era um novato quando se juntou. Eu já tinha estado em duas ou três bandas antes disso, mas Slayer era a primeira dele. Ele não sabia muito, mas lentamente desenvolveu-se, tocou e aprendeu sozinho. Foi do tipo, ‘ena, pá, fizeste esse caminho, fizeste-o sozinho’.

Foi ele quem criou as suas próprias demos para as músicas que compunha. Ele programava a bateria electrónica, já imaginava as partes, o que era diferente de como o Kerry apresentava as suas músicas. Lembro-me dele a comentar as partes da minha bateria. Ele dizia: ‘Oh, gosto disso, é gostoso – torna-o mais saboroso.’ Ou se eu sugerisse uma batida típica de rock, ele classificaria isso como sendo “foleiro”. Tinha que ser de ponta para entrar no disco. Tinha que ser “saboroso”.

Nunca vi uma competição negativa entre o Jeff e o Kerry. Ambos queriam o melhor para a banda. Tenho a certeza de que o Jeff foi inspirado pelo Kerry e tenho a certeza de que o Kerry foi inspirado pelo Jeff, especialmente a sua capacidade para improvisar, algo que o Jeff tinha vantagem sobre o Kerry e o Tom [Araya]. Mas o Jeff e o Kerry foram muito inspirados por KK Downing e Glenn Tipton, dos Judas Priest. Se notarem, o Hanneman estava em palco à direita como o KK Downing e o King à esquerda como o Glenn Tipton.

O Jeff e eu formámos uma banda paralela chamada Pap Smear nos anos 1990. Éramos nós a ser miúdos do punk rock. Ele queria tocar baixo, então pegámos no Rocky George, dos Suicidal [Tendencies], que o Jeff adorava – ele admirava muito a alma que o Rocky tinha quando tocava. E um miúdo, com quem eu costumava surfar, era o vocalista. O seu nome era Joey Fuchs, mas chamava-se Joey Hanneman a si próprio e fingia ser irmão do Jeff, porque ambos tinham cabelos loiros e a modos que eram parecidos. Compusemos talvez cinco ou seis peças de música, mas nunca demos um concerto, porque sinto que Pap Smear estava a tirar o nosso foco de Slayer.

Como toda a gente, cresces e segues o teu próprio caminho. Quando regressei aos Slayer, no início dos anos 2000, estávamos todos um pouco mais maduros, mas o Jeff ainda era a pessoa feliz e brincalhona que sempre foi. Fui capaz de me reconectar mais com ele. Passávamos muito tempo no autocarro da digressão, a conversar, a ter longas conversas – não eram profundas, eram apenas coisas aleatórias.

No final do seu tempo em Slayer, chegou-se a um ponto em que a sua performance não estava em pé de igualdade com o resto da banda. O álcool estava a cobrar o seu preço, assim como as operações que ele tivera. Foi triste, mas tivemos que tomar a decisão e dar-lhe a notícia. Sei que isso o esmagou.

Antes de tudo isso, não sabíamos quanto tempo o Tom queria continuar, porque ele estava a pensar em retirar-se naquela altura. Então, o Kerry e eu conversámos sobre formar uma banda e dissemos: ‘Temos de recrutar o Gary Holt’, porque o conhecíamos de Exodus. Como se viu, o Gary tornou-se no guitarrista que substituiu o Jeff, e isso foi aprovado pelo Jeff. Ele era um grande fã da música do Gary – o Gary tinha aquele toque e alma que o Jeff adorava nos guitarristas.

Se o Jeff ainda estivesse aqui e ainda nos Slayer, ele não iria querer retirar-se. Ele lutava para manter a banda a funcionar. Ele pegou a banda pelos cornos e conduziu-a. O seu amor e a sua paixão eram a música e estar em palco. Essa paixão foi atenuada por toxinas, mas ainda estava lá.

Se há uma única música de Slayer que realmente define o Jeff, é a “Necrophobic” do “Reign In Blood”. Foi uma das músicas mais rápidas que fizemos: tinha um som agressivo, brutal, quase monótono. Ele andava por aí, apenas imitando aquele som. Lembro-me dele dizer: ‘Esta é rápida, é brutal, vamos levá-la ao limite, ao ponto de não podermos tocar mais rápido.’ E foi isso que fizemos.

Penso muito no Jeff. Não apenas quando as pessoas me perguntam sobre ele em entrevistas, mas também no meu tempo sozinho. Quando se está a crescer, tem-se a atitude de “viver rápido, morrer jovem”, mas secretamente pensamos que somos imortais. Então páras e dizes: ‘Oh, ele já não está cá’ e isso deixa um vazio no coração.

Nos últimos anos, provavelmente nos últimos seis meses em que ele estava em digressão com a banda, o Jeff sentava-se no autocarro e reflectia sobre os concertos. Ele dizia: ‘Porra, pá, a “Angel of Death” foi excelente esta noite.’ E depois de algumas bebidas, ele ficava do tipo: ‘Compus essa merda, Dave, compus essa merda.’ Ele estava tão orgulhoso das músicas clássicas que tinha escrito. Ele estava tão orgulhoso do que tinha feito.

Como dito a Dave Everley.

Consultar artigo original em inglês.